segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

CONSTRUÇÃO NATURAL - Roberval Silva

Se não for como eu falei
É bem melhor que nem seja
É melhor nem ser bastante
Pra não ficar bem lembrado
É melhor não ser amante
É bom que seja espontâneo
É preciso ser estranho
Pra se dar a conhecer.

É bom que saiba perder
Assim se aprende a ganhar
Na guerra em que for lutar
Lute por qualquer verdade
Nos becos dessa cidade
Quanta mentira escondida
Quanta gente destruída
E outras mais se perdendo.

O trem da vida correndo
Nos trilhos do seu destino
A vida em desalinho
Pede socorro a morrer
Não tem de não entender
Tudo vai se consumar
Mesmo que não concordar
Não é o que ninguém falou
Nem mesmo quem semeou
Ou deixou de semear.

É sol em qualquer lugar
Tempestade em qualquer casa
Pra voar tem que ter asa
Mas é fácil rastejar
Eu disse, eu vou falar
Tem que ser como eu pensei
São as coisas que eu não sei
Que me fazem entender
Que a vida pra não morrer
Precisa entender a morte
Não é mais como eu falei
É como Ele escreveu
A morte que Ele venceu
Não foi plantada na sorte
Tudo é como o vento norte
Tem direção natural
Existe a raíz do mal
Mesmo em meio a todo amor
O exército do desamor
É construção natural.

Roberval Silva

O FIM DO COMEÇO QUE NÃO TERMINA - Roberval Silva


Já morri muitas vezes na ingratidão de pessoas queridas e amadas.
Já chorei lágrimas que nem minhas eram pela solidariedade e pelo sentimento mágico do sofrer e amar juntos.
Substituí, pelo amor, pessoas insubstituíveis.
Perdi tantas vezes que sempre busquei em mim o caminho de ganhar.
Esqueci acontecimentos que muito me judiaram e que diziam-se inesquecíveis.

Mas, vivi!
Vivi mesmo quando só de morte se apresentava o horizonte.
Vivi mesmo quando a vida me indicava a estrada de morrer.

Fui derrubado inúmeras vezes e, pela insistência, persistência e pela necessidade enigmática da missão continuar, pus-me sempre de pé.
Suportei dores ditas insuportáveis.
Perdoei quantas vezes necessárias fossem pelo espírito do Deus humilde que habita a alma e o coração dos homens e que nos faz lembrar sempre do quanto que nada somos.

Transpus obstáculos da realidade intransponível pela alegria inconteste e extremamente prazerosa do “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, - lema do grandioso mágico das palavras Fernando Pessoa.

Saí fortalecido pós cada derrota sofrida e em frente segui, confiante e esperançoso, por acreditar que “no fim tudo dá certo. Se não deu certo, é porque ainda não chegou ao fim”, - conselho do nosso tão perspicaz Fernando Sabino.

Procurei ser sensato quando a insensatez comandava todos os meus sentidos, pela inteligência inata que nos permite, com esforço, usar a razão como guia da emoção e do instinto.

Busquei um fio de prudência que fosse, quando só de imprudência e irresponsabilidade era o meu ser povoado, pois assim me situava, posicionando-me na linha reta do meu pensar torto.

Desafiei tanto a vida que a aventura da morte de mim fugia e renegava-me, resignando-se por compreender o risco inerente, constantemente inconstante, no perigo iminente do viver desejável e indecente do mundo, mas carregando a crença inviolável na verdade e decência do “tudo posso naquele que me fortalece” – Filipenses 4:13.

Mas, contudo, todavia, entretanto e, sobretudo, vivi.

Vivi mesmo quando a vida insistia em desistir.
Vivi mesmo com a sorte a léguas de mim distante, que corria à minha frente, em seu galope ligeiro, certeiro e indiferente, sem querer minha chegada.
Vivi com a adversidade visitando o meu terreiro, me fiz ser passarinheiro quando não podia andar e caminhando ou voando, chorando ou se alegrando, construindo ou destruindo, caindo e se levantando, planejando ou improvisando, morrendo ou ressuscitando, fui vivendo e revivendo, vagando e porfiando, “pois quão bom é porfiar”- (Basílio da Gama, em o Auto da Barca do Inferno).

