Essa
é a banda de chão onde meu pai se enganchou
Depois
que ele ali chegou nunca mais pôde sair
Plantou
ali sua sorte no seio da terra bruta
Findou
seus dias de luta quando estacionou ali
Sentiu
sem saber que ali era sua última parada
Não
mais teria o alento de outro chão procurar
A
força mística do tempo fechou pra ele suas portas
A
força torta que faz tudo direito ficar
Ele
arvorou nessa terra, plantou tudo que podia
Plantou
seu dia, sua noite, seus filhos, sua mulher
Plantou
sua sina de ser ali seu começo e fim
Fez
crescer nele a ilusão de ser ali seu mister
Não
mais teve um outro norte, tudo ali se resumia
Quando
distante se ia, era a um légua de lá
Voltava
no mesmo rastro, não se sentia seguro
No
imaginário, seu muro, não podia ultrapassar
Ele
tanto trabalhou, lavrou cacunda de pedra
Terra
de areia lavada, terra boa de lavrar
Terra
bruta, desalmada, que a enxada não cortava
Terra
que até então ninguém ousava lavrar
Terra
que só de olhar já se via o fim do mundo
Terra
que não se indicava nem pra o inimigo morar
Terra
de sol, sem aguada, sem vida, terra de terra
Terra
que só tinha um fim, seu corpo ali sepultar
Meu
pai levantava cedo, fazia o sinal da cruz
E
caminhava pra lida tão feliz que até doía
Estava
ele no dia antes do sol clarear
Isso
quando tinha sol, que o céu de lá nem se via
Era
um tempo de agonia, que lugar mais assombrado
Nem
sol de dia, nem lua de noite, só escuridão
Uivo
de fera bravia na distância de dez braças
Meu
pai pronto a enfrentar, ali ele era um leão
Nunca
vi tanta energia, que destino mais cruel
Tinha
que beber o féu e era feliz o meu pai
Trabalhava,
trabalhava, um trabalho sem retorno
Só
ele via o saldo, nunca reclamou um ai
Trabalhava,
se matava, suava as horas do dia
Todo
o tempo só se via ele a terra labutar
De
carpir a derrubada, roça de toco, queimada
Lá
estava ele na foice, no facão, a augurar
Parecia
num agouro a predizer seu destino
Mas
era só a missão dada a um homem comum
E
meu pai vestiu sua cruz, era sua, ele levava
E
se fazia feliz sem ter conforto nenhum
Sua
fé nunca abalou, que força descomunal
Ele
era um homem de reza, de oração e de louvor
Na
enxada, no sol quente, rezava a Ave Maria
Nosso
Jesus, O Pai nosso, nosso Deus, nosso Senhor
Mas
mesmo sabendo todos ser neste chão o seu fim
E
condenando meu pai a uma morte anunciada
Meu
pai nunca se entregou, nunca se desalegrou
Era
a vida mais feliz que este lugar habitava
Era
um mundo de alegria o olhar terno de meu pai
O
pai da serenidade a perseguir a esperança
Esperança
a lhe brotar no cantar de um passarinho
Jeito
manso e compassivo, um sorriso de criança
Talvez
se tivesse ele outras terras encontrado
Não
era assim tão feliz como nesse fim de mundo
Tinha
algo de encanto esse encontro inusitado
Meu
pai e essa sua terra, o primeiro sem segundo
Vê
um separado d’outro era inimaginável
Meu
pai amava esta terra e ela o venerava
Ela
até correspondia lhe dando tudo do nada
Era
sentido aos olhos como um ao outro amava
Meu
pai era essa terra e ela era o meu pai
Eram
sim, inseparáveis, por uma força incontida
Força
que não vinha dele, nem dela, força fadada
A
força de uma chegada com requintes de partida
Compreendi
todo o destino que este chão encerrava
Esse
chão é do meu pai e do meu pai esse chão
Fez
nesse chão sua sina de agora e para sempre
Aqui
plantou sua história e também seu coração.
Roberval Paulo