quinta-feira, 14 de abril de 2011

DONA IVONE LARA - 70 ANOS DE MÚSICA - Nossa grande Rainha


Musicaria Brasil 



Posted: 12 Apr 2011 07:32 PM PDT
No próximo dia 13 de abril Dona Ivone Lara completa 90 anos de idade; destes, 70 foram dedicados à música. Segundo Beth Carvalho, uma das intérpretes que mais cantou Dona Ivone, a sambista do Império é uma senhora melodista: — Se tivesse estudado mais, seria maestrina. Os “laiás-laiás” dela são verdadeiros arranjos. Mas foi Maria Bethânia, ao gravar “Sonho meu” e “Alguém me avisou”, na década de 1980, que consagrou, fora do mundo do samba, a parceria de Dona Ivone e Décio Carvalho.

Por João Máximo, Bruno Negromonte Sara Paixão

O nome de Yvonne Lara da Costa dispensa qualquer tipo de apresentação. Grande sambista e como compositora, além de sambas belíssimos, foi também a primeira mulher a integrar uma ala de compositores de escolas de samba. Em sua biografia passou por diversas dificuldades superando a todas elas e galgando o seu espaço dentro da música popular brasileira como um dos nomes mais reverenciados do samba. Depois de aposentada, se dedicou inteiramente ao samba e a composição tendo suas canções gravadas por grandes nomes de nossa música e criando clássicos para nossa MPB.

Bisneta de escravos, Ivone Lara nasceu em Botafogo, no Rio de Janeiro. O pai, João da Silva Lara, era um conceituado músico do lugar com seu violão de sete cordas, além de desfilar no bloco dos africanos e outros ranchos. A mãe, Emerentina Bento da Silva, levava uma vida dura como lavadeira e costureira e para dar vazão a alegria transformava-se em pastora do rancho Flor do Abacate e uma cantora amadora de prestígio.

Precocemente, Ivone perdeu o pai em um acidente com o caminhão no qual trabalhava como ajudante. João só tinha 27 anos. Emerentina ficou grávida e seis meses após sua viuvez deu a luz a uma menina. Emerentina caso novamente e foi morar na Tijuca com Ivone e por lá viveu oito anos no internato do Colégio Municipal Orsina da Fonseca. Lá estudou música com Lucíla, mulher de Heitor Villa-lobos e chegou a cantar sob a regência do maestro. Ivone tinha 17 anos quando sua mãe mãe faleceu também de maneira precoce aos 33 anos.



Já maior de idade, Ivone sai do colégio e vai morar em Inhaúma com o tio Dionísio, com quem aprende a tocar cavaquinho. É notória a dura vida de Ivone, o sofrimento em sua vida foi uma constante em sua juventude a fazendo, desde muito cedo, uma mulher autônoma e uma compositora de mão cheia que não pretende parar nem tão cedo. Tem perto de 15 sambas recém-feitos com o parceiro Délcio Carvalho e continua aceitando convites para shows, como o de duas semanas atrás, no Rival. Tudo isso apesar das limitações impostas pela recuperação de uma fratura no fêmur e da vista direita perdida em razão da necrose decorrente de um glaucoma.

- Da esquerda, enxergo perfeitamente - diz ela, deixando claro que os óculos são apenas para não modificar a imagem que todos conhecem.

O aniversário será comemorado em família, com direito a bolo, feijão branco e roda de choro, esta um presente do músico Abel e de seu grupo. Dona Ivone vive hoje com o filho Alfredinho, a nora Eliana, netos e bisneto, numa acolhedora casa de Osvaldo Cruz. O ambiente é tipicamente suburbano, com o mesmo espírito de vizinhança que Dona Ivone conheceu no Rio de antigamente.

- Esta era uma rua sem saída - conta Eliana. - Desde que viemos morar nesta casa, pensamos em fechar a entrada para transformar o local num condomínio, mas fazia 20 anos que um dos vizinhos era contra. Até que o convidamos para uma roda de samba aqui em frente, e ele mudou de ideia.

Samba de Dona Ivone Lara realmente tem força. É o que explica ela ter passado a vida a superar barreiras que pareciam separá-la do prazer de viver a música. Em
menina, morando na Tijuca, fugia de casa para dançar e cantar nos terreiros do Salgueiro. Quando voltava, apanhava da mãe, que, apesar de cantora do Rancho Flor do Abacate, queria outra vida para a filha. O pai, sete cordas do Bloco dos Africanos, morreu quando Dona Ivone tinha apenas 3 anos. Aos 10, perdeu a mãe.

