terça-feira, 17 de junho de 2014

ANOITECER DE UM POETA - Roberval Paulo

Ainda não me disseram quem vinha pra me alegrar.
É que eu estava triste, uma tristeza tamanha
que eu quase que nem sabia o que é ser um ser feliz.

Mesmo com a ilusão de que aqui se caminha,
de que aqui se aninha e encontra a felicidade,
mesmo sabendo a cidade ser uma nossa aliada,
andando em suas calçadas de luzes e sons perdidos

De passos quase inauditos, de gritos roucos, de dor,
da noite em seu esplendor a acolher seus incautos,
da vida em passos largos, parando na encruzilhada,
na ponte que está cortada para não mais se emendar

Do ser que foi a voar por perder a caminhada,
da fonte doce e cansada correndo sem se abater,
do canto de um padecer mais solidão que tristeza,
mais prazer que aspereza na calda de um bentevi

Te vi ali, não aqui, resposta de um sabiá:
cantar bem eu sei, sou eu, que não me encontro é com a sorte,
só caminho é para o norte, um caminho conhecido,
não de mim, de um ser antigo que habitava outro mundo
e me disse – extra pra o mundo! – cheguei e aqui sou razão,
não me fale de emoção, isso já foi, é passado,
agora o tempo é fechado, não há lugar para a dor,
todo o horror que habitava o universo do ser,

hoje vai a entardecer o que amanhã for amor.

Roberval Paulo

O FIM DO MUNDO - Roberval Paulo

O som ensurdecedor do trovão ressoou na imensidão azul do céu plúmbeo de medo. E o relâmpago, em raio eletrizante e cintilante, escorreu deslizante na abóbada em mistério anunciada, se perdendo no negro azulado da distância. A atmosfera cerrou as portas e o céu abriu suas comportas, inundando impetuosamente a noite em torrentes de terror e desespero. Escuridão era o que havia. Escuridão de uma noite sem luz e sem lua. De estrelas ausentes, apagadas no imaginar do escuro e de sonhos preocupados na inocente perspectiva de ver ali o mundo acabar.

A profecia se cumpria sem preparo e sem cerimônia. O fim chegava desavisado e não mais havia tempo nem mesmo para falar de amor. Gritos se ouviam em todas as direções. Gritos de desespero e de impotência frente ao fenomenal evento. Uma desordem geral ordenou no mesmo ambiente e espaço todos os seres, revelando uma harmonia inexistente nos tempos da normalidade. Homens e mulheres se juntavam a leões e outros mais bichos, sem se incomodarem. Crianças escalavam dragões e serpentes, na inocência incomum de ambos, sem perigo algum. O ondular das ondas feria o espaço vazio com sua lâmina líquida e aterrorizante, vencendo quaisquer obstáculos, seja de gente, bicho ou outra qualquer natureza, se arremessando ferozmente sobre tudo, devorando sonhos, pensamentos, vidas e histórias, sendo história viajante em viagem de céu. Volumoso corpo aguacento, vivo e adjacente, num surdo rumor de riso e raiva, subindo vertiginosamente pela estrada aberta e larga que só se estreita nos limites dos céus. A natureza fechou seus olhos e se entregou, caindo por terra que nem terra mais era, levantando desta todos os filhos da luz ou trevas, levados igualmente e impiedosamente ao destino da viagem última. Consumado está o que não mais se pode remediar. O que foi é o que é e o que é pode ser o que não será.


O surpreendente de tudo, de todo este imensionável evento é que, mesmo no fim, a vida não acabava. A vida, quando chega ao fim, ainda é, em si, um ser existente. Ela se renova, transfigura-se e habita galáxias desconhecidas da terra a tão largos anos luz distantes, pelo espaço de um instante. E galáxias e outras mais galáxias se encheram de vida. Da vida que a terra renegou por não mais suportar. Se encheram da vida que não mais podiam aqui continuar, mas, que não estavam prontas, aperfeiçoadas para ao destino final e último chegar. E assim, vão por aí, habitando galáxias e mais galáxias até atingirem o último estágio da existência. 

Morrendo e recomeçando, em nova vida inserida, desconhecida de todos a nova vida investida, mas que é o caminhar lento, cortante e necessário para o aperfeiçoamento total enquanto ser, enquanto ser existente vindos do amor maior, vindos do seio do seu criador, por amor, e que se desvirtuaram por pouco quererem entender do amor que os trouxe à existência e então, penalizados estão, sentenciados a habitarem, de vida em vida, o desconhecido, até se conhecerem e se entenderem enquanto seres de amor que são, e, assim, alcançarem, pelo dom do amor, pelo dom do saber amar, o reino prometido lá no seio daquele que um dia por aqui caminhou e plantou com todas as letras e com o adubo da verdade, a razão da sua vinda e sacrifício. 

Lá no seio daquele que, se dirigindo a todos, indistintamente e indiscriminadamente, disse em tom de sabedoria e de santificação, a verdade maior: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao pai senão por mim”.

Roberval Paulo