terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O FIM DO MUNDO - Roberval Paulo

O som ensurdecedor do trovão ressoou na imensidão azul do céu plúmbeo de medo. E o relâmpago, em raio eletrizante e cintilante, escorreu deslizante na abóbada em mistério anunciada, se perdendo no negro azulado da distância. A atmosfera cerrou as portas e o céu abriu suas comportas, inundando impetuosamente a noite em torrentes de terror e desespero. Escuridão era o que havia. Escuridão de uma noite sem luz e sem lua. De estrelas ausentes, apagadas no imaginar do escuro e de sonhos preocupados na inocente perspectiva de ver ali o mundo acabar.

A profecia se cumpria sem preparo e sem cerimônia. O fim chegava desavisado e não mais havia tempo nem mesmo pra falar de amor. Gritos se ouviam em todas as direções. Gritos de desespero e de impotência frente ao fenomenal evento. Uma desordem geral ordenou no mesmo ambiente e espaço todos os seres, revelando uma harmonia inexistente nos tempos da normalidade. Homens e mulheres se juntavam a leões e outros mais bichos, sem se incomodarem. Crianças escalavam dragões e serpentes, na inocência incomum de ambos, sem perigo algum. O ondular das ondas feria o espaço vazio com sua lâmina líquida e aterrorizante, vencendo quaisquer obstáculos, seja de gente, bicho ou outra qualquer natureza, se arremessando ferozmente sobre tudo, devorando sonhos, pensamentos, vidas e histórias, sendo história viajante em viagem de céu. Volumoso corpo aguacento, vivo e adjacente, num surdo rumor de riso e raiva, subindo vertiginosamente pela estrada aberta e larga que só se estreita nos limites dos céus. A natureza fechou seus olhos e se entregou, caindo por terra que nem terra mais é, levantando desta todos os filhos da luz ou trevas, levados igualmente e impiedosamente ao destino da viagem última. Consumado está o que não mais se pode remediar. O que foi é o que é e o que é pode ser o que não será.


O surpreendente de tudo, de todo este imensionável evento é que, mesmo no fim, a vida não acabava. A vida, quando chega ao fim, ainda é, em si, um ser existente. Ela se renova, transfigura-se e habita galáxias desconhecidas da terra a tão largos anos luz distantes, pelo espaço de um instante. E galáxias e outras mais galáxias se encheram de vida. Da vida que a terra renegou por não mais suportar. Se encheram da vida que não mais podiam aqui continuar, mas, que não estavam prontas, aperfeiçoadas para ao destino final e último chegar. E assim, vão por aí, habitando galáxias e mais galáxias até atingirem o último estágio da existência. 

Morrendo e recomeçando, em nova vida inserida, desconhecida de todos a nova vida investida, mas que é o caminhar lento, cortante e necessário para o aperfeiçoamento total enquanto ser, enquanto ser existente vindos do amor maior, vindos do seio do seu criador, por amor, e que se desvirtuaram por pouco quererem entender do amor que os trouxe à existência e então, penalizados estão, sentenciados a habitarem, de vida em vida, o desconhecido, até se conhecerem e se entenderem enquanto seres de amor que são, e, assim, alcançarem, pelo dom do amor, pelo dom do saber amar, o reino prometido lá no seio daquele que um dia por aqui caminhou e plantou com todas as letras e com o adubo da verdade, a razão da sua vinda e sacrifício. 

Lá no seio daquele que, se dirigindo a todos, indistintamente e indiscriminadamente, disse em tom de sabedoria e de santificação, a verdade maior: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao pai senão por mim”.

Roberval Paulo

CONSTRUÇÃO NATURAL - Roberval Paulo

Se não for como eu falei
É bem melhor que nem seja
É melhor nem ser bastante
Pra não ficar bem lembrado
É melhor não ser amante
É bom que seja espontâneo
É preciso ser estranho
Pra se dar a conhecer
É bom que saiba perder
Assim se aprende a ganhar
Na guerra em que for lutar
Lute por qualquer verdade
Nos becos dessa cidade
Quanta mentira escondida
Quanta gente destruída
E outras mais se perdendo
O trem da vida correndo
Nos trilhos do seu destino
A vida em desatino
Pede socorro a morrer
Não tem de não entender
Tudo vai se consumar
Mesmo que não concordar
Não é o que ninguém falou
Nem mesmo quem semeou
Ou deixou de semear
É sol em qualquer lugar
Tempestade em qualquer casa
Pra voar tem que ter asa
Mas é fácil rastejar
Eu disse, eu vou falar
Tem que ser como eu pensei
São as coisas que eu não sei
Que me fazem entender
Que a vida pra não morrer
Precisa entender a morte
Não é mais como eu falei
É como Ele escreveu
A morte que ele venceu
Não foi plantada na sorte
Tudo é como o vento norte
Tem direção natural
Existe a raíz do mal
Mesmo em meio a todo amor
O exército do desamor

