Queria, por pelo menos uma vez, poder nascer
sem sentir a temível e tão amável, a dor afável, a dor do parto. Não eu, mas
minha mãe, que de tanta dor, quase que eu não pari. E assim, depois de parido,
não ser erguido, suspendido pelos pés, de ponta cabeça, para o lado, o outro
lado, o lado de baixo da vida.
Contentaria a mim ser só elevado ao colo e
seio de minha mãe e embriagar-me, deleitando-me do sublime e purificado leite
da existência, sem por ele nada pagar, que leite de mãe é dado de graça, doado
só pelo dom e natureza de amar. Aí, queria poder crescer sem saber de verdura e
de outros tais e iguais ingredientes ou de quem inventou que chocolate faz mal.
E em frente crescendo sem nunca saber de colégio ou escola às seis da manhã.
E quando enfim chegasse o dia de ter a
primeira namorada, que ela não fosse a primeira e sim aquela depois da última
que sonhasse comigo o mesmo sonho que sonhei um dia com a primeira que não
soube seu o meu último sonho.
E quando os meus pais perdessem a magia do
amor existente que os levou ao altar, que ele se renovasse sem a doída dor da
separação e que o amor dos meus pais natural e normal continuasse na família
que fomos antes de matarmos o amor em nós.
E quando enfim chegasse o dia de eu me casar,
que o amor dos meus pais, quando houve a união, habitasse em mim e em minha
amada, que não fosse a primeira nem a última namorada e somente sim a fórmula
do amor continuada no continuar premente da vida cortada e interrompida pelo
sonho do amor desorbitado no amanhecer da existência eternizada.
E que os meus filhos não fossem meus e sim só
meus e do meu amor e que nunca soubessem do amor que não fosse o amor do eterno
e que assim amassem, e amassem sem conta o amor, aquele sem dor e então não
sentissem a dor cruel da real realidade que os faz ouro meu sem tê-los
propriedade.
E que o mundo tivesse um lugar mundo infantil
quando enfim chegasse a melhor idade e não houvesse abandono, nem desenganos e
não se sentisse a horrível sensação da inutilidade quando a página virasse e
começasse a descida e que esta descida continuasse subindo sem se explicar, só
indo, preservando o mistério, o segredo, o elo reverso que une dois mundos e
que a partida fosse a mesma alegria de quando se é chegado, que eu não me sinta
cansado e nem fraco e mirrado, me sinta viçoso, corado e formoso quando a
verdade da vida visitar o meu peito, e eu, satisfeito, viajando sorrindo tal
qual o mesmo menino de quando aqui chegou e partindo no amor que me trouxe à
vida, viajante de nuvem, última despedida, e do lado de lá, alegria e bonança,
o sim da esperança habitando o verbo amar.
Roberval Paulo
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