quinta-feira, 31 de março de 2016

COISA BELA! - Roberval Paulo

Eu escrevo como quem sonha
Como quem sonha a coisa bela
E o sonho é de quem ama
Como a caça é do caçador

Eu sonho como quem ama
Como quem ama a coisa bela
E o amor é de quem cria
Como a criatura é do criador

Eu amo como quem cria
Como quem cria a coisa bela
E a criação é de quem escreve

De quem escreve certo por linhas tortas.
Roberval Paulo

DIFÍCIL DE SER - Roberval Paulo

É sempre difícil viver
Difícil mais ainda é conviver
Sonhar, chorar, brigar, amar...
                                               é difícil de ser.
Mas, no fim, tudo se resume no nada
No nada de que nada mais posso mudar
No nada de que nada mais posso fazer
No nada de não mais poder voltar atrás
No nada onde já sou história
                                       e não posso retroceder.

Este é o tempo de fazer e a vida
                                       não anda para trás
Olhe sim, para trás, para os lados e para a frente
                Reestude o caminho
                Faça a correção de rumo
E de bússola e coração na mão

                Siga em PAZ!

Roberval Paulo

ANGUSTIANTE ESPERA - Roberval Paulo

À noite, navegando
sou um rio sereno
leito manso e calmo
silencioso no silêncio das tardias horas
horas mortas da vida em sono de espera.

Se unir ao mar vai esse rio
na lentidão angustiante dos dias
às vezes revolto, carregando dores, bramindo
e por vezes, calmo
soberbo e magestoso
na alegria das flores e da vida.

À noite, o sonho amanhece
e o rio de minha alma   
                  só águas levando
para muito além do
                            engenho do medo
para onde meus sonhos
um dia chegarão.

Vai meu ser e
transporte este rio, que este rio
sou eu
sem o meu existir
e leve-me em suas águas
para eu encontrar-me
na reflexão dormente do meu travesseiro
na noite do meu dia inteiro

no espaço vazio do meu ser que te espera.

Roberval Paulo 

ENCONTRO - Roberval Paulo

Cansei de está a sós comigo e quero hoje
aproximar-me um pouco de ti.
Não que eu tenha me cansado de mim. Não é isso.
Ainda me amo e me amo com todo o amor
e força que tu me destes.
É que, simplesmente, senti a tua ausência no meu ser.
A culpa, com certeza, é minha. Minha mea culpa!
Minha tão grande culpa!
Este afastamento fui eu quem causei
pela minha imperfeição que não veio de ti.

Mas aqui te encontro e me encanto
pelo teu amor que é pleno e único.
Um amor que é teu e doado a todos,
indistintamente e indiscriminadamente,
somente pelo dom do amor maior.
O amor só pelo amor, que só é possível em ti.

E assim, silencio-me e no meu silêncio,
acordo minha alma que numa lágrima solitária,
repete e repete, ecoando na estrada: Te amo! Te amo!
Te amo!
Me amas! Eis a resposta.
Reina o silêncio. A paz acalenta o meu ser
Não digo mais nada. A tua luz brilha em mim.
Um claro existir rompe em soluços do meu peito
Os anjos choram e suas lágrimas deslizam pela minha face
Anunciando em meu ser o teu mais pleno e sublime AMOR!


Roberval Paulo

LEMBRANDO DO MEU PAI

Hoje amanheci assim meio saudoso, lembrando do meu pai 
que nos deixou a muito tempo. 
Lembrei a sua presença viva no nosso meio 
e me veio tão grande tristeza que umas lágrimas teimosas e desobedientes insistiram em descer pelo meu rosto. 
É incrível quanta falta ele nos faz, mesmo depois de mais de 30 anos de sua partida. 

Ao meu pai Vicente Paulo...Saudades!!!
...Minha homenagem com este lindo poema do poeta paraibano Ronaldo Cunha. 
Receba Pai, no reino dos céus e com as bençãos de Deus, 
estas linhas de amor, de dor, de saudade e da certeza do abraço 
e da presença eterna de Deus em nossos caminhos. 

À tua presença viva em mim:

CONVERSANDO COM MEU PAI - Ronaldo Cunha

Na quietude d'aquela noite densa,
Reclamei numa saudade a presença
Do meu Pai, que há muito já morreu!...
Sorumbático e só, fiquei na sala,
Sem ouvir de ninguém uma só fala:
Todos dormiam entregues a Morfeu.

Continuei sozinho da vigília,
Contemplando a placidez da mobília,
Num silêncio quase que perfeito;
Quebrado apenas com o gemer da rede,
As pancadas do relógio na parede
E o pulsar do coração dentro do peito.

De repente, coberta com um véu,
Uma nuvem nascia lá do céu,
E na sala onde eu estava, caí...
Era algo de espanto realmente
Dissipa-se a nuvem lentamente
E vai surgindo a imagem do meu pai.

Boa noite, meu filho! E se assusta?
Tenha um pouco de calma, porque custa
Novamente voltar por este trilho:
Eu rompi os umbrais da eternidade
Para, em braços de amor e de saudade,
Conversar com você, querido filho!