Por esses dados, acredita-se que tenha sido pouca a influência dos pais sobre Dona Ivone. Da mesma forma, o curto tempo em que estudou com Lucília Villa-Lobos, mulher do maestro famoso, não antecipou o que seria a compositora (foi por essa época que, aluna de Orsina da Fonseca, cantou "A lavadeira" no coro regido pelo próprio Villa-Lobos).

- Fui criada por uma tia, tia Cota, que também não gostava de samba - lembra ela, já se referindo aos tempos de Serrinha, quando trocou, para sempre, o Salgueiro pelo Império Serrano. - Tia Cota gostava de jongo, mas não de samba, que ela achava coisa para homem. Achava que eu, moça que pretendia fazer curso superior, não devia me misturar com a gente da escola.

O curso foi feito: enfermagem. Do qual ela muito se orgulha. - Graça a isso pude me aposentar aos 58 anos.

Enfermeira e, depois, assistente social, funções que dividiria, sem problemas, com a de baiana a desfilar pelo Império.

Já a resistência de tia Cota começou a ser vencida com a cumplicidade do primo, Mestre Fuleiro, que começou a levar para a escola as primeiras tentativas da compositora. Naturalmente, sem citar-lhe o nome (Dona Ivone não diz, mas alguns sambas que, assinados por outros, fizeram sucesso, dentro e fora do Império, tinham o dedo dela).

- Até que me convidaram para ser a madrinha da ala dos compositores. Fui a primeira mulher a conseguir isso.

O convite não veio logo após as primeiras amostras l
evadas por Fuleiro. Dona Ivone tinha 16 anos quando compôs "Tiê", e já havia feito com $de Oliveira e Bacalhau um dos maiores sambas-enredos já ouvidos num desfile: "Cinco bailes da história do Rio", em 1965, quando a cidade completou 400 anos. Consta que ela entrou na parceria exatamente como, ainda hoje, atua no Império: acabando a música que os parceiros (no caso, bêbados) não conseguiam. Dona Ivone conta:

- Volta e meia eles me chamam: "Madrinha, vem dar um ajudinha." Vou com prazer.

É sinal de que ela continua firme e fiel ao Império Serrano.

- O Império? Está fraco, quase morrendo. Se tivesse mais uma escola esse ano, tínhamos perdido o sexto lugar (no Grupo de Acesso A).



Seus próprios sambas são trabalhados de outra maneira. Inspiradíssima ("Você percebe que o talento dela não é comum, não é usual", assevera Paulão Sete Cordas, o violão que a conhece muito de perto), Dona Ivone vai criando seus temas e, muitas ve$, passando-os por telefone a Délcio ou a outro parceiro. Suas melodias sempre têm a precedência.

Dona Ivone, o mesmo sorriso, o mesmo rosto sem rugas, a mesma elegância nos gestos e na fala, chega aos 90 acreditando (sem trocadilho com "Acreditar", grande samba dela e Délcio). No dia do aniversário, lança seu site. A cantora mineira Márcia Lima vai gravar disco só de sambas seus que não fizeram muito sucesso. Título: "Lado B". A mineira Aline Calisto inclui três inéditos em seu próximo CD. Fatos aparentemente triviais, mas recebidos com o mesmo contentamento dos triunfos que Dona Ivone vem multiplicando em tantos anos: apresentações em França, Alemanha, Suíça, Dinamarca, Gana, Angola, Nova York. Seu disco "Nasci para sonhar e cantar", com título definidor, foi lançado em 2001 (o mesmo ano em que o pianista Leandro Braga lhe dedicou um CD instrumental e um songbook). Ganhou prêmio, $muito no Brasil, na França, Alemanha, Austrália e até no Paquistão.

No meio de todas essas vitórias, só uma queixa:

- Das gravadoras. Não me divulgam, não me pagam, não me dão satisfação, só se apropriam do que é meu.

Uma informação: pelo DVD que a Universal produziu com ela, "todo ele praticamente vendido", recebeu menos de R$ 2 mil. De direitos autorais, R$ 74. Isso mesmo: setenta e quatro reais.