Enfim, sempre experimentando, e em mim revigorando a força vital do existir, a única realidade, última oportunidade, em verdade, consequente que, irremediavelmente, vai se haver com o inevitável, mal ou bem, inexplicável, intrigante, incontestável, cumprindo o oráculo santo para enfim renascer.

É o começo do fim, ou o fim do seu começo, que vai dar na eternidade, que não se sabe vida ou morte, nem rumo sul e nem norte, se indo a desnascer.

Roberval Paulo

SONHO DE SONHAR ACORDADO - Roberval Silva


Sabe o que eu queria mesmo? 
Era o prazer de um sonho, 
um sonho eu queria ter,
mas um sonho desses sonhos 
que a gente sonha e sonhando 
só pensa e se enveredar 
pelo caminho sonhado 
e pensado e perseguido, 
imbuído do desejo 
desse sonho realizar.

Mas um sonho que, sonhado, 
assim, se realizasse, 
mas não fosse tão real 
como a dura realidade, 
fosse somente verdade, 
mas não doesse, alegrasse, 
um sonho que reparasse 
os erros sem machucar

Roberval Silva

RIOMATA - Roberval Silva


A mata no rio
O rio na mata
A mata desata
O rio cascata
O rio mata
A mata se mata!

O rio abraça
A mata devassa
A mata o rio
A mesma paisagem
A mata folhagem
O rio passagem
O rio invade
A mata selvagem

O rio a mata
A mesma viagem
A mata voraz
O rio coragem
Um fio de esperança
Na sombra descansa
Mata e rio, andança
No fim da imagem
Rio e mata, tardança
“The End!” Miragem.

Roberval Silva

O FIM DO COMEÇO QUE NÃO TERMINA - Roberval Silva


Já morri muitas vezes na ingratidão de pessoas queridas e amadas.
Já chorei lágrimas que nem minhas eram pela solidariedade e pelo sentimento mágico do sofrer e amar juntos.
Substituí, pelo amor, pessoas insubstituíveis.
Perdi tantas vezes que sempre busquei em mim o caminho de ganhar.
Esqueci acontecimentos que muito me judiaram e que diziam-se inesquecíveis.

Mas, vivi!
Vivi mesmo quando só de morte se apresentava o horizonte.
Vivi mesmo quando a vida me indicava a estrada de morrer.

Fui derrubado inúmeras vezes e, pela insistência, persistência e pela necessidade enigmática da missão continuar, pus-me sempre de pé.
Suportei dores ditas insuportáveis.
Perdoei quantas vezes necessárias fossem pelo espírito do Deus humilde que habita a alma e o coração dos homens e que nos faz lembrar sempre do quanto que nada somos.

Transpus obstáculos da realidade intransponível pela alegria inconteste e extremamente prazerosa do “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, - lema do grandioso mágico das palavras Fernando Pessoa.

Saí fortalecido pós cada derrota sofrida e em frente segui, confiante e esperançoso, por acreditar que “no fim tudo dá certo. Se não deu certo, é porque ainda não chegou ao fim”, - conselho do nosso tão perspicaz Fernando Sabino.

Procurei ser sensato quando a insensatez comandava todos os meus sentidos, pela inteligência inata que nos permite, com esforço, usar a razão como guia da emoção e do instinto.

Busquei um fio de prudência que fosse, quando só de imprudência e irresponsabilidade era o meu ser povoado, pois assim me situava, posicionando-me na linha reta do meu pensar torto.

Desafiei tanto a vida que a aventura da morte de mim fugia e renegava-me, resignando-se por compreender o risco inerente, constantemente inconstante, no perigo iminente do viver desejável e indecente do mundo, mas carregando a crença inviolável na verdade e decência do “tudo posso naquele que me fortalece” – Filipenses 4:13.

Mas, contudo, todavia, entretanto e, sobretudo, vivi.