É construção natural.

Roberval Paulo

MEMÓRIAS! - Roberval Paulo

Eu hoje ainda me lembro
Da minha bela cidade
Minha doce mocidade
Dos dias que eu fui feliz
Trago em minha lembrança
Um gosto de primavera
No tempo que o tempo era
O tempo que eu sempre quis

Estava sempre a brincar
Corria pelos quintais
No gosto dos laranjais
Sentia o gosto da vida
As tardes todas de festa
Nas águas lá da ribeira
“Passarin” de atiradeira
Uma alegria perdida

Nesse tempo eu não sabia
O que era labutar
Se ia só a brincar
Todas as horas do dia
Nadava, como eu sorria
Sem responsabilidade
A fazenda era a cidade
Onde meu sonho “avoava”
Meu grito denunciava
A minha felicidade

Eram gritos de verdade
Mentira não existia
A natureza sorria
Não tinha ali nem maldade
Hoje só resta saudade
Daquele olhar inocente
O tempo ficou demente
O mundo mostrou sua dor
Feriu de morte o amor
No germinar da semente

Eu que nem imaginava
Existir um padecer
Só alegria e prazer
Meu viver anunciava
A mata virgem cantava
Respondia eu do terreiro
Nesse canto derradeiro
Eu me perdia feliz
Pra o mundo pedia biz
Que tempo manso e ordeiro!

Hoje esse tempo medonho
Saudade é só o que resta
Os dias cantavam festa
Hoje é só tribulação
Se foram sonhos de flores
A alma respira guerra
Na boca o gosto de terra
De sangue no coração

Hoje eu sou qual esteio
Que segura a cumieira
Peso de mil aroeiras
Nas costas de um só cristão
Não quero mais ser lembrança
Quero esse passado agora
Voltar no tempo, na história

Revisitar meu sertão. 

Roberval Paulo

JOGO DO DADO - Roberval Paulo

Cada momento vivido
É mais um diminuído
Porque quem anda pra frente
Vai acabar no passado
Quem faz o jogo do dado
Seis chances tem pra morrer
Ou mesmo para viver
É só o dado jogar
E a vida continuar
Na direção do futuro
E se esse não encontrar
É que o futuro é passado
Probalidade do dado
Na estatística da vida
Vida vivida e sofrida
Estrada de amor e guerra
Sobe serra e desce serra
Caminhos de céu e mar
A luz de toda a existência
A vida que a morte encerra
A carne alimenta a terra

E o espírito se lança ao ar.

Roberval Paulo

INEXPLICANDO O EXPLICÁVEL! - Roberval Paulo

Na busca do inexplicável
Eu fui distante da terra
Viajei por entre serras
Ganhei o espaço infinito
Viajei por entre mitos
No monte Olimpo de Zeus
Vi que Zeus não era Deus
Quer dizer, era um deus
Mas não um Deus! O meu Deus!
E sim um deus que é finito


Esse deus que é mortal
Não é um Deus de verdade
O Deus da imortalidade
Não vai pra morte perder
Esses deuses, vou dizer
São relatos da história
Romperam com a aurora
Num tempo antes de mim
Hoje é passado, enfim
Na morte se foram embora


O nosso Deus de verdade
Este é onisciente
Ele é passado e presente
É futuro e eternidade
O nosso Deus de bondade
É também onipotente
Nosso Deus é diligente
Está em todo lugar
É a natureza, o mar

É a raíz e a semente.

