quarta-feira, 25 de setembro de 2019

A NOITE, MINHA AMADA! - Roberval Paulo


Tô aqui, eu e a noite, 
minha silenciosa companheira
sorrindo comigo e dizendo-me: 
pode ir que eu te guio
pelos caminhos ocultos e escuros 
para que os outros não vejam o teu pensar.

E eu sigo, tranquilo e confiante, 
noite afora, de bar em bar,
de boca em boca, 
de beijo em beijo, 
vivendo o que me é propiciado
pela minha terna e envolvente companheira, 
a noite.

E, no amanhecer de uma nova ordem, 
tudo se encerra
e nos recolhemos 
extasiados e saciados, 
mas, felizes,
eu e ela, 
ao nosso leito manso  
sereno e confortante

para, juntos, 
recompormos as energias libertadas,
fortalecendo-nos para a próxima jornada 
que se inicia
ao anoitecer do próximo dia, 
onde os sonhos se fundem
com a dura e cruel, mas, 
ao mesmo tempo, 
doce e meiga realidade.


Roberval Paulo

terça-feira, 24 de setembro de 2019

RECONSTRUÇÃO - Roberval Paulo


O que é a vida
Senão um passar sem fim
E o fim de cada um nascendo bem logo ali

O que é essa vida
Senão um caminhar sem folgar
E o destino bem ali na esquina a lhe espreitar

Você segue escolhendo o seu caminho
E quando o tempo se perde
E você se descaminha no vão da estrada errante

Quer voltar mais já não pode
Quer corrigir mais deu bode
O jeito é seguir em frente mesmo errado e cortante

Então siga e siga de passo largo
Provando o doce e o amargo
Até encontrar pelo caminho
Um santo, um anjo, um passarinho
Que não lhe faça embargo
E que lhe agasalhe um ninho

Pra sua alma repousar
O seu corpo descansar
E as forças recuperar
Para depois renovado
De corpo e alma lavados
Reconstruir seu caminho.


Roberval Paulo

EU FUGITIVO DE MIM - Roberval Paulo

Vou me lembrar um dia
ainda que eu não recorde 
a saga de quem eu fui 
antes mesmo de existir
É porque, reeditando-me 
nunca soube quem eu ser
E ainda que seja eu 
é como se eu não fosse
E mesmo sem conhecer-me 
vou querer saber de mim
E ao som e suor dos meus passos
Encharcar-me-ei de vida

Vou querer saber porque 
eu penso que já sou outro
E quando assim me reporto 
é porque já tô perdido
E no mundo em que eu vivi 
no tempo não prometido
Eu me enganava comigo 
pensando ser eu o novo

Mas não era, era um outro 
que existia em mim
Numa confusão de dúvidas 
duvidando a identidade
Identificando o ser 
de não ser uma verdade
E em ser e parecer 
fugi de mim sem ser visto

Fugindo eu próprio me vi
Encaixando-me em mim
Não foi tão ruim assim
Era quase um dé-jà-vu
Porque fugindo de mim
Encontrei-me bem ali
Fiz o caminhar da vida
Tão doce feito pudim
Os meus passos, meu olhar
Minha casa, meu manjar
Meu corpo, meu paladar
Tinham cheiro de jasmim
Deitar-me-ei no jardim
Verei a vida passar
Eu comigo a contemplar
O eu do outro de mim
E o universo a exalar
Um aroma de alecrim.

Roberval Paulo