Vivi mesmo quando a vida insistia em desistir.
Vivi mesmo com a sorte a léguas de mim distante, que corria à minha frente, em seu galope ligeiro, certeiro e indiferente, sem querer minha chegada.
Vivi com a adversidade visitando o meu terreiro, me fiz ser passarinheiro quando não podia andar e caminhando ou voando, chorando ou se alegrando, construindo ou destruindo, caindo e se levantando, planejando ou improvisando, morrendo ou ressuscitando, fui vivendo e revivendo, vagando e porfiando, “pois quão bom é porfiar”- (Basílio da Gama, em o Auto da Barca do Inferno).

Enfim, sempre experimentando, e em mim revigorando a força vital do existir, a única realidade, última oportunidade, em verdade, consequente que, irremediavelmente, vai se haver com o inevitável, mal ou bem, inexplicável, intrigante, incontestável, cumprindo o oráculo santo para enfim renascer.

É o começo do fim, ou o fim do seu começo, que vai dar na eternidade, que não se sabe vida ou morte, nem rumo sul e nem norte, se indo a desnascer.

Roberval Silva

CAMINHO - Roberval Silva


Nessa estrada triste
Um sonho triste
Um homem triste
                        a caminhar...

Buscando alegria
Sonhando a poesia
DEUS do céu um dia
                        vai lhe abraçar

De tão alegre ele se viu triste
E sorriu quando devia chorar.


Roberval Silva

ATITUDE, É PRECISO TER - Roberval Silva


Eu gosto das boas atitudes
A atitude, por exemplo, de procurar dar casa a quem não possui
A atitude de dar de beber a quem tem sede
De alimentar a quem tem fome.

A atitude de levar um sorriso a quem não sabe sorrir
De levar um abraço a quem já não mais abraça
A atitude de sonhar o sol, mesmo que este não se dê aos sonhos.

Quero luz e que a luz da vida esteja em todos
Que a vida seja farta e que na linha de chegada
Possamos partir rumo ao bom
Que o bom é viver.

Gosto de atitude, das boas atitudes
E de perder
Que ganhar é muito fácil.

E que de boas atitudes
Seja o mundo repleto
Seja a vida completa
De sonhos, de amor e de paz
De sol, de luar, de cantar
Na terra onde tudo é breve.
                    
Roberval Silva

sábado, 2 de fevereiro de 2019

O MAR - Roberval Silva


O mar me faz bem, me faz muito bem.
Ele é tão grande, tão misterioso.
Da praia olho e ele me atrai.
Resisto e não vou, 
me sinto forte também.

Luta desigual, mas equilibrada.
Ele bate forte na praia e me assusta.
Solta um rugido.
Parece querer me intimidar.
Eu resisto!
Olho bem em seus olhos e o sinto triste.

Majestoso, ele vem em nova investida
e lambe meus pés.
Sinto o frescor das suas águas
e me embriago
de o ver assim tão próximo,
tão meu,
tão aos meus pés.

Roberval Silva

VELHA ANGÚSTIA - Roberval Silva


Estou só e penso em você
As paredes se abrem e os olhos se perdem
Na lonjura do infinito
A cama está fria
Estou com frio e nem o cobertor de lã me aquece
Me jogo da altura de muitos andares
Livre e solto no ar e sem asas,
O chão que me apara sangra suas dores.

Queria, só por um momento, poder não cair
Sentir o frescor da brisa no peito, em pleno voo
E a magia do voo, com asas a me levar
Ao porto seguro que não sou.

Estou só e já morri muitas vezes
Ainda penso em você
O telefone toca, uma voz soa distante
Não é você e nem atendo
Tão longe da realidade que estou
A porta se abre e só entra a noite a me fazer companhia
Me trás a amargura da vida tragada em três dedos de Whisky
Estou boiando na vida, a praia cada vez mais distante
A serenidade naufragada, causa de um só desprezo.

Na janela já é madrugada
O horizonte parece que me espera
Venero a luz
Não sei se a verei de novo
Quando no arrebol vir o sol
Não sei se ainda estarei aqui.