Roberval Paulo

DESCULTUADO - Roberval Paulo

Pensando culturalmente
Não sou eu aculturado
Sou em mim, desculturado
Numa cultura sem cura
Mais que cura dor de dente
E até quebranto com reza
Portanto, não se despreza
A cultura que é escura
E sim, encontre brancura
Na cultura de sua terra


É a cultura de um tudo
No meio de tanto nada
É a folha da enxada
Antes da folha papel
É a falácia dos mudos
Valendo mais que a história
É uma oração sem glória
Um conceito sem virtude
O teatro de gertrudes
Fecha o pano sem memória

O homem deixa o existir
No tempo e não segue em frente
Mais Deus, compassivamente
Está no tempo e não passa
Mesmo intentando seguir
O homem finda, se encerra
De terra, volta à terra
Não importa o que ele faça
Mais se merecer a graça

Não encontrará mais guerra.

Roberval Paulo

AMOR! O SIMPLES...


A base da vida é o simples. É o que te acompanha pela vida toda. E você, na sua displicência com o simples, alterado e seduzido pelo valor superficial do material, se enraiga de egoísmo, de ambição e de outros tantos valores que terminam por te fazer menos gente que outro qualquer animal, não irracional, mas insensível.

É a insensibilidade degenerativa que nos ataca, nos transformando em seres dissociados de valores como caridade ou solidariedade, se estes valores nos despe de qualquer valor material que seja.

Vamos acordar desse superficialismo e sensacionalismo, desse materialismo e imediatismo...vamos acordar desse reumatismo que enfraquece nossa alma e nobreza e nos faz tão pobres que parece que só de insensibilidade e insensatez somos nós feitos.


Vamos acordar desse sonho material e entender que a solução de tudo está na mais simples e singela das palavras. Aquela palavrinha que, só por ela, fica tudo explicado: AMOR.

Roberval Paulo

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

PRA NÃO DIZER QUE EU DISSE ALGUMA COISA - Roberval Paulo

Tive um sonho e sonhei que era um anjo e aquele anjo sem asas, mas que, pela força do invisível e do mistério do incerto, voava e mais voava; voava que nem sabia como era a estrada de andar.. Um anjo sem asas e que de nada entendia nem mesmo porque era anjo e nem mesmo o que é ser anjo mas que, inexplicavelmente, voava, voava e mais voava..

Abri as asas que eu não tinha e ganhei os céus. Eu era esse anjo que asas ele não tinha. Subi, subi alto e contemplei, lá de cima, o altar. Um imenso boneco redondo, nas cores azul e verde e pés e cabeça alvos como neve. Refleti sobre aquela imensidão de espaço vazio e pude perceber a distância do meu pé ao meu pensar. Aquele espação infindo a perder de vista e nada para todos os lados, e direções, e sentidos, e só aquela bolinha em azul e verde, e branco nas extremidades, vagando ao léo, sem destino, suspensa no ar e sem amarras para lhe segurar.

Não entendi o mistério e mesmo se buscasse entender, não entenderia. Aquela bolona imensa, pequena diante do vazio do espaço, mas, imensa e desorquestrada...se comparada a mim. De terra e água é seu ninho; de mato e bicho seu peito, e ainda de gente, em todo o seu sentimento e muito de tudo. Milhões e milhões e até bilhões de tudo, portanto, pesada; pesada não, pesadona, e suspensa no vazio do espaço, sem cordas e não cai. Suspensa pela massa do ar e andando ao vento pelo tempo, sem parar e sem ninguém no volante. Não consigo entender nada. Quanto mais me findo nesse propósito, menos entendo. Dizem que é uma tal de gravidade ou lei da gravidade, não sei.

Na verdade, eu nem sabia se existia essa gravidez, nua e filha, nem sei de quem, a viajar pelo espaço, sem amarras, nem cordas, totalmente suspensa, sem raiz, a andar sem destino e sem direção, na órbita de um pensar que não é atmosférico. Penso que vai à procura do Apocalipse final que, a bem de uma outra verdade, eu também não sei o que é e nem onde mora, se é que ele tem residência; ou será que seria ele mais um descamisado andarilho pelos trilhos da esperança e que ao fim só encontra um mar de terra para guardar seu corpo ínfimo e pouco que descansa, leve e morto, ao pé de um jacarandá?


