Filha do escritor Ignácio de Loyola Brandão, Rita Gullo debuta em disco trazendo um repertório coeso com suas reminiscências musicais.
Por
Bruno Negromonte
Rita Gullo chegou de maneira sutil e vem chamando a atenção do público e da crítica especializada com o lançamento do seu primeiro trabalho fonográfico. O álbum apresenta uma cantora, que apesar da estreia, se mostra bastante segura daquilo que adotou para si, talvez por trazer consigo uma bagagem cultural significativa a partir das experiências adquiridas junto a dois grandes nomes dentro da música: Ná Ozzetti e Leila Farah. Trata-se de um disco de registros recheado de qualidade e que traz desde os grandes clássicos do cancioneiro popular brasileiro até canções inéditas, como é o caso da faixa "Espelho" (Eduardo Pitta e Xande Mello).
Suas técnicas, canto afinado e profundo conhecimento em música, principalmente brasileira fez com que
Rita, apesar da formação em História e em Artes cênicas enveredasse para a música com o respaldo de nomes como
Chico Buarque (que divide os vocais em uma das faixas) como vimos na matéria publicada aqui no
Musicaria intitulada
RITA GULLO, SIMPLES ASSIM. Nesta entrevista, que
Rita gentilmente nos concedeu, ela fala um pouco sobre sobre a intuição utilizada na escolha do excelente repertório, o "presente" concedido por
Chico em forma de participação em seu álbum entre outras coisas. Divirtam-se e conheçam um pouco mais sobre a vida e a carreira de
Rita Gulo.
Certa vez tive a oportunidade de ler algo escrito por seu pai onde ele diz que seu envolvimento com a música vem literalmente de berço, quando a partir de D. Marize Gullo, Luisa Garita, Adelina Galera e Yolanda Lombardi você era embalada por diversas canções. Qual a maior reminiscência musical que você traz consigo da infância?
Rita Gullo - Como é que você descobriu até o nome das minhas tias-avós? Rs. Foi uma influência muito forte mesmo, desde muito pequena eu aprendia as canções que elas cantavam no coral ou nas óperas. Existe uma gravação que ficou célebre na família de quando eu devia ter uns três anos de idade e elas me ensinaram Carinhoso do Pixinguinha. Nem falar eu sabia direito, mas já cantava ali para a família. Ou Vissi d’arte da Tosca, que minha avó cantou lá no interior de São Paulo e eu, depois de muitos anos, cantei no coreto do Parque da Luz, como atriz, não como cantora, na montagem de uma peça chamada A hora em que não sabíamos nada uns dos outros do Peter Handke dirigida pelo Marcelo Lazzaratto em 2010. E ainda minha mãe, que sempre gostou e ouviu muita música e foi uma das pessoas que mais me incentivou para um caminho profissional nessa área. Já me colocou em aulas de violão clássico aos oito anos de idade.
Você passou pelas mãos de duas grandes profissionais da música, que foram a saudosa Leila Farah e a cantora Ná Ozzeti. São duas escolas distintas, a primeira de canto popular, já a segunda veio a lhe instruir no canto lírico. Que lições de ambas melhor você soube aproveitar e que hoje é perceptível em seu álbum?
RG - Bom, da Ná eu já era fã desde criança por causa do Grupo Rumo que eu adorava e, quando eu comecei a gostar mesmo de cantar, quis aprender com ela. Foram portas que se abriram no estudo da voz. Com a Dona Leila eu estudei durante alguns anos e ela era uma grande mestra. Me fez expandir bastante a potencia da voz, os graves e agudos. Quando fomos gravar o disco eu demorei um pouco para encontrar o timbre certo, porque ainda estava com essa grande influência do lírico que não combina com a música popular. Daí fui suavizando a voz e lembrando das aulas de canto popular. Eu gosto muito de dividir o aprendizado e ter alguém em quem eu confio para me ouvir e ajudar a dar um caminho para as inseguranças e dúvidas com relação a voz. Quem faz esse trabalho comigo agora é a Regina Machado.
Dentre as faixas em português álbum mostra essencialmente uma coerência a partir de autores consagrados e grandes sucessos de nossa música popular. Como se deu a escolha desse repertório?