Na lembrança os sonhos e desejos primeiros
Menino e vida se fundiam. Uma alegria só
De emoções e amores a oferecer.
Estou partindo, finalizando a caminhada, e,
Já ouço o chamado. Sua voz é triste chamando por mim
Encurtam-se as distâncias
Não existo na tua ausência
Logo estarei ao teu lado.

Perdoa-me!
Procurar-te-ei por todas as vidas e...
Que o céu nos seja eternamente
Minimizando as dores que fomos

Perdoa-me!
Tua partida me partiu
E só pedaços do existir me deixou
Espalhados por todos os dias e vidas e mortes
À tua procura.

Recomeçar-mos-emos
Do ponto onde não paramos
Da ponte em que não passamos
Do ponto onde começamos
A ver o sol todo dia

Perdoa-me!
Começar tudo de novo
Todo dia um recomeço
No outro lado da vida
Onde a morte já não mais vive.


Roberval Silva

SONHOS E ESPERANÇAS - Roberval Silva


  Recomeçar todo dia 
     até o anoitecer
         O sol se esconde, 
             é hora de dormir
                Recuperar 
                   sonhos perdidos
                      Se embrenhar 
                          na imensidão da noite
                             O dia também é grande
                                 E as forças
                                     precisam estar renovadas.

                                                                    Todo dia 
                                                               é o mesmo dia
                                                           De um novo dia 
                                                       que surge com a manhã
                                                   Manhãs novas, 
                                               manhãs escuras
                                           Manhãs verdes 
                                      de sonhos e esperanças
                                 Manhãs azuis 
                             de palavras e começos
                         Recomeço no começo 
                   de um novo dia.


Roberval Silva

RECOMEÇO - Roberval Silva


Uma semana... 
                              um mês de chuva
       Agora... 
                   parece que o tempo firma!

As dores estão se indo.

O trem, de novo, 
                           já corre nos trilhos

O sol reaquecendo sonhos

Sinais de que estou voltando a viver.



Roberval Silva

POEMA DAS COISAS OU A LOUCURA DOS SONHOS - Roberval Silva


Ajuntei algumas palavras
e formei um arco-íris
Arco-íris de flores, não de cores
Que dizia ao mundo o colorido dos sonhos

Ajuntei os sonhos do dia
E com a noite sem sonhos misturei
E formei o corcel enluarado do verde
Que dizia os matizes das noites de luar e mar,
E a esperança me brotou dos olhos
Qual fino cristal límpido e triste
Cristalino e discípulo do orvalho da manhã

Ajuntei as coisas do meu sentido
Misturadas às coisas que só de coisas sabiam
E extraí dessas o sentido maior das coisas
Onde o Invisível e o Indizível
Se coisificam

E nesse ajuntamento das coisas com outras coisas
A realidade virou só poesia
E um ser superior e efêmero
Adâmico e Mosaico e reluzente
Levou-me pelo buraco negro iluminado
Da janela biônica da vida

Visitei castelos e reinos e princesas
Mata virgem, céu azul, água verde e dinossauros
Viajei na cultura e ruínas dos Astecas e dos Maias
Naveguei o mar vermelho entre unicórnios e centauros
Das pirâmides egípcias fiz uma ponte à Grécia Antiga
Ligada a Roma pela crença milenar do Oriente
A deusa Tétis brincava nas asas da Fênix
E Nero passeava pelo jardim do Éden
Golpeando Aquiles à espada dos Samurais.
Pela Sibéria e Esparta fui vagando vagamente
Na terra santa em comunhão vi o cordeiro
Caminhando e pregando mansamente
Em meio aos anjos entoando suas cantigas e corais

Toquei a evolução de Adão
E de outras e mais outras civilizações
Ainda mais novas e remotas de razões
Que vem desaguar em Marte
Quando neste tinha mar

Fiz uma confusão e profusão de coisas
Que coloriu o Monte Olimpo
De toda sorte de deus
E no azar da sorte, não minto,
Eu vi um deus pé de pinto
Ocupando o trono de Zeus
E de Hércules a Thor, geração por geração,
Todos telem transportados no tempo rumo ao sertão
E no calor da caatinga, sem açude, só cacimba
Seguidos por Lampião e, no encalço, os cangaceiros
Foi em Canudos que se deu e o mediador era eu
O grande encontro dos deuses
Com Antônio Conselheiro.