Penso mesmo que essa mãe que às vezes se chama terra, viaja sonho afora é em busca do pai que perdeu. Do pai de sua gravidade gestada em um tempo inexistente e distante, feito minhas asas que um dia estiveram em mim e que ao anúncio da criação dos filhos do gênesis, povoaram o olimpo. Assim zeus se fez Deus para apadrinhar a insensatez da mitologia fora do seu tempo mas que caminhava para encontrar a porta que culminasse e se materializasse nos trilhos da obscura luz da última realidade, ou, pelo menos, que fosse uma janela e, mesmo sendo a passagem, mais estreita, poderia por ela saltar ao espaço do precipício sem fim que é a viagem sem destino e sem direção e também, sem comandante, da mãe que procura pelo pai da gravidade gestada em seu ventre, que subiu e não desceu e, que quando desceu, acabou descendo mais do que o necessário para voltar a subir e, não mais subindo, passou do destino e não mais encontrou o caminho de volta. 

Assim se deu a viagem do anjo sem asas que nada de gravidez ou gravidade foi ao espaço buscar, mas que viu e se solidarizou com o choro das estrelas, lágrimas estas que diziam da estupidez exasperada daqueles seres ingnóbios que mais pareciam micróbios que cavavam sem parar o corpo daquele corpo que ainda hoje viaja mas não encontrou parada nem a estação pra estacionar, e nessa viagem sem fim leva toda a nossa vida e as nossas forças e sonhos para o espaço de um lugar que não se sabe onde é e nem se lá vai chegar mas que como todo ser que pisa os degraus do medo vai sem medo para a morte que fica na encruzilhada do canto daquela estrada que não se sabe parida ou se já foi a abortar.

Não desci do meu sonho, só acordei e, quando os olhos eu abri, estava ali, na minha frente, me olhando com aqueles olhos que eu não sei decifrar, o filho do pai que um dia partiu pra órbita da dor e deixou sozinha, a mãe, que viaja sem parar, e chora, como ela chora e suas lágrimas fizeram o mar e esse se vai a encher pois ela não para de chorar porque o pai não encontra e o filho é que aqui está e a mãe ainda nem pariu, só chora e chora e me olha junto com o pai que é seu filho e me chama, me chama e eu, que acordei agora, não sei se já é a hora de seguir não mais eu órfão ou se aqueles olhos de pai de mãe e de filho que é filho do pai da noite vai ainda permitir que o meu corpo comece essa viagem a seguir e que a cria do medo, do meu ser que desconheço me revele o segredo de não mais ter pesadelos e em paz poder dormir.

Roberval Paulo

LUA DOS AMANTES > O novo quando vem - Roberval Paulo

Uma cantiga de vento enrubesceu os amantes
E na moldura viajante dos olhos
A noite vinha lá do fim do mundo

A lua se escondia na brancura da nuvem
E na sonoridade da alma
Um silêncio se ouvia
Um silêncio de fazer cantar os mudos

O som do amor se encarnou por toda a luz
E todas as bocas disseram o provar de corpos em êxtase

Um uivo abafou a imensidão da distância
E o prazer aqueceu a alma enamorada

Os desejos ardem, convulsões desenfreadas
Sensações que se revelam
Na rima solta do verso

O ar cansado desmaia
Num respirar lento e cortante
E a forma disforme se renova

No formatar novo do novo.

Roberval Paulo

ANOITECER DE UM POETA - Roberval Paulo

Ainda não me disseram quem vinha pra me alegrar.
É que eu estava triste, uma tristeza tamanha
que eu quase que nem sabia o que é ser um ser feliz.

Mesmo com a ilusão de que aqui se caminha,
de que aqui se aninha e encontra a felicidade,
mesmo sabendo a cidade ser uma nossa aliada,
andando em suas calçadas de luzes e sons perdidos

De passos quase inauditos, de gritos roucos, de dor,
da noite em seu esplendor a acolher seus incautos,
da vida em passos largos, parando na encruzilhada,
na ponte que está cortada para não mais se emendar

Do ser que foi a voar por perder a caminhada,
da fonte doce e cansada correndo sem se abater,
do canto de um padecer mais solidão que tristeza,
mais prazer que aspereza na calda de um bentevi

Te vi ali, não aqui, resposta de um sabiá:
cantar bem eu sei, sou eu, que não me encontro é com a sorte,
só caminho é para o norte, um caminho conhecido,
não de mim, de um ser antigo que habitava outro mundo
e me disse – extra pra o mundo! – cheguei e aqui sou razão,
não me fale de emoção, isso já foi, é passado,
agora o tempo é fechado, não há lugar para a dor,
todo o horror que habitava o universo do ser,

hoje vai a entardecer o que amanhã for amor.