Apesar da queixa, momento raro em Dona Ivone, ela não perde o jeito sereno e simples. De tal modo que, às vezes, somos levados a crer que, no fundo, a artista não tem exata consciência de seu papel, de sua importância. No máximo, ao falar sobre si mesma, ela se permite uma explicação de por que é quem é. Como no depoimento que deu ao Museu da Imagem e do Som (MIS) em 2008: "Eu me faço respeitar." Em seu caso, respeitar é pouco. Dona Ivone Lara nasceu para sonhar, cantar e ser cultuada.

E o amor para que ela continue a cantar vem de todas as partes.

— É nossa rainha, firme na preservação do samba. Vida ainda mais longa a Dona Ivone — deseja Zeca Pagodinho.

Autor de inúmeros sambas para a musa dos sambistas, o cantor e compositorArlindo Cruz engrossa a torcida por uma duradoura comemoração: — Dona Ivone merece todas as homenagens, que seja um ano inteiro de festa. A minha geração de sambistas, do Cacique de Ramos, é toda apaixonada por ela.

DISCOGRAFIA
  • O Botequim da Pesada - Sargentelli e o Sambão (1970)




  • 1974 - Quem samba fica? Fica. (com vários)

    1974 - Samba Minha Verdade, Samba Minha Raiz


  • 1979 - Sorriso de criança


  • 1981 - Sorriso negro


  • 1982 - Alegria minha gente (Serra dos Meus Sonhos Dourados)


  • 1985 - Ivone Lara


  • 1986 - Arte do encontro (com Jovelina Pérola Negra)


  • 1993 - Mestres da MPB (coletânea)


  • 1998 - Bodas de ouro


  • 1999 - Um natal de samba (com vários)


  • 1999 - Raízes Do Samba (coletânea)


  • 1999 - Pirajá - Esquina do Samba (com vários)


  • 2000 - Casa de Samba 4 (com vários)


  • 2001 - Nasci para sonhar e cantar


  • 2001 - Para Sempre (coletânea)


  • 2001 - Meninos do Rio (com vários)


  • 2002 - A Música Popular Brasileira por Seus Autores e Intérpretes (coletânea)


  • 2003 - Aquarela do Samba (com vários)


  • 2004 - Sempre a cantar (com Toque de Prima)


  • 2006 - Warner 30 Anos: Dona Yvonne Lara (coletânea)


  • 2006 - Aquarela do Samba (com vários)


  • 2009 - Canto de Rainha


  • 2010 - Nas escritas da vida (com Bruno Castro)

  • IVETE NAS MINAS GERAIS. É SEXTA!


    Ivete Sangalo agita Minas Gerais nessa sexta-feira 

    Link to Ivete Sangalo Oficial » Novidades


    Posted: 14 Apr 2011 08:10 AM PDT

    A cantora se apresenta no Axé Brasil e recebe como convidado Xanddy do Harmonia do Samba
    A cantora Ivete Sangalo irá participar de mais uma edição do Axé Brasil, na próxima sexta-feira (15), e dessa vez traz um convidado especial: “Vou receber um convidado especialíssimo no meu show, o Xanddy, do Harmonia do Samba. Podem se preparar que vamos fazer um pagodão daqueles. Vai ser muito massa”, avisa.
    Ivete já participou de todas as edições do Axé Brasil e tem uma relação especial com o estado de Minas Gerais, onde acontece o evento: “Minas é parte da minha história, já me apresentei em quase todas as cidades e me sinto muito aconchegada quando chego lá. O público é muito intenso e apaixonado pela Bahia, tenho certeza que faremos uma linda festa”.
    A agenda da artista não para por aí, no sábado (16), Ivete Sangalo se apresenta no Carnabeirão, em Ribeirão Preto. Já no domingo (17), fará o Cerveja e Cia Folia em São Paulo, ao lado do Psirico e Alexandre Peixe.

    IVETE EM LEILÃO BENEFICENTE


    Posted: 12 Apr 2011 01:43 PM PDT
    A cantora Ivete Sangalo está apoiando a ação social do Instituto For Life doando um DVD autografado para ser leiloado. O projeto visa arrecadação de fundos para o tratamento de dependentes químicos.
    Outros artistas como Capital Inicial, Asa de Águia e Bruno & Marrone também participam da iniciativa. O leilão acontece na internet até o dia 22 de abril. Saiba mais informações sobre o Instituto For Life!
    Para participar do leilão, clique aqui!

    A NOSSA MÚSICA


    Musicaria Brasil 



    Posted: 13 Apr 2011 07:33 PM PDT
    Amanhã, dia 14 de abril completa-se 30 anos que faleceu o grande músico Vitor Assis Brasil.

