segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A lição de THOMAS JEFFERSON - Antônio Ermírio de Moraes


  • Publicado na Folha de São Paulo,02/12/94

    Foi num velório de um amigo comum. Lá estavam Joaninha, colega de ginásio, e Matias, fazendeiro do interior de São Paulo. A conversa entre os dois corria solta e com ares de consternação. Pensei que era em respeito ao falecido. Que nada, o tema era outro: política. Peguei o bonde quando Joaninha dizia:
    "Jamais pensei que o partido que foi o baluarte da campanha da ‘ética na política’ viesse receber numerários de empresas que ele mesmo ajudou a combater."
    "Eu também me choquei", acrescentou o Matias. "Afinal, é o partido cuja filosofia se dizia baseada na moralidade embora eu nunca tenha caído nessa conversa. Sempre desconfiei de gente que vive sem trabalhar... Você não achou estranho o fato de aquele partido no meio da apuração das denuncias de corrução, ter desistido de levar até o fim a CPI das empreiteiras?"
    "Foi tamanha a propaganda em favor da ética durante a campanha que eu havia me esquecido disso", falou a Joaninha. "Aliás, a minha irmã, tonta de leste a oeste, votou num barbudinho que dizia ser patrono do tal 'clube da moralidade. Deu-se mal. O homem foi eleito deputado e, agora, a Chiquinha está arrependida até o dedão do pé."
    "Isso aconteceu com muita gente da minha família", retrucou Matias.
    "Como professora, eu passei a vida inteira reprisando para os meus alunos a famosa frase de Thomas Jefferson que dizia: ‘A arte de governar consiste na arte de ser honesto’. Repeti isso durante 40 anos por estar convicta de que os princípios que regem a conduta na vida pública são os mesmos que presidem a conduta na vida privada."
    "Eu sou de um outro tempo", provocou o Matias. "Cresci dentro da cultura do ‘rouba mas faz’... Nunca me conformei com isso, mas foi a única coisa que ouvi na minha juventude."
    "Eu também vivi esse mundo, ponderou a Joaninha. Mas, ainda assim, sempre insisti com meus alunos que a ética na política tem de começar com a ética na família; no trabalho, no estudo e, sobretudo, nos partidos. Ninguém pode ter autoridade para pleitear a moral no mundo político enquanto não conseguir estabelecer a moralidade na sua própria vida."
    Foi nesse ponto que os dois se viraram para mim e perguntaram a queima-roupa:
    "E você só ouve? Perdeu a língua?"
    Nunca tive tanta vontade de continuar calado. Compartilhei da indignada deles mantendo, porém, o meu otimismo. Entendo que, a democracia é um processo lento, baseado em longas cadeias de erros e acertos - sendo que a descoberta dos erros é tão importante quanto os resultados dos acertos. Essa transparência que começa a surgir entre nós é crucial para o progresso democrático. A cura da corrução é como a cura da tuberculose: depende de ambientes abertos e de muito ar "puro".
    Os dois me chamaram de romântico, convidando-me a engrossar o coro das orações do velório, sugerindo ainda que orasse também pela classe política que, na opinião da Joaninha, está precisando muito mais das nossas preces do que o santo amigo Luciano que ali se despedia para subir ao céu.

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