terça-feira, 1 de março de 2016

ANOITECER DE UM POETA - Roberval Paulo

Ainda não me disseram quem vinha pra me alegrar.
É que eu estava triste, uma tristeza tamanha
que eu quase que nem sabia o que é ser um ser feliz.

Mesmo com a ilusão de que aqui se caminha,
de que aqui se aninha e encontra a felicidade,
mesmo sabendo a cidade ser uma nossa aliada,
andando em suas calçadas de luzes e sons perdidos

De passos quase inauditos, de gritos roucos, de dor,
da noite em seu esplendor a acolher seus incautos,
da vida em passos largos, parando na encruzilhada,
na ponte que está cortada para não mais se emendar

Do ser que foi a voar por perder a caminhada,
da fonte doce e cansada correndo sem se abater,
do canto de um padecer mais solidão que tristeza,
mais prazer que aspereza na calda de um bentevi

Te vi ali, não aqui, resposta de um sabiá:
cantar bem eu sei, sou eu, que não me encontro é com a sorte,
só caminho é para o norte, um caminho conhecido,
não de mim, de um ser antigo que habitava outro mundo

E me disse – extra pra o mundo! – cheguei e aqui sou razão,
não me fale de emoção, isso já foi, é passado,
agora o tempo é fechado, não há lugar para a dor,
todo o horror que habitava o universo do ser,

hoje vai a entardecer o que amanhã for amor.

Roberval Paulo

A Virgem e a Flor - Roberval Paulo

Perfume de flor de laranjeira
A moça esperando por casar
Véu e grinalda
A virgem sobe o altar
E os anjos cantam hinos
E a canção do bem amar

O vento sopra o seu bafejar quente
O noivo em tempo de fogo pegar
O padre dá a benção
A lua a escutar
E o pote guarda o mel
Que pelo amor vai derramar

Se fosse só casar
Melhor seria o por do sol
E a virgem adormecendo
Antes da noite acordar

E os dois correndo juntos (correndo pelo campo)
Como se fossem um só
A flor e o amor

Na estrada do mar.

Roberval Paulo

A RAÍZ DO IRREAL - Roberval Paulo

Na sombra do som que se instalou em meus olhos
Na luz da manhã que anunciou o crepúsculo
Na fonte cansada que transportava a vida
Surgiu sua dor
As folhas se agitaram ao tocar os teus pés
O sabiá emudeceu ao sentir o teu canto
A lua se esquivou à tua presença
E eu,
Corri em desespero pelos dias
À procura do teu encontro
Que perdi na noite passada

Na explosão bombástica que dizimou o mundo vida
Na fome que se instalou no seio morto da vida
Nas lágrimas verdes da mata em sua mortal cantiga
Me veio sua dor
As águas pararam para lhe dar passagem
O sol escureceu aos seus raios divinais
O tempo abriu as portas para que fosses ao vento
E eu,
Parti extasiado pelo abraço de Vênus
A encontrar o teu amor
Naufragado nos braços do mar “desprezo”.

Na ilusão clarividente do dia que não anoiteceu
Na fantasia interminável da noite que não amanheceu
No acordar morto do sonho que não adormeceu
Chorei sua dor
O sol se fez permanente à tua chegada
A lua se mostrou clara à tua presença alada
O céu em constelação ornou o teu existir.
E eu,
Despertando em pensamento mórbido na estrada
Abracei o teu amor nesta fria madrugada
E a manhã abriu seus raios em vida plena e abundante
A Abundância da vida no amor plenificada.

Roberval Paulo