Tenho assistido todos os seus passos,
Suas lutas, vitórias e fracassos,
Em ânsias que não posso mais contê-las:
Eu lhe assisto, meu filho, todo dia,
Em suas vitórias choro de alegria
E as lágrimas transformam-se em estrelas.

Tenho visto também seus sofrimentos
Suas angústias, dores e tormentos
E esperanças que foram já frustradas;
Tenho visto, meu filho, da eternidade,
O desencanto de sua mocidade
E o pranto de suas madrugadas.

Compreendo, também, sua tristeza
Ante a ânsia que traz na alma presa
De adejar cortando monte e serra;
Sua ânsia de voar, cantando notas,
Misturar seu vôo ao das gaivotas,
Que beijam os céus sem deixar a terra


Mas, ao lado dos atos de grandeza,
Você me causa, filho, também tristeza,
Em desgosto minh'alma já flutua:
Ontem, porque não estava pronta a ceia,
Pra sua mãe você fez cara feia,
Bateu a porta e foi jantar na rua.

Você não soube, meu filho, e no entanto,
Ela caiu prostrada em um pranto
Soluçando seu íntimo desgosto.
Nunca mais, meu filho, isto faça,
Pois para um filho não há maior desgraça
Que em sua mãe deixar rugas no rosto.

Nunca mais a ofenda, nem de leve!...
O seu amor a ela aos céus eleve
E escute sempre, sempre o que ela diz.
Peça a Deus para durar sua existência
E, se assim fizer de consciência,
Você, na vida, tem que ser feliz.

Conduza-se na vida com altivez,
Fazendo da probidade, da honradez,
Para você o seu forte brasão;
Aprofunde-se, meu filho, no estudo,
Fazendo da justiça o seu escudo,
E amando o povo como ao seu irmão.

Continue no trabalho a que se entrega
Sem temer obstáculo nem refrega,
Pois com a vitória sempre você vai,
E se assim fizer, querido filho,
Sua vida há de ser toda de brilho,
E honrará o nome de seu pai.

E nisso a nuvem comoventemente,
Aos poucos se junta novamente,
Envolvendo meu pai num denso véu;
E num olhar tão meigo e bem sereno,
Dirige para mim um triste aceno
E vai de novo subindo para o céu!

E eu fiquei chorando de saudade,
Alimentando aquela ansiedade,
Sem poder abrandá-la. Que castigo!
Por isso nunca mais dormi. Vivo na ânsia,
Esperando que meu pai rompa a distância,
Pra vir de novo conversar comigo

Ronaldo Cunha Lima

Fonte: Poeta Pajeuzeiro


quarta-feira, 30 de março de 2016

A POESIA COMO REALIDADE ABSTRATA - Roberval Paulo

A poesia é libertação e o poeta
À força de sangue e suor, sonhos e inspiração
Se prende nas palavras
Se faz herdeiro do nada
À procura da liberdade que não vem.

A poesia o seu próprio caminho tem
É esta a estrada na direção contrária da vida
E em sentido oposto corre o poeta
Semeando palavras
Descartando sonhos e encantando serpentes
De veneno mortal
Que mais tarde lhe cravarão seus dentes.

A poesia é água vertente
Descansando nos leitos da verdade surreal
Encontrando guarida só no sonho do poeta
Que, isolado e só, recria dia a dia
Os caminhos da humanidade desumanizada.

A poesia é viagem desassossegada
Ventania cinzenta colorindo nostalgias
Em verde azul e róseo trabalha a mesma poesia
E o poeta, louco e sem cor
Desfila suas dores na amargura abstrata do nada
E sangrando seus horrores em sangue e tinta apenada
Ascende aos corações o bem do amor.

A poesia é bela e o belo é amor
E o amor se mortifica frente a realidade falida
E o poeta, triste e sozinho, se desintegra da vida
Saindo à francesa pela tangente do horror
E tanto dos seus sonhos a sonhos alheios semeou

Que fez-se sem sonhos a sua própria partida.

Roberval Paulo

MATANDO LEÕES - Roberval Paulo

Por caminhos iguais
Por destinos iguais
Os iguais se encaminham
Em sutis diferenças
Nos vãos da ciência
Diferenças se aninham.

E um se diz Deus
Mil outros ateus
Naufragam na dor
Transgridem a razão
Transpiram emoção
No ódio e no amor.

E fere um igual
Se torna imortal
Na guerra do ter
Afogam paixões
Matando leões

Jogos do poder.

Roberval Paulo

ONDA AZUL - Roberval Paulo

O céu era azul como é azul todo céu.
De vez em quando branco, enfumaçado, plúmbeo, mas azul,
Porque céu tem cor de azul e não de chumbo.

Céu da boca é vermelho, rosa, pálido, esquálido,
Lânguido céu da boca da onça
Mais aí, é outra coisa e outro céu
E não o céu que se funde com o mar.

E sob o céu azul brincávamos
No azul do nosso amor,
Sobre as folhas e plumagens
Verdes, amarelas, róseas, vermelhas,
Expostos ao verde-vida da planície azulada.

