sexta-feira, 27 de novembro de 2020

PEDRO QUEROSENE - Roberval Paulo

Foto: Arthur to

Aliança do Tocantins, cidade cravada no centro-sul do estado do Tocantins, porém bem mais povoada e influenciada pelo povo da banda do norte/nordeste, carrega em suas ruas e calçadas todos os jeitos e gostos das gentes de lá. Cortada bem ao meio pela BR 153, na altura do quilômetro 646, com pouco mais de cinco mil habitantes, é quase a “Cidadezinha qualquer” de Carlos Drummond de Andrade, com tudo indo bem devagar. Povoado formado quando do rasgo rodoviário aberto no coração e veia central do Brasil, nas obras da BR 153 do governo Juscelino Kubitschek, atraindo um grande número de migrantes vindos principalmente do Maranhão à busca de novos ares. Cidade comum de gente comum, em sua maioria de sertanejos, dito aqui na mais nobre acepção da palavra. Pessoas estas de hábitos e costumes simples como os seus lugares.

Cidade de tantos e quantos, como também cidade do senhor Pedro Querosene, alcunha que recebeu quando de um tombo com direito a banho de querosene em razão de excesso no gole. Cidadão forjado em homem no labutar simples da roça, à custa de foice e enxada, de ordem e suor, de disciplina e responsabilidade, valores estes encrustados no existir das gentes do sertão. Acometido da perda de visão em razão de glaucoma que não perdoa nem olhos mais abastados do capitalismo, não se dobrou a enfermidade, mantendo sua independência e locomoção por tudo quanto é canto sozinho e com alegria.

Pois sim, traçando um perfil do senhor Pedro Querosene: homem esguio, estatura mediana, moreno claro, cabelos encaracolados e curtos, rosto sulcado de feição sofrida, enfim, o típico “caboclo do sertão e excluído da república” como bem definiu Euclides da Cunha em Os Sertões. No mesmo tempo que expõe a rudeza e simplicidade no falar, carrega em si o dicionário e vocabulário do anedotário sertanejo, exprimindo uma sagacidade e alegria que contagia quem se dispõe um pouco a compartilhar de sua companhia. Melhor do que caracteriza-lo e enche-lo de adjetivos é contar um episódio deste emblemático cidadão.

Certa feita, lá pelas tantas da tarde, já com sintomas de noite, datando-se por meados do ano de 2015, estava eu a refrescar-me com uma gelada no bar do Raimundo de Gregório, no Jardim Aliança, quando ouço o pisar e falar de Pedro Querosene, cego e sozinho, atravessando a rua, indo como que teleguiado em direção ao bar onde eu estava absorto no aguerrido exercício de copo.

Resmungando alto e tocando seu bastão à frente para guiar os seus passos, deu de esbarrar no veículo estacionado defronte ao bar. Compadecendo-me da situação, a ele me dirigi com o intuito de ajuda-lo na tarefa empreendida rumo ao balcão. Dava mostras de que alguma já havia ingerido e me pegou de conversa como se de longo me conhecesse, numa amizade e liberdade existentes só nas almas de todo desarmadas.

Contou-me alguns infortúnios; dentre estes, o drama da perda da visão, porém sem se lamuriar, quase que agradecendo, pois, graças a este infortúnio, como ele mesmo disse, – “consegui o meu aposento”. Falou-me dos dias de roçado, estendendo-me as mãos calejadas e o quanto já trabalhou pela – “dignidade do Brasil” – palavras dele.

Disse-me do casamento, dos filhos, da separação e da atual mulher, razão ainda dos seus rompantes e levantes de homem, porém sem conseguir disfarçar uma preocupação com o comportamento desta que muito gosta de sair por aí e é amante também de uma boa cangibrina. Ao referir-se a ela, veio-lhe de súbito uma raiva evidenciando o quanto dela tem ciúme, lançando a ela alguns adjetivos que me furto aqui revelar. Varamos a noite no assunto passional, regado a goles e gargalhadas e no resmungar característico de Pedro. Despedimos-nos refeitos e com glórias do labutar inglório e Pedro partiu.

Lamentavelmente Pedro Querosene não está mais entre nós e suas alegres e soltas palavras não mais ressoarão aos nossos ouvidos a não ser pela memória. Mas, no plano que estiver, estará reluzindo o seu doce existir.

Roberval Paulo

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

REFLEXÕES SOBRE A DOR DA PERDA! - Roberval Paulo


Eu continuo sem entender a perda.

Porque se perde e qual é a razão de tanto sofrer?

A dor aguda que se sente torna-se quase insuportável.

É insuportável, de fato, e só se suporta para não morrer, apesar de que morto por dentro já está.

 

É dor que não cicatriza e se faz mais aberta a cada lembrança.

Chaga o corpo e a alma, o peito e o coração.

Chaga por completo o seu todo espírito e a sua existência.

 

Queria, por pelo menos um dia, ser o Senhor do meu ser e do meu querer.

Queria poder entender para curar-me e não mais me perder na dor.

 

Mas quem sou eu para poder não sofrer?

Jesus Cristo tragou o cálice amargo da sua missão e suportou.

Quase se entregou! Chegou a suplicar e reclamou.

Mas suportou para que se cumprisse o que tinha que ser cumprido.

Suportou para a salvação da vida.

Suportou para não mais morrer e sim partir para a vida eterna.

A ressurreição se fez real para todos e para todo o sempre.

Então, morrendo, nasce-se para a vida eterna.

 

Mas então se morrer é nascer para a vida eterna, porque ainda dói tanto?

Queria eu ser sabedor desse mistério.

Talvez assim não sofresse, ou pelo menos, não sofresse tanto.

Talvez aí se compreendesse o sentido maior das coisas.

Talvez aí se entendesse o sentido maior de tudo.

 

Mas não, não sabemos.

Não é nos dado saber e nem mesmo entender tantos porquês?

 

Porque se vem? Porque se vai?

Porque se morre antes mesmo de nascer?

Porque se vai quem podia aqui ficar?

Porque que vem quem não podia morrer?

 

Ah Deus meu, socorra-me! Socorra-me!

Faça-me, por TEU amor, o TEU amor encontrar

Faça-me ver o sentido de a cada dia mais crer?

Faça-me acreditar que a vida tem que seguir,

E na estrada tens que ir sem nunca estacionar.

 

A não ser quando o existir não mais habitar meu peito

Aí poderei dormir e minha alma descansar

Livre do peso matéria que despurifica o ser

E não o deixa entender que a vida... é só semear.

 

Meu eu, despurificado, continua sem saber

Sem entender o perder e sozinho continuar

Mas meu eu, puro, espírito, não me deixa desistir

Quando a matéria ruir, meu corpo há de seguir

Corpo luz, alma e espírito, leve e livre, a flutuar.

 

Aí saberei do amor, das perdas, dos desencontros

Das lutas que já travei, das dúvidas do meu pensar

Das dores e dos horrores, das contas que já são contos.

Ganharei todas as perdas, verei meus entes voltar.

Não mais seguirei sofrendo, pois que encontrei a vida

E junto a todos os meus pela terra prometida

Terei toda a eternidade para o meu DEUS contemplar.

Roberval Paulo