sexta-feira, 21 de junho de 2019

A REGRA DESAFIADA - Roberval Paulo


Eu sou janela pra ver
O lado fora da vida
Eu sou a dor diluída
Para nunca mais doer
Eu sou a água a ferver
Sou o gatilho apertado
Sou o prego enferrujado
Sou ferrão de escorpião
Sou a verdade de Adão
Sou os quatro cantos do dado

Eu sou a fonte que canta
Eu sou a morte que cala
Sou a estrutura da escala
Sou morto que se levanta
Eu sou a fome na janta
Sou gume de canivete
Sou a goma do chiclete
Sou as cores do pavão
Sou o estrondo do trovão
Sou a lâmina do pivete

Eu sou a xêpa da feira
Sou o começo da vida
Sou inocência perdida
Sou pedra de baladeira
Sou a metade inteira
Sou a boca do alçapão
Sou carro na contramão
Sou a vírgula da história
Sou insensatez na glória
Sou sensatez no perdão

Sou medo na noite escura
Sou portentoso veneno
Sou desnível do terreno
Sou a santa santa e pura
Sou cravo de ferradura
Sou coceira na ferida
Sou uma onça parida
Eu sou fio da navalha
Sou o sangue na batalha
Sou cutilada doída

Eu sou cigarra vadia
Sou reta na encruzilhada
Sou golpes de navalhada
Sou a face negra do dia
Sou a treva que alumia
Sou a luz que se apagou
Sou porta que se fechou
Sou janela escancarada
Sou rasgo de cutilada
Sou o escuro que clareou

Sou o calcanhar de Aquiles
Sou a espada de Heitor
A honra de Eleanor
Dos Basílios, sou “Basilis”          
Dez livros de “Pitigrillis”
Sou o silêncio no sermão
Bomba no Afeganistão
Sou guizo de cascavel
Sou a torre de Babel
Sou empregado e patrão

Eu sou pimenta de cheiro
Sou a malagueta ardida
Eu sou chegada e partida
Sou o filho do carpinteiro
Sou o juro do doleiro
Sou o rascunho da mente
Sou o nascer da semente
Sou terça de carnaval
Eu sou o bem e o mal
O lodo e a água vertente

Sou a areia da ampulheta
Eu sou a cruz da espada
Sou bomba atômica testada
Sou a cura da maleita
Sou elixir na colheita
Sou o ataque do leão
O dente do tubarão
Sou a lembrança esquecida
Sou a larva derretida
Sou o buraco no chão

Sou labareda de fogo
Sol o sol do meio dia
Sou a dor da agonia
Sou princípio e fim do jogo
Sou pressão e desafogo
Sou a prosa e a poesia
Sou tristeza na alegria
Sou a marquise arqueada
Sou o fim da caminhada
Sou o doce raiar do dia

Eu sou lagarta de fogo
Sou a reta que se inclina
Sou os desejos da menina
Sou milagre vindo a rogo
Sou Iago, Jacó, Diogo
Sou todos e sou nenhum
Sou vôo penso de anum
Sou vento no milharal
Sou calma no vendaval
Sou a fome no jejum

Sou torto que se endireita
Sou regra desafiada
Sou lei não executada
Sou resto de coisa feita
Sou mulher que não se enfeita
Sou reza dita sem fé
Sou carro de marcha a ré
Sou a abelha e seu mel
Sou o amargor do fel
Sou enchente na maré

Eu sou a estrada sem fim
Sou o infinito que se acaba
Sou o leite da mangaba
Sou o pavio, o estopim
Sou aroma de alecrim
Sou o burro do oleiro
Sou a colher do pedreiro
Sou a praga na invernia
Sou a verve da poesia
Eu sou a cruz do madeiro.

Roberval Paulo

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