A
pomba branca da paz alçou o seu vôo e sobrevoou toda a baía de guanabara, na
cidade maravilhosa do Rio de Janeiro e, nos morros da insônia e do
desassossego, foi atingida e ferida de morte por balas perdidas e destinadas especificamente
para inibir a paz, e esta, chorando a insensatez da humanidade desordenada e
sem direção, deixou-se abater e caiu por terra em sono profundo para não mais
levantar-se.
Foi-se embora a paz, tragada e morta pela ambição e egoísmo dos seres humanos.
Pela maldade e insanidade dos modelos econômicos vomitados pelas estruturas do
poder que, podres e corruptas, segregam e excluem a grande maioria dos seus
iguais.
E assim, o caos se instalou e a bandeira negra da dor e do terror espalhou sua
legião de seres ante-socializados pela hipocrisia viva e cruel dos homens,
pelos becos e labirintos e vãos dos morros e favelas à caça do sangue que de
suas entranhas foi retirado à custa de ações massacrantes e perversas
contra as massas, arquitetadas pela minoria privilegiada e inescrupulosa
e, o conglomerado da miséria humana encheu, encheu que explodiu, fazendo jorrar
dos morros para o asfalto a desesperança, o descaso, o medo da existência e a
dor aguda da impotência, desencadeando o confronto geral dos que nada tem aos
que tudo ganham.
A guerra foi inevitável e o sangue de culpados e inocentes se igualaram na dor
das famílias destruídas e a batalha sangrenta teve início quando a descrença
venceu o amor e, no rito do cada um por si, na junção da conveniência, venceu o
desentendimento total pela selvagem e necessária sobrevivência.
O caminho inverso está sendo feito. Tudo que vai um dia volta, transformado e
transfigurado. O que foi levado e semeado pelo desamor da sociedade para com
ela mesma retorna agora em ódio e ação contrária à sua própria dor que sangra
com o sabor do sangue imprevisível e inevitável.
Não há mais outro caminho. Não tem mais outro jeito que não o enfrentamento dos
poderes.
O poder oficial, instituído, legítimo, legalizado menos que irracional e guiado
pelos interesses dos seus mandatários e o poder paralelo, também instituído e
legitimado pela lei da sobrevivência, alimentado pelas feridas enraízadas
n'alma, causadas pelas ações ineficazes e cínicas do poder oficial; ilegal, mas
não menos poder enquanto poder de interesses.
Que vença a paz, se isso for possível e que cause o mínimo necessário de dor.
A dor impossível e revolta que ataca nosso peito a cada novo menino garoto
tragado pelo crime.
A cada nova menina moça pintada pelas cores intrigantes e revoltantes da
ascendente e desfigurada prostituição.
A cada pai de família com o peito trespassado pela faca da realidade da vida do
filho morto.
A cada mãe com alma e coração sangrando pelos filhos fulminados, alimentados e
decaídos pelo indestrutível e periculoso tráfico.
A cada novo ser esperançoso dessa tão desesperançada sociedade, descrente e
desencaminhada bem como sedenta e perseguidora voraz da paz tão sonhada e
almejada.
Que vença a paz se isso for possível.
Que vença a paz se isso for possível.
Que vença a paz! Que vença a paz!
Enfim, que vença e reine a paz, consumindo, amenizando, suavizando e
cicatrizando todas as dores que somos enquanto sociedade em
"desevolução", retrocedendo, à procura do seu início.
Roberval Paulo