RG - O repertório foi escolhido de uma maneira bastante natural e um pouco intuitiva. Quando definimos, eu e Mario Gil, produtor e arranjador do disco, qual seria o caminho pelo qual nos basearíamos, começamos a ouvir tudo o que estivesse em nossa biblioteca de músicas. Cada um fazia sua pré-seleção e íamos mesclando as listas até chegar numa definitiva.
Não houve receio de sua parte em escolher um repertório, em sua maioria, conhecido pelo grande público?
RG -Não houve esse receio porque eu realmente acredito que a música se renova quando passa por um novo intérprete. O imprescindível é que o repertório me diga alguma coisa, que tenha sentido para mim, só assim ele pode ser verdadeiro a ponto de tocar outras pessoas também.
Uma pergunta que se faz inevitável é sobre a participação do Chico nesse seu álbum de estreia. Como se deu essa parceria musical?
RG -A participação do Chico foi um presente. Ele é uma pessoa muito gentil e generosa. Eu sou e sempre fui grande admiradora do trabalho dele e, quando paramos para pensar quem é que cantaria comigo a música A mulher de cada porto que é do Edu Lobo e do Chico Buarque, eu resolvi fazer uma tentativa com os próprios compositores. Nessa hora pedi uma ajuda para o meu pai, que é escritor e jornalista bastante conhecido e que tinha um pouco mais de acesso com o Chico e fez a ponte. Ele topou e gravamos.
Depois do álbum lançado ele pronunciou-se a respeito do resultado final?
RG - Dentre outras coisas disse que gostava de ouvir música no carro e que eu moraria no carro dele por um bom tempo. Grande gentileza mais uma vez.
E as faixas dos artistas internacionais? Everything But The Girl, Silvio Rodriguez, Jorge Drexler são artistas que teoricamente fazem parte de contextos musicais distintos, mas você soube moldar em uma conjuntura que os fizeram Uníssonos. Como se deu a escolha dessas faixas?
RG -Sueño con Serpientes do Silvio Rodriguez foi gravada pelo Milton Nascimento com Mercedes Sosa no disco Sentinela, que é o título de uma outra composição que também entrou no disco. É uma música muito bonita e com muita força. Era de Amar do Jorge Drexler e Each and everyone do Everything But The Girl, foram indicadas por pessoas muito queridas e, como eu já gostava bastante dos compositores, achamos que as músicas eram muito boas e decidimos manter no repertório final.
Outra característica que merece destaque nesse álbum são os músicos envolvidos no projeto. Passando por Sizão Machado, Ferraguth, Mário Gil entre outros, todos são músicos de respaldo dentro da conjuntura musical nacional, quem entende de música sabe disso. Como se deu o envolvimento desse time da pesada nesse projeto?
RG -Existem algumas pessoas especiais no mundo e uma delas é o Mario Gil. Pela pessoa que ele é e pelo carinho e atenção que ele despende no trabalho, resultando sempre num nível muito alto de qualidade. Eu me apresentei, disse mais ou menos o que queria e ele topou me ajudar. Foi uma benção. A linha top de músicos também devo muito a ele. Mas o Sizão, por exemplo, eu já conhecia desde criança. Era amigo da minha mãe e do meu outro pai que é músico – porque eu tenho um outro pai biológico, o Zé Rubens. E não parou aí, porque para o show eu ainda tive o prazer de ter a direção musical do Swami Jr. e de ser acompanhada de um time de músicos também de primeiríssima linha como o próprio Swami, Guello, Ubaldo Versolato, Marcos Paiva e Daniel Muller.
Você vem com uma gravação de uma composição do Elson Fernandes e da Consuelo de Paula intitulada “María del Carmen” e que figura entre uma das mais belas do álbum. Por coincidência esta canção vem a ser uma das menos conhecidas por parte do grande público. Em algum momento você cogitou a possibilidade de gravar um trabalho composto em sua maioria por canções inéditas ou de pouco conhecimento do grande público?
RG -
Já cogitei sim e talvez o próximo disco já tenha um pouco disso. Uma inserção maior de músicas menos conhecidas.
Quais os projetos para esse ano que está iniciando?
RG - O maior deles é um novo disco que eu espero lançar até o final do ano, mas tem também outros como videoclipe e site que devem aparecer logo mais.