E a república e os deuses se organizaram em motim
E os deuses, desencarnados, se voltaram contra mim
E a vida-matéria em Canudos rolou por terra, foi o fim
Daqueles que só tinham trabalho e fé pra lutar
E eu me revoltei com os deuses e disse que eram coisas só
E eles e a república me disseram escalpelar
Feito os índios da América; a outra América distante
Salva sempre por Deus em desvarios norte-americanos.
E os deuses-coisas, vencidos, espernearam e fugiram
Tangidos pelo rugido da minha imaginação
Feridos de morte pelos raios da razão
Alvejando e aniquilando democratas e republicanos

Ajuntei meu espírito e alma que vagavam
E meu físico e minhas enervantes pernas
E minha força e toda a força dos sonhos
E saí em incorporado despertar
Acordei no chão do meu quarto, exausto,
Em meio às coisas que eu não ajuntei

Quis ajuntá-las e vi a viagem da morte
Na porta aberta do sonho da outra noite.
No espelho, Narciso se banhava e sorria
E Afrodite se despia aos meus olhos, arfante e sôfrega.

Olhei para as coisas, depois para mim
Fechei os olhos e me encolhi sob o cobertor
Quase morri sufocado de gozo e de calor
E não mais abri os olhos naquelas manhãs de outono
E lá se foram todas as coisas em enganos e desenganos
E a manhã desabrochou sonolenta e cismada, na poesia do jardim.


Roberval Silva

DIVINA OBRA - Roberval Silva


Ele pintava. Só pintava. Nada fazia sentido, exceto a pintura. Tudo perdera a forma, a razão de ser, de existir. O porquê, o pra quê. O de onde vem, para onde vai, nada importava. Tudo perdera tudo. Nesse momento, era o nada sendo tudo e o tudo, ao mesmo tempo, sendo nada. Era ele e a tela. Só ela existia e ele pintava.

Eu observava, deslumbrada, com que enlevo ele encarava aquela tela e também me encantava. Quanta magia naquelas mãos. Era contagiante, tanto que passei a examiná-lo com mais atenção e vi aquilo em formas e cores se transformando. Ainda não definia o que era, mas, tinha uma certeza. Ele pintava as minhas cores. Só as minhas cores existiam no seu toque mágico de pincel e desfilavam pelo universo sem fim da quadriculada e dimensional tela. Parece que tinham vida própria as minhas cores.

A cor dos meus olhos, dos meus cabelos, da minha pele. Das minhas unhas, dos meus dentes, dos meus pelos. A cor da minha vida, dos meus dias. A cor da minha poesia e da minha alma. Eram as minhas cores todas. O desenho ia tomando forma. O escuro, o branco, o sem cor cedendo espaço ao colorido; o humano ao divino; o sentimento dando lugar à arte.

Deliciei-me com a surpresa. Lá estava eu, emoldada e ornada naquela paisagem inanimada que, aos olhos da mente, vivia e dava vida àquele recanto tão só meu. Doce regato de água e folhas, tão real e verdadeiro como o horizonte dos olhos. Eu estava perfeita. Em carne e osso, em corpo e espírito, em branco e a cores, em alma e sentimento.

Pareceu-me, no entanto, que faltava algo. Olhei para ele e vi que exitava. Pintava, matizava, contornava, parece que procurando descobrir o que de fato estava ali ausente. E, de repente, tudo se torna claro a ele ao mesmo tempo em que a mim. Era isso! Era só o que faltava e lá estava ele completando a sua obra com maestria. A mão no pincel, os olhos na tela, o toque final, transcendendo o que não se pode transcender. A mão ao coração para pintar um coração. O coração. O meu, o nosso coração que eu já não sabia mais de quem era.

