terça-feira, 20 de setembro de 2016

CAMINHAR DAS ÁGUAS - Roberval Paulo

         
Ali, recostado naquele barranco, quebrando gravetos e cortando folhas com a ponta dos dedos, atirava-os nas águas da fonte que corria, lavando meus pés. Notei que meus pés, imersos, tinham-se tornado um obstáculo à passagem livre das águas. Fixei meus olhos pela superfície e pude perceber quantos obstáculos tinham que ser vencidos para que ela continuasse a correr. Eram tantas pedras, arbustos, desníveis do terreno e árvores obstruindo seu caminho, complementado pelas barbaridades dos homens com suas barragens, seu lixo, desmatamentos, em suas constantes tentativas insanas de parar essa corrida que, aparentemente, parecia que a qualquer momento, a fonte poderia desistir. Mas ela, teimosa e obstinada, resistia a tudo e continuava a correr, projetando-se em curvas, desvios, lagos, corredeiras e cachoeiras, só aumentando sua beleza diante dos obstáculos, transformando-os em molduras para o seu esplendor total.
        
             Olhei para os meus pés e vi que eles continuavam sendo lavados, porém, por uma água que se renovava a cada novo instante. A água lavava e se ia embora, não voltando mais, passando parte dessa tarefa a uma nova água. A água do instante seguinte, que pela primeira vez passava por aquele caminho, cumpria sua missão e continuava em frente, sendo nova e desconhecida a cada novo espaço percorrido. A água de agora já não é a água do instante passado e não será a água do instante seguinte. Ela se renova a cada instante, a cada piscar de olhos que, por sua vez, também são novos. Cada piscar de olhos é único como é único cada instante, cada minuto, cada hora, cada dia, e assim, sucessivamente. Amanhã é um outro dia, pois o dia de hoje só acontece uma vez. O próximo segundo é outro segundo, novo e desconhecido para mim como é desconhecido para a água cada novo centímetro, cada novo metro percorrido.
        
         Esse momento só acontece uma vez, só acontece agora e passa, não se importando com o que você tenha feito ou deixado de fazer. Nada pode mudar esse ciclo. Tudo só acontece uma vez, uma única vez. Só temos uma vida para este mundo.

          Portanto, resta-nos aproveitar ao máximo, com toda energia e com todas as nossas forças, cada momento da nossa vida, nos doando por inteiro, com amor intenso, nunca desistindo diante dos obstáculos apresentados. Não importa se são momentos bons ou ruins, fáceis ou difíceis; o que importa é viver e viver é agir e reagir em todas essas situações, procurando sempre tirar o máximo proveito de tudo o que nos acontece, pois, partindo do princípio de que tudo é suscetível a todos, chegamos à sábia conclusão de que o importante não é o acontecimento em si, e sim, a posição que assumimos diante deste acontecimento. Observem a água. O seu segredo consiste na capacidade de correr sempre, e, para ela, não importa os obstáculos, nem o que ficou para trás. Só importa a corrida e está na corrida a sua razão de ser; a sua própria vida.

        A água que corre é viva e semeia a vida por onde passa. A água parada é morta e mata todas as vidas ao seu redor.

        Corra então para viver, pois assim, serás motivo de estímulo para a vida, porém, nunca pare  para não correr o risco de morrer pelo comodismo e pelo desgosto daqueles que o cercam.

Roberval Paulo