    "Victor Assis Brasil foi sem dúvida um dos nossos maiores músicos. Brilhou intensamente como instrumentista extraindo do saxofone sons e fraseados inesquecíveis. Como compositor foi um espanto. De sua formação jazzística, escreveu um jazz original entrando no meandro da música brasileira. Trilhou um caminho originalíssimo até os domínios da música erudita, que ele amava de coração. Como irmão e músico, eu tive o privilégio de acompanhar seu processo criativo. As frases e as melodias vinham rápidas, líricas e intensas, assim como um pintor em meia dúzia de traços expressa todo um quadro" (João Carlos Assis Brasil)


    Victor Assis Brasil nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 28 de agosto de 1945.

    Oriundo de uma família de classe média, desde cedo teve um ambiente musical propício, menos pela existência de especialistas entre os seus, e muito mais pelo incentivo e boa acolhida que recebeu dos pais e parentes em relação ao interesse pela música. Ainda criança ganhou uma gaita-de-boca e uma bateria, exercitando em ambas e definitiva predileção pelo Jazz. Aos dezessete anos recebeu de presente um saxofone alto, ofertado por uma tia.

    Aproximação decisiva para a formação de seu vocabulário, estilo e caminho musical. Sem receber nenhuma educação musical formal, começou a apresentar-se publicamente ainda na Juventude, percorrendo festas de amigos e pátios escolares, em particular o do colégio Andrews, onde estava matriculado. Em 1963 grava casualmente seu primeiro registro musical em casa de um amigo. Por volta de 1964 e já sob impacto da Bossa Nova, freqüenta o circuito de bares e boates da zona sul carioca, realizando inúmeras jam sessions, o que certamente lhe ofereceu vasta bagagem musical e bastante conhecimento do instrumento, a ponto de no ano seguinte já circular pelo meio como um profissional. Sua estréia oficial se deu neste momento no antigo Clube de Jazz e bossa em Copacabana. A súbita consciência de seu valor como artista o leva a atitudes extremamente ousada para época. Grava em 1966 seu primeiro LP, Desenhos, entusiasticamente saudado pela crítica especializada como o primeiro grande disco de Jazz gravado no Brasil.

    Lança-se em concertos públicos tocando sua música ou repertório de sua estrita escolha, fato praticamente inédito em termos de música instrumental entre nós.

    O sucesso não o desvia da necessidade de um crescente aperfeiçoamento. Toma aulas com o maestro e saxofonista Paulo Moura por algum tempo. Toca no místico Beco das Garrafas. Em uma apresentação conhece o pianista Friedrich Gulda, que o incentiva a participar do Concurso Interna
    cional de Jazz em Viena. Obtém o terceiro prêmio na categoria saxofone e a oportunidade de permanecer por quase um ano na Áustria, aperfeiçoando sua arte. Participa na mesma época do Festival de Jazz de Berlim, sendo considerado o melhor solista do evento, o que lhe vale uma bolsa de estudos para prestigiosa Berklee School of Music, localizada em Boston. Antes de seguir para os Estados Unidos retorna ao Brasil, gravando seu segundo LP, Trajeto, excursionando pelo país, sob o patrocínio da USIS, com o espetáculo Calmalmas, e desenvolvendo intensa agenda em teatros, universidades e shows para televisão.



    A permanência na Berklee representa o período de maturidade em termos de domínio do instrumento, agora incorporando o registro soprano, e especialmente de criação musical. Evoluindo como compositor, usa com grande maestria elementos da Música Popular Brasileira, do Jazz e da Música Erudita, fundindo-os com resultados admiráveis em termos de harmonia e melodia. Boa parte de suas mais de quatrocentas composições surge nos quase cinco anos que passou na América, onde também se apresentou diversas vezes e lecionou improvisação na J. D. School of Music.

    Sua obra gravada prosseguiu nesse meio tempo, com o lançamento de Victor Assis Brasil toca Antônio Carlos Jobim, em 1970, e Esperanto, em 1974, sempre com a mesma receptividade positiva. Neste mesmo ano retorna em definitivo ao Brasil, retomando a agenda de shows e concertos. Seu talento como músico, arranjador e compositor está plenamente consolidados e o leva a atuar como solista em apresentações eruditas, a assinar trilhas para a televisão (novela O Grito) e o cinema (filme Marília e Marina) e a participar de eventos especiais como os Domingos da criação do Museu de Arte Moderna do Rio de janeiro (a apresentação com o pianista Luiz Carlos Eça seria postumamente lançada em CD). Faz longas temporadas no circuito de bares da noite carioca, como o Chico´s Bar e o People.