O trabalho estava perfeito, acabado, terminado. Era divino, uma verdadeira obra de arte. E era eu ali, deslumbrante naquela tela, intocável, majestosa. Tarefa concluída. Soltei um desabafado suspiro e, me vi sozinho. Eu estava sozinho. Eu era o pintor. Tinha me pintado na tela mais não era eu, era ela que ali estava envolvida e embebida em tantas tintas e cores. No primeiro momento, achei que estava doido, que tinha enlouquecido. Mas logo em seguida, num estalo, descobri que eu era ela e que ela era eu. Ou melhor, eu estava nela e ela estava em mim. Enquanto eu pintava, eu também era ela que se desprendia de mim e ali, do lado, certificava-se se tudo estava saindo perfeito. Se ela estava saindo perfeita. E assim, eu olhava para o pintor, que era eu, pintando ela, que estava em mim.

Não me peçam que explique essa loucura; penso não ser capaz, nem acredito que isso seria possível. Mas comigo acontece, aconteceu e tenho certeza, acontecerá. É que eu, sou eu só, entende, mas ela está em mim, impregnada no meu ser e na minha imaginação. Em minhas mãos, nos meus gestos, na minha mente e no meu coração.

E ela é tão real em meu pensamento que eu me dispo dela e a ponho do meu lado para passá-la à tela, enquanto ela me observa. E isso, de tal maneira, parece-me tão verdadeiro que às vezes ouço a sua voz e até conversamos.

Mas logo, tarefa concluída, me vejo sozinho e caio na real realidade. Ela me dá um breve adeus e volta para dentro de mim, passando novamente a alimentar meus sonhos, minha mente, meu sangue, meu coração, meu corpo inteiro. Eu todo, inspirando-me para a criação do próximo trabalho, quando a terei novamente do meu lado. Ela, fulgurante, se deliciando e irradiando felicidade e prazer por protagonizar esse meu devaneio tão real.

É a minha mais doce história de amor. Somos dois nessa narrativa de um só. Eu, o pintor.


Roberval Silva

UM LOUCO DA VIDA - Roberval Silva


Meu sonho está na estrada
Eu vivo um dia por dia
Eu rezo a Ave Maria
E sigo fazendo história
Sou de fracassos e glórias
Sou mesmo um louco da vida

Quero esta noite aquecida
Pelo véu do criador
Sopa de estrelas luzentes
Colchão de relva macia
Estou falando em poesia
Tenho um cavalo ligeiro
Asado, um cavalo alado
Que busca até pensamento
No peito do firmamento
No verde mar dos teus olhos

Tô na chuva e não me molho
Tenho sede de justiça
Estou um pouco cansado
Cadê o trem que não passa?
O santo que não me abraça?
Porque não começa a missa?

Meu sonho está na estrada
Eu vivo um dia por dia
Eu rezo a Ave Maria
E sigo fazendo história
Sou de fracassos e glórias
Sou mesmo um louco da vida.

Roberval Silva

NO ESTRADAR DA INFÂNCIA - Roberval Silva


Escrevi este meu sonho antes da noite acordar
Um sonho verde e vermelho mergulhado em sangue e tinta
Recordei a minha casa numa solidão retinta
A mocidade chegando pela porta do lembrar

E acordei quase sem eu, sem já ser eu, que desalento
Assim, misturando eu comigo, angustiado
Pus a mente lá distante a buscar os meus lembrados
Tanto fui longe que perdi meus pensamentos

Desalentado naveguei no meu sonho acarvonado
Onde deixei tanto riso e tanto sonho que nem sei
E nos dias já passados eu com medo cavuquei
O medo de perder o que nunca foi achado

Busquei o velho baú da mente dos meus guardados
Afugentei a poeira libertando a memória
E a caneta na mão e a mão e os olhos na história
Comecei a estradar a estrada do meu passado

No horizonte à distância do olhar, tudo ofuscado
Um verde desbotado vinha lá do fim do mar
E era tanta légua e água o meu sonho a matizar
Que os meus olhos, meu caminho fez-se todo enlagrimado