A vida era escura, quase azul-marinho
Na casa onde morávamos
Mas, o amor
O nosso amor era azul
Azul resplandecente
De céu e de verde-mar
Jorrando natureza viva,
Viva no azul deste sol
Viva no azul dos teus olhos
Viva o azul da vida-viva
No azul do teu corpo e teu ser
Que o mundo é azul e de azul
Se fez o universo e nós.

De azul em azul, eu e você
No verde-azul deste mundo de amor.

Sonho azul, mar azul, tudo azul
Céu e terra, azul nos azuis
Das borboletas azuis de voar azul

Vôo azul do nosso sentimento.

Roberval Paulo

FACE NEGRA - Roberval Paulo

Seria naquele dia
Tinha que acontecer
O sol bateu meio dia
Tudo estava tendente
Aquele tempo, mormente
O horizonte enfumaçado
Do lado estava o passado
Atrás se via o futuro
De mãos dadas com o presente
A separá-los, um muro
O muro da existência
Inexistente no instante
Oásis incandescente
Um vento forte, uivante
O fogo e a semente
Na encruzilhada do tempo
Um grito: ah! que tormento
O desabafo do amor
Depois do rio, um menino
Atravessando o destino
Adulto agora e sozinho
Pisando o vale da morte
O compromisso da sorte

A face negra do horror.

Roberval Paulo

POEMA DAS COISAS - Roberval Paulo

Ajuntei algumas palavras
e formei um arco-íris
Arco-íris de flores, não de cores
Que dizia ao mundo o colorido dos sonhos

Ajuntei os sonhos do dia
E com a noite sem sonhos misturei
E formei o corcel enluarado do verde
Que dizia os matizes das noites de luar e mar,
E a esperança me brotou dos olhos
Qual fino cristal límpido e triste
Cristalino e discípulo do orvalho da manhã

Ajuntei as coisas do meu sentido
Misturadas às coisas que só de coisas sabiam
E extraí dessas o sentido maior das coisas
Onde o Invisível e o Indizível
Se coisificam

E nesse ajuntamento das coisas com outras coisas
A realidade virou só poesia
E um ser superior e efêmero
Adâmico e Mosaico e reluzente
Me levou pelo buraco negro iluminado
Da janela biônica da vida

Visitei castelos e reinos e princesas
Mata virgem, céu azul, água verde e dinossauros
Viajei na cultura e ruínas dos Astecas, dos Incas e dos Maias
Naveguei o mar vermelho entre unicórnios e centauros
Das pirâmides egípcias fiz uma ponte à Grécia Antiga
Ligada à Roma pela crença milenar do Oriente
A deusa Tétis brincava nas asas da Fênix
E Nero passeava pelo jardim do Éden
Golpeando Aquiles à espada dos Samurais
Pela Cibéria e Ibéria e Esparta fui vagando vagamente
Na terra santa vi o cordeiro  
Caminhando e pregando mansamente
Em meio aos anjos entoando suas cantigas e corais

Toquei a evolução de Adão
E de outras e mais outras civilizações
Ainda mais novas e remotas de razões
Que vem desaguar em Marte
Quando neste tinha mar

Fiz uma confusão e profusão de coisas
Que coloriu o Monte Olimpo
De toda sorte de deus
E no azar da sorte, não minto
Eu vi um deus pé de pinto
Ocupando o trono de Zeus
E de Hércules a Thor, geração por geração
Todos teletransportados no tempo rumo ao sertão
E no calor da caatinga, sem açude, só cacimba
Seguidos por Lampião e, no encalço, os cangaceiros
Foi em Canudos que se deu e o mediador era eu
O grande encontro dos deuses
Com Antônio Conselheiro
E a república e os deuses se organizaram em motim
E os deuses, desencarnados, se voltaram contra mim
E a vida-matéria em Canudos rolou por terra, foi o fim
Daqueles que só tinham trabalho e fé pra lutar
E eu me revoltei com os deuses e disse que eram só coisas
E eles e a república me disseram escaupelar
Feito os índios da América; a outra América distante
Salva sempre por Deus em desvarios norte-americanos
E os deuses-coisas, vencidos, espernearam e fugiram
Tangidos pelo rugido da minha imaginação
Feridos de morte pelos raios da razão
Alvejando e aniquilando democratas e republicanos

Ajuntei meu espírito e alma que vagavam
E meu físico e minhas enervantes pernas
E minha força e toda a força dos sonhos
E saí em debandado despertar
Acordei no chão do meu quarto, exausto
Em meio às coisas que eu não ajuntei

Quis ajuntá-las e vi a viagem da morte
Na porta aberta do sonho da outra noite
No espelho, Narciso se banhava e sorria
E Afrodite se despia aos meus olhos, arfante e sôfrega

Olhei para as coisas, depois para mim
Fechei os olhos e me encolhi sob o cobertor
Quase morri sufocado de gôzo e de calor
E não mais abri os olhos naquelas manhãs de outono
E lá se foram todas as coisas em enganos e desenganos
E a manhã desabrochou, sonolenta e cismada, na poesia do jardim.


Roberval Paulo