    Os três últimos anos de vida marcam o ápice de seu prestígio público e também a manifestação mais intensa dos problemas de saúde que o levariam a morte. Destacam-se particularmente suas performances no Festival Internacional de Jazz de São Paulo e no Monterey Jazz Festival, nos quais liderando formações internacionais exibe sua técnica e talento como compositor obtendo sinceros elogios a sua arte. Grava em 1979 seus últimos discos, intitulado Victor Assis Brasil Quinteto e Pedrinho, raros LPs instrumentais da época a contar com grande produção musical, técnica e artística, representando um reconhecimento a sua estatura como um dos grandes nomes do meio naquele momento.

    Victor Assis Brasil faleceu no Rio de Janeiro em 14 de abril de 1981.Morreu muito jovem, aos trinta e cinco anos, devida a uma doença circulatória rara e grave, a poliarterite nodosa.

    sexta-feira, 8 de abril de 2011

    REMINISCÊNCIAS DE UM MORTO


    Este texto escrevi na última viagem ao outro lado do nada, onde a vida dorme, viva e indolor.  
                                                                                                            Roberval Paulo
    Quando morri para os dias da vida
    E parti na garupa da moça branca de neve
    Vivi a enganação dos vivos
    E ali, mortinho da silva, me vi carregado
    Em ombros que eu nem conhecia

    Lágrimas, muitas eu via
    De quem eu nem conhecia o pensar
    E ao amigo olhei e caí a cara morta
    Estava os olhos vidrados
    Nos seios da viúva minha.

    Morri, é a quarta minha morte; não sabia morrer
    Se soubesse não estaria vivo neste corpo morto
    Me vendo falsidade em olhos que tanto amei
    Me rindo de bocas a quem nunca falei
    Chorando a hipocrisia de vivos me querendo torto.

    Morri, já sinto a vida da morte
    Roupa branca, mãos ao peito e suaves flores
    Meu corpo deitado no ataúde. A sala cheia
    Amigos, parentes, desconhecidos e,
    Minha Mãe
    As verdadeiras lágrimas; soluça, como soluça!
    Sofre e mais soluça e se agarra ao morto seu
    O morto que gerou em suas entranhas e não mais vive
    Um corpo sem vida, que ainda vive, inanimado
    Animado pelo amor de minha mãe, que jaz, mortalha viva
    Parece que ela é quem morreu.

    Quis voltar da morte com uma ínfima vida que fosse
    Só para consolar-te Mãe. Mas,
    Estou morto e sinto o cheiro do morto que sou eu
    Aquele cheiro que só velório sabe exalar
    Mistura-se ao cheiro de flores mórbidas e de lutuosas velas
    Velas em chama sem a chama da vida.

    Viver é muito perigoso, já dizia o poeta
    Viver não é só perigoso; é muito mais que isso
    Diz esse morto ainda quando a vida lhe vicejava
    Ainda mais quando a morte se morre viva
    O enterro vivo do morto que não sou eu.

    Ser enterrado vivo mesmo quando jaz morto
    Sem entender, o morto ali, vendo a vida
    É o medo visitando este corpo inerte
    E perfura minhas carnes mortas com pontiagudos diamantes
    E meu sangue escarlate de um róseo azulado
    Escorre pelos meus dentes ausentes de vida.

    Meu corpo já sinto nada, matéria podre e fétida
    Se decompondo, putrefacto, ossos e sangue gélidos
    As carnes e vísceras rasgadas e inúteis e belas
    Nos olhos e ouvidos, os vermes fazendo festa
    Sinto o medo da morte que já vive em mim
    A morte viva que nos vem mostrar o óbvio
    Na terra o ópio, cabeça rolando e línguas e bocas
    Aos urubus atônitos com seus olhos de desprezo.

    À terra que aceita tudo, resignado me vou
    Ao pó voltar para a vida morte prosseguir
    E amanhã, eu pó, possa florar uma goiabeira
    E ali, em fruta, alimentar uma sabiá
    Que me vem bicar os sonhos que eu não soube usar em vida.

    A morte morta já é mais do que a vida
    Morto só se sabe sendo terra, sendo pó
    E de ti, ver nascer tão doces frutos
    E águas e plantações e lavouras de todo gosto
    Que vão engordando a vida na estrada do matadouro.