Retornando ao começo da origem visitada
Onde a saudosa saudade fez parar a consciência
Vi o terreiro e os laranjais no quintal da inocência
A rede embalançando uma paisagem aurorada

Disanuviando a nuvem que encobria minha lembrança
Disseminando o pensamento para além da serrania
Na nascente da tristeza eu vi brotar a alegria
E no verde ensangüentado descortinou a esperança

Rememorei tanta vida que eu vivi e nem lembrava
De minha mãe, seu riso terno e a máquina de costura
Noite adentro a costurar. De meu pai a formosura
A postura e a firmeza que minh’alma acalentava

E outros tantos dormidos no meu sonho perpassava
Na estrada o meu avô e o seu canto boiadeiro
O meu pai, a minha mãe e eu menino no terreiro
Perseguindo as borboletas, fazendo aquela algazarra


E meus irmãos na caminhada a caminho da ribeira
Saltitantes, só meninos nas meninices da vida
Vagueando com os vagalumes à luz da fonte garrida
Borboleteando ao vento uma ciranda alvissareira

O rio da minha infância que aguacento me abraçava
E me espraiava em sua praia de areia algodoada
E me cantava as cantigas com sua voz aveludada
Rumorejando e levando meu ser que desabrochava

Era uma tarde de chuva, o horizonte escurecia
E a enxurrada na rua, cautelosa, escorregava
E foi levando o meu tudo me deixando quase nada
E no espelho da memória desencantou a fantasia

Era ainda uma tarde nebulosa e atormentada
E o meu sonho, esfriado, noite adentro viajava
E a encontrar o inevitável todo o meu ser caminhava
E a ponte intransponível outra vez fechava a estrada

Ah! Se eu tivesse asas. Se as tivesse, eu voava
E no assombroso vazio do espaço eu reluzia
E todas as minhas noites eu clareava com dias
Para acordar o meu sonho em manhã ensolarada

Ficou desse tempo a dor de não poder nele voltar
Revive a alma a alegria cada recorte lembrado
As lágrimas caem do sonho p’ro real imaginado
E a rede embala o homem desse menino luar.


Roberval Silva

ONDA AZUL - Roberval Silva

O céu era azul como é azul todo céu.
De vez em quando branco, enfumaçado, plúmbeo, mas azul,
Porque céu tem cor de azul e não de chumbo.

Céu da boca é vermelho, rosa, pálido, esquálido,
Lânguido céu da boca da onça
Mas aí, é outra coisa e outro céu
E não o céu que se funde com o mar.

E sob o céu azul brincávamos
No azul do nosso amor,
Sobre as folhas e plumagens
Verdes, amarelas, róseas, vermelhas,
Expostos ao verde-vida da planície azulada.

A vida era escura, quase azul-marinho
Na casa onde morávamos
Mas, o amor
O nosso amor era azul
Azul resplandecente
De céu e de verde-mar
Jorrando natureza viva,
Viva no azul deste sol
Viva no azul dos teus olhos
Viva o azul da vida-viva
No azul do teu corpo e teu ser
Que o mundo é azul e de azul
Se fez o universo e nós.

De azul em azul, eu e você
No verde-azul deste mundo de amor.

Sonho azul, mar azul, tudo azul
Céu e terra, azul nos azuis
Das borboletas azuis de voar azul
Vôo azul do nosso sentimento.

Roberval Silva

PLENITUDE DOS TEMPOS - Roberval Silva


Chegada a plenitude dos tempos
Qual tempo pleno, qual nada
A plenitude desastrada
A vida jogada ao vento

Girando igual catavento
Na contramão da jornada
No contracenso, contra nada
Numa ação de desalento

Perdido em seu próprio eixo
Girando em dúvida, o mundo
Sofre um direto no queixo

Na mão do homem ferido
O mundo está combalido
De rocha, já virou seixo.


Roberval Silva

A LIVRE INTERNET X O PENSAMENTO LIVRE - Roberval Silva


Em um tempo bem recente a onda era os correios, as cartas, os velhos postais, meu Deus! Os telegramas até para comunicado de morte; a informação mais segura e codificada do telex e do rádio amador. O mundo evoluiu rápido e com ele, a tecnologia da informação. Evoluiu sobremaneira, situando-se na vanguarda de todos os processos.

