Jornal do
Tocantins
CRÔNICAS & CAUSOS
Irmãos de sangue são mais irmãos
Roberval
Paulo - Poeta
" Se algum mal cometia, era a si
mesmo e, consequentemente, à família, que vivia em preocupação constante com a
sua boemia"
06/08/2019 - 07:00
Gracindino, um homem comum e cidadão
do bem. De alta estatura, esguio e curvado, rosto sulcado, de feição
avermelhada e clara e cabelos levemente encaracolados e curtos. Vivia às voltas
com seus vícios; o famigerado álcool, a boemia e mulheres. Não era de ofender a
ninguém, seriamente, mas tinha bastante curto o estopim e não dispensava uma
boa troca de murros quando em seus momentos de embriaguez. Se algum mal
cometia, era a si mesmo e, consequentemente, à família, que vivia em preocupação
constante com a sua boemia.
Alceste, seu irmão mais velho, era o
oposto. Não tão esguio quanto Gracindino, mas em mesma estatura e feição. A
diferença entre estes irmãos, fisicamente tão parecidos, estava na compostura.
Alceste, como todo jovem, teve seus momentos de boemia e bebidas, mas por pouco
tempo. Casou-se cedo, convertendo-se ao protestantismo, consagrando-se Pastor
rapidamente. Família constituída, sendo a esposa e um casal de filhos e uma
vida centrada na oração e no cuidado ministerial com a sua igreja e seus
membros, saindo do sério somente quando tinha que se posicionar frente às
confusões criadas pelo irmão Gracindino, o que ocorria com certa frequência.
Essas ocorrências, porém, não
produzia efeitos negativos à reputação de Alceste, nem tão pouco, pasmem, à de
Gracindino, pois todos muito bem os conheciam. De família íntegra, defensora
dos bons costumes e de imutável conduta, logo que passada a situação vexatória
e reparados os erros, todos reconheciam a estampa meritória do Pastor e pai de
família Alceste e de mesmo modo, a do cidadão e homem de bem Gracindino,
somente um boêmio inveterado.
Certa noite, já por volta das
22h00min horas, depois de ter engolido todas em sua comunhão quase que
rotineira, Gracindino, despedindo-se dos amigos de confraria e de cruz, deixa
para trás o bar, trilhando rumo a casa. Ora assoviando, ora cantando,
envereda-se por um atalho tencionando encurtar o caminho, afadigado pelo peso
dos tantos goles degustados. De súbito, vê-se cercado por cinco elementos em diligência
por acerto de contas em homenagem a umas tapas desfraldadas por Gracindino há
uns dias atrás em um dos tais. Gracindino vê-se em desvantagem, mas não arrega,
adepto fervoroso da boa troca de murros.
Começam a troca de farpas e a arenga
é esboçada em empurrões. Um garoto, passando pelo local, corre a dar notícias
do ocorrido ao irmão Alceste que, a esta hora, de paletó e gravata, finalizava
a pregação aos fiéis. O garoto adentra a igreja correndo e anuncia que
Gracindino está em contenda e em desvantagem, pois são cinco contra um.
Alceste, digerindo a notícia
incontinenti, brada seu amém aos fiéis e deixa para trás a Bíblia, saindo
avexado ao socorro do irmão. Ao dobrar a esquina, vê Gracindino engalfinhado
com a curriola. Cena que passaria em branco ao coração do pastor, mas que fere
e atinge em cheio o coração do irmão. Não houve conversa nem ponderação e lá
estão Alceste e Gracindino botando pra correr os safardanas à custa de murros e
pescoções. O pastor mais uma vez é mais irmão. Gracindino é levado para casa e
lá, em quatro paredes, o pastor lhe diz as do fim; ele pode e deve, mas aceitar
outro agredi-lo, isso não.
Em outra feita, estava Gracindino em
um bordel. Já alto pelo fogo da bebida, saca de uma arma e desfere uns tiros
para cima. Foi terrível o rebuliço. Uns se apertam nas portas buscando saída ao
mesmo tempo enquanto outros saltam pelas janelas. Nesse salve-se quem puder,
ecoam gritos: socorro! Polícia! Gracindino serve mais uma bebida e senta-se,
ajeitando em cada perna uma garota, vangloriando-se do feito.
De repente risca no pórtico a viatura
e saltam dois policiais dispostos a dar fim ao episódio. Da porta gritam as
palavras de ordem: “teje” preso Gracindino. Era o soldado Camelo, acompanhado
do parceiro Adnero. Gracindino, lá nos fundos do salão, uma moça em cada perna
e de costas para a porta, permanece imóvel. A voz soa novamente, dita pelo
soldado Camelo: “teje” preso Gracindino!
Gracindino conhece a voz. Sentado
estava, sentado ficou. Sacando da arma presa à cintura, vira o braço imediatamente
e vocifera: Oh! Camelo, eu estava mesmo querendo lhe ver; tava doido pra lhe
dar um tiro na testa. Simultaneamente à voz, o tiro é disparado e acerta o
umbral da porta. Camelo e Adnero pegos de surpresa afastam-se correndo ao
uníssono grito de valha-me Deus, deixando para trás a viatura. Neste ínterim,
já avisado por terceiros, Alceste adentra o salão. Surpresa no rosto de todos;
não é o local mais adequado para um pastor, mas o irmão está lá e aspira por
socorro. Gracindino é conduzido para casa e ouvirá um monte com certeza.
Obediente ao irmão, nada replicará e terão descanso por algum período.
Os irmãos mais uma vez são notícia de
primeira mão no agudo boca a boca do interior e lá se vai o pastor Alceste se
explicar com a cidade, com os fiéis e com os policiais destratados e amigos.
Tudo resolvido. A rotina volta ao normal na pacata cidadezinha. A bocas
pequenas corre o assunto, todos aguardando a próxima de Gracindino. É quando a
cidade de fato se movimenta e todos tem muito que dizer.
Roberval Paulo
Parabéns Poeta Roberval.
ResponderExcluirPor essas crônicas e casos que nos encantam. Você é um grande Poeta.
Muito obrigado. Abraço.
Excluir