    Nessa verdade, eu quis até chorar
    Mas ao morto não se permite nem mesmo lágrimas
    Ao morto só é dado o pó da estrada
    Por onde caveiras vivas trafegam e suam e riem
    E lutam e choram e sonham e tudo vivem
    Sem saber que esse caminho e essa poeira impregnada
    Tantas vezes percorrido, tantas vezes repisada
    É inexplicavelmente, o seu futuro e eterno lar.

    Roberval Paulo

    VIAJANTE DO TEMPO



    Controlar o tempo
    Queria que este não passasse
    Devia este momento durar mais que um dia
    Mas não estou preso a ele pois o mesmo não me pertence
    Só as coisas que nos pertencem nos prendem
    Pelo menos é assim que deveria ser.

    Controlar o tempo
    Podia este parar pra esperar minha
    vida que não consegue acompanhá-lo
    Se ele parasse eu o alcançaria
    e descansaríamos um pouco, sentados numa pedra, levando
    intuitiva conversa
    para depois, descansados e realimentados
    de brisa e de paz, prosseguirmos a viagem que muito dura.

    Mas esse tempo não me houve
    Controlar o tempo e só seguir pela minha vontade
    que controlaria e guiaria os meus passos
    e não pela vontade de outrem.
    O Céu que me espera não sei se existe e, se
    fantasias são verdades,
    nem sei como acreditar em mim.

    Controlar o tempo
    Controlar o tempo que me fechou a porta
    e nem adeus me disse, nem se despediu. Se tivesse
    o dom e o poder de governar o tempo
    um dia sequer
    fecharia esta porta e guardaria
    a chave em lugar que só eu soubesse, abrindo-a
    só quando o dia, por sua vontade, decidisse se encher da manhã
    que teria entrada franca em minha vida, com a permissão deste
    mesmo dia.

    Ah! Controle do tempo!
    Porque não vens aqui ensinar-me como
    se faz com esse tempo que só sabe andar.
    Que caminha, caminha, caminha sem saber
    pra onde, sem saber por onde, sem
    haver direção no seu caminhar.

    Escuta-me senhor do tempo
    Só você e unicamente você poderá me ajudar
    Mostre-me o caminho que leva ao sol e
    ensine-me o segredo de não me queimar.
    Leve-me pela estrada do norte, na rota do sul e do bem caminhar.
    Que eu cruze rios sem me afogar.
    Que atravesse montanhas sem de lá despencar.
    E que, ao cair, que eu me levante e encontre
    forças para continuar
    E que todas as barreiras e os obstáculos e as
    curvas da estrada com suas ladeiras eu consiga vencer
    pela persistência do muito esforçar.

    E, senhor do tempo
    Eu não posso parar
    Eu não posso parar pois eu sei que ainda tenho
    muitas flores para colher, muitos sonhos para perder, tanta
    conta para contar.
    Tenho a história inacabada, quanto espinho espalhado, os
    que já foram pisados e outros mais
    que aguardam por meus pés que nem meus são.

    Senhor do tempo me diga
    Se é eterno o caminhar?
    Se encharcando a camisa, suando-se de baixo em cima,
    correndo mais que a notícia, quase qual bala que mata, mais
    que um golpe de faca lambendo
    o vácuo do medo, pode-se uma dia dizer,
    vou parar pra descansar?

    Controlar o tempo
    Ah! Quem me dera eu soubesse desvendar este segredo
    Quisera eu não ter medo de sorrir, de ser feliz
    E na passagem da vida amar mesmo, sem medida, compartilhar
    os meus sonhos com quem quisesse sonhar, semear por onde eu fosse,
    muito amor, muito sorriso, muita paz que eu preciso
    tornar o mundo melhor. Deveras, levar alegria
    a todas as gentes e a mim, a todos nós e a ti
    que me lê e nem me conhece, mas, que como eu, padece
    do não entender a existência, a razão do ser, das crenças,
    as dores e os sacrifícios que a mestra vida nos cobra
    sem explicação alguma, mas no tempo e na estrada
    vamos nós a cavalgar.

    A caminhar, a sonhar,
    nos labirintos da sorte
    construindo e conquistando, montando um cavalo alado
    Eu e você, lado a lado
    Destino fraco e do forte
    Procurando a própria morte
    Por onde o vento levar.

    Roberval Paulo