quarta-feira, 2 de março de 2016

PASÁRGADA NÃO MAIS EXISTE - Roberval Paulo

Uma singela homenagem ao mestre Manuel Bandeira - "em memória".

Vou-me embora daqui                                                                     
Daqui pra um outro lugar
Aonde eu possa ter uns seis anos mais ou menos
E todos os meus problemas sejam sonhos de criança

Vou-me embora daqui
Eu sei que há um outro lugar
Aonde eu possa viver sem tudo me incomodar
Aonde eu possa existir existindo de verdade
E possa contar estrelas sem verrugas me nascer

Vou-me embora, vou-me embora, eu sei que já vou embora
Vou porque está em mim o desejo de partir
O lugar já não existe, aqui não existe nada
Não posso mais ser tão triste, preciso me encontrar

E quando a noite chegar
Quero um sonho que amanheça
E quando o dia acordar, eu já distante daqui
Aí vou querer voltar aos seis anos mais ou menos
Aí vou querer viver sem tudo me angustiar

E vou querer existir existindo de verdade
E vou poder encontrar-me no lugar de onde eu vim
E os meus sonhos de criança vou poder recomeçar
E não vou mais ser tão triste, vou até me alegrar

Pois não encontrei Pasárgada
Pasárgada não mais existe
Não vou nem mais querer ter vontade de me matar

À noite só quero amar
À noite só quero amar
À noite só quero amar sem medo de ser feliz
É que aprendi que a vida é a realidade que há
A realidade que é minha
A realidade que é nossa
A realidade da qual

Se vence no caminhar.

Roberval Paulo

CANÇÃO DO INEVITÁVEL - Roberval Paulo

A morte é sempre chorada, mesmo sendo inevitável
É tão irremediável que se sente inesperada
Não é por ninguém esperada, é talvez inconveniente
Chega e se vai num repente, na insensatez de uma flecha

Não sei se falsa ou honesta, nem tão pouco inconsequente
É feito água vertente brotando da pedra bruta
Não é estúpida, é astuta
Só chega quando é chamada
Um chamado inconsciente que a mão humana não entende.

A morte não é demente... é lúcida, é despachada
É sutil tal qual o nada, é razão da existência
É um nó na inteligência que vê nela uma equação
Que se vai a resolver mais a fórmula não norteia (clareia)
É refém da dor alheia, ninguém sabe a solução.

A morte não é estação que vem no seu tempo e passa
A morte é viva e inata, é bela e nasceu com a vida
É imune à dor da partida, sabe ser esta um presente
Vem do passado ao futuro para ser somente história.

Não é fracasso nem glória, é simplesmente verdade
Não sabe credo ou idade, só que é preciso agir
Não tem de não querer ir, tem mesmo é que viajar
Percorrer a velha estrada que é nova em cada partida
Curar de vez a ferida que a vida sempre chagou
Com amor ou desamor, se mostra na despedida.


Roberval Paulo

terça-feira, 1 de março de 2016

LUA DOS AMANTES - O novo quando vem... - Roberval Paulo

Uma cantiga de vento enrubesceu os amantes
E na moldura viajante dos olhos
A noite vinha lá do fim do mundo

A lua se escondia na brancura da nuvem
E na sonoridade da alma
Um silêncio se ouvia
Um silêncio de fazer cantar os mudos

O som do amor se encarnou por toda a luz
E todas as bocas disseram o provar de corpos em êxtase

Um uivo abafou a imensidão da distância
E o prazer aquiesceu a alma enamorada

Os desejos ardem, convulsões desenfreadas
Sensações que se revelam
Na rima solta do verso

O ar cansado desmaia
Num respirar lento e cortante
E a forma disforme se renova

No formatar novo do novo.

Roberval Paulo

DESCULTURADO - Roberval Paulo

Pensando culturalmente
Não sou eu aculturado
Sou em mim, desculturado
Numa cultura sem cura
Mais que cura dor de dente
E até quebranto com reza
Portanto, não se despreza
A cultura que é escura
E sim, encontre brancura
Na cultura de sua terra

É a cultura de um tudo
No meio de tanto nada
É a folha da enxada
Antes da folha papel
É a falácia dos mudos
Valendo mais que a história
É uma oração sem glória
Um conceito sem virtude
O teatro de gertrudes
Fecha o pano sem memória

O homem deixa o existir
No tempo e não segue em frente
Mais Deus, compassivamente
Está no tempo e não passa
Mesmo intentando seguir
O homem finda, se encerra
De terra, volta à terra
Não importa o que ele faça
Mais se merecer a graça

Não encontrará mais guerra.

Roberval Paulo