Por caminhar mais depressa do que os outros sistemas, ficou sozinha em seu ambiente e perdeu o passo; perdeu o controle do seu próprio caminhar e se desvirtuou do seu objetivo e fundamento maior que era simplesmente e sempre passar adiante a realidade dos fatos e acontecimentos o mais depressa possível e o mais fielmente possível. A informação se desvirtuou por completo e atende hoje a outros tantos interesses que não só o de informar e se fazer conhecer. No quesito velocidade nada se questiona. Está muito rápido, até mais rápido do que todos os outros processos juntos.

A questão é a qualidade desta informação e os interesses que ela defende. A informação está ferida de morte e a internet é o ataúde, o caixão, o recipiente, o caldeirão "fervente" que acolhe e abriga tudo. É como a terra. Abriga o anjo tal qual abriga o demônio aos olhos crédulos e incrédulos, atenciosos e alienados, de boa fé e mal intencionados no teatro protagonizado e dirigido pela humanidade irracionalizada e desumanizada pela selvageria dos interesses materiais e do poder impostos por aqueles que por força da corrupção do ter, já estão, há muito tempo, desprovidos dos valores éticos e morais que ainda deveriam nortear as ações e decisões humanas.

O senso caiu no ridículo e é operado e levado a efeito no fundamento raivoso do instinto. A estratégia e planejamento das ações, na disseminação da informação, têm como objetivo único convencer; somente convencer sem se importar se há verdade; somente convencer mesmo sendo essa informação um castigo e um pecado para a sociedade.

Estamos vivenciando este momento de cruéis noticiários levianos e insanos que ferem de morte a nossa soberania conquistada a sangue e lágrimas e, a internet, é o palco maior dessa selvagem batalha. Tudo se fala e se escreve, mas nem tudo é passível de prova.

Tudo se produz e essa produção fétida e podre é repetidamente cambiada e recambiada para os olhares das pessoas no intuito de vencer pelo cansaço as mentes e corpos já surrados por esta louca e surreal realidade. Ferem a honra de pessoas, a moral de outras e tudo vale pelo desejo macabro do poder. Estraçalham sentimentos, extravasam emoções e brincam com a fé e crença das pessoas, usando e abusando até de preceitos religiosos ainda não resolvidos nas instituições e muito menos na cabeça do povo.

A informação agride, pela internet, o ambiente livre dos sonhos, onde tudo pode e é possível e permitido, sem se importar com o rastro de destruição que segue na calda dessa informação, capaz de dizimar e reduzir a cinzas e ao pó sonhos inteiros da humanidade.

Vigiemos! Vamos nos atentar mais para o descontrole da informação pela internet, nos embasando mais e aprofundando e fundamentando nosso estudo antes de comprar a ideia. Vamos ser o nosso principal crítico. Não se aliene. Filtre tudo e absorva só o que é importante. Não importante só para você, mas, principalmente, para a coletividade. Não ponha crença em tudo e não se deixe levar pela ideia dominante de que imagem é tudo e que propaganda é a alma do negócio.

À internet pode-se tudo dizer, mas vamos nos dizer só o que realmente nos seja importante. A nós e à sociedade; à nossa população, sem exclusões e ao Brasil como um todo. Vamos controlar o descontrole, respeitar e preservar os nossos valores, dizer não ao desrespeito e àqueles que estão nos desrespeitando. Vamos enfim nos importar com o que realmente importa e fim de papo!

Roberval Paulo

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

MATANDO LEÕES - Roberval Silva


Por caminhos iguais
Por destinos iguais
Os iguais se encaminham
Em sutis diferenças
Nos vãos da ciência
Diferenças se aninham.

E um se diz Deus
Mil outros ateus
Naufragam na dor
Transgridem a razão
Transpiram emoção
No ódio e no amor.

E fere um igual
Se torna imortal
Na guerra do ter
Afogam paixões
Matando leões
Jogos do poder.


Roberval Silva