Roberval Paulo

SONHO DE ACORDAR QUEM DORME - Roberval Paulo

Sabe,
eu queria o prazer de um sonho,
um sonho eu queria ter,
mas um sonho desses sonhos
que a gente sonha e sonhando
só pensa em se enveredar
pelo caminho sonhado
e pensado e perseguido,
imbuído do desejo
desse sonho realizar.

Mas um sonho que, sonhado,
assim, se realizasse,
mas não fosse tão real
como a dura realidade,
fosse somente verdade,
mas  não doesse, alegrasse,
um sonho que reparasse

os erros sem machucar.

Roberval Paulo

O FIM DO COMEÇO QUE NÃO TERMINA - Roberval Paulo

Já morri muitas vezes na ingratidão de pessoas queridas e amadas.
Já chorei lágrimas que nem minhas eram pela solidariedade e pelo sentimento mágico do sofrer e amar juntos.
Substituí, pelo amor, pessoas insubstituíveis.
Perdi tantas vezes que sempre busquei em mim o caminho de ganhar.
Esqueci acontecimentos que muito me judiaram e que diziam-se inesquecíveis.

Mas, vivi!
Vivi mesmo quando só de morte se apresentava o horizonte.
Vivi mesmo quando a vida me indicava a estrada de morrer.

Fui derrubado inúmeras vezes e, pela insistência, persistência e pela necessidade enigmática da missão continuar, pus-me sempre de pé.
Suportei dores ditas insuportáveis.
Perdoei quantas vezes necessárias fossem pelo espírito do Deus humilde que habita a alma e o coração dos homens e que nos faz lembrar sempre do quanto que nada somos.

Transpus obstáculos da realidade intransponível pela alegria inconteste e extremamente prazerosa do “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, - lema do grandioso mágico das palavras Fernando Pessoa.

Saí fortalecido pós cada derrota sofrida e em frente segui, confiante e esperançoso, por acreditar que “no fim tudo dá certo. Se não deu certo, é porque ainda não chegou ao fim”, - conselho do nosso tão perspicaz Fernando Sabino.

Procurei ser sensato quando a insensatez comandava todos os meus sentidos, pela inteligência inata que nos permite, com esforço, usar a razão como guia da emoção e do instinto.

Busquei um fio de prudência que fosse, quando só de imprudência e irresponsabilidade era o meu ser povoado, pois assim me situava, posicionando-me na linha reta do meu pensar torto.

Desafiei tanto a vida que a aventura da morte de mim fugia e renegava-me, resignando-se por compreender o risco inerente, constantemente inconstante, no perigo iminente do viver desejável e indecente do mundo, mas carregando a crença inviolável na verdade e decência do “tudo posso naquele que me fortalece” – Filipenses 4:13.

Mas, contudo, todavia, entretanto e, sobretudo, vivi.

Vivi mesmo quando a vida insistia em desistir.
Vivi mesmo com a sorte a léguas de mim distante, que corria à minha frente, em seu galope ligeiro, certeiro e indiferente, sem querer minha chegada.
Vivi com a adversidade visitando o meu terreiro, me fiz ser passarinheiro quando não podia andar e caminhando ou voando, chorando ou se alegrando, construindo ou destruindo, caindo e se levantando, planejando ou improvisando, morrendo ou ressuscitando, fui vivendo e revivendo, vagando e porfiando, “pois quão bom é porfiar”- (Basílio da Gama, em o Auto da Barca do Inferno).

Enfim, sempre experimentando, e em mim revigorando a força vital do existir, a única realidade, última oportunidade, em verdade, consequente que, irremediavelmente, vai se haver com o inevitável, mal ou bem, inexplicável, intrigante, incontestável, cumprindo o oráculo santo para enfim renascer.

É o começo do fim, ou o fim do seu começo, que vai dar na eternidade, que não se sabe vida ou morte, nem rumo sul e nem norte, se indo a desnascer.


Roberval Paulo

LEMBRANDO DO MEU PAI - Roberval Paulo


Hoje amanheci assim meio saudoso, lembrando do meu pai 
que nos deixou a muito tempo. 
Lembrei a sua presença viva no nosso meio 
e me veio tão grande tristeza que umas lágrimas teimosas e desobedientes insistiram em descer pelo meu rosto. 
É incrível quanta falta ele nos faz, mesmo depois de mais de 30 anos de sua partida. 

Ao meu pai Vicente Paulo...Saudades!!!
...Minha homenagem com este lindo poema do poeta paraibano Ronaldo Cunha. 
Receba Pai, no reino dos céus e com as bençãos de Deus, 
estas linhas de amor, de dor, de saudade e da certeza do abraço 
e da presença eterna de Deus em nossos caminhos. 

À tua presença viva em mim:

CONVERSANDO COM MEU PAI - Ronaldo Cunha

Na quietude d'aquela noite densa,
Reclamei numa saudade a presença
Do meu Pai, que há muito já morreu!...
Sorumbático e só, fiquei na sala,
Sem ouvir de ninguém uma só fala:
Todos dormiam entregues a Morfeu.

Continuei sozinho da vigília,
Contemplando a placidez da mobília,
Num silêncio quase que perfeito;
Quebrado apenas com o gemer da rede,
As pancadas do relógio na parede
E o pulsar do coração dentro do peito.

De repente, coberta com um véu,
Uma nuvem nascia lá do céu,
E na sala onde eu estava, caí...
Era algo de espanto realmente
Dissipa-se a nuvem lentamente
E vai surgindo a imagem do meu pai.

Boa noite, meu filho! E se assusta?
Tenha um pouco de calma, porque custa
Novamente voltar por este trilho:
Eu rompi os umbrais da eternidade
Para, em braços de amor e de saudade,
Conversar com você, querido filho!

Tenho assistido todos os seus passos,
Suas lutas, vitórias e fracassos,
Em ânsias que não posso mais contê-las:
Eu lhe assisto, meu filho, todo dia,
Em suas vitórias choro de alegria
E as lágrimas transformam-se em estrelas.

Tenho visto também seus sofrimentos
Suas angústias, dores e tormentos
E esperanças que foram já frustradas;
Tenho visto, meu filho, da eternidade,
O desencanto de sua mocidade
E o pranto de suas madrugadas.

Compreendo, também, sua tristeza
Ante a ânsia que traz na alma presa
De adejar cortando monte e serra;
Sua ânsia de voar, cantando notas,
Misturar seu vôo ao das gaivotas,
Que beijam os céus sem deixar a terra


Mas, ao lado dos atos de grandeza,
Você me causa, filho, também tristeza,
Em desgosto minh'alma já flutua:
Ontem, porque não estava pronta a ceia,
Pra sua mãe você fez cara feia,
Bateu a porta e foi jantar na rua.

Você não soube, meu filho, e no entanto,
Ela caiu prostrada em um pranto
Soluçando seu íntimo desgosto.
Nunca mais, meu filho, isto faça,
Pois para um filho não há maior desgraça
Que em sua mãe deixar rugas no rosto.

Nunca mais a ofenda, nem de leve!...
O seu amor a ela aos céus eleve
E escute sempre, sempre o que ela diz.
Peça a Deus para durar sua existência
E, se assim fizer de consciência,
Você, na vida, tem que ser feliz.

Conduza-se na vida com altivez,
Fazendo da probidade, da honradez,
Para você o seu forte brasão;
Aprofunde-se, meu filho, no estudo,
Fazendo da justiça o seu escudo,
E amando o povo como ao seu irmão.

Continue no trabalho a que se entrega
Sem temer obstáculo nem refrega,
Pois com a vitória sempre você vai,
E se assim fizer, querido filho,
Sua vida há de ser toda de brilho,
E honrará o nome de seu pai.

E nisso a nuvem comoventemente,
Aos poucos se junta novamente,
Envolvendo meu pai num denso véu;
E num olhar tão meigo e bem sereno,
Dirige para mim um triste aceno
E vai de novo subindo para o céu!

E eu fiquei chorando de saudade,
Alimentando aquela ansiedade,
Sem poder abrandá-la. Que castigo!
Por isso nunca mais dormi. Vivo na ânsia,
Esperando que meu pai rompa a distância,
Pra vir de novo conversar comigo

Ronaldo Cunha Lima


Fonte: Poeta Pajeuzeiro