terça-feira, 20 de março de 2018

MEMÓRIAS - Roberval Paulo


Eu hoje ainda me lembro
Da minha bela cidade
Minha doce mocidade
Dos dias que eu fui feliz
Trago em minha lembrança
Um gosto de primavera
No tempo que o tempo era
O tempo que eu sempre quis

Estava sempre a brincar
Corria pelos quintais
No gosto dos laranjais
Sentia o gosto da vida
As tardes todas de festa
Nas águas lá da ribeira
“Passarin” de atiradeira
Uma alegria perdida

Nesse tempo eu não sabia
O que era labutar
Se ia só a brincar
Todas as horas do dia
Nadava, como eu sorria
Sem responsabilidade
A fazenda era a cidade
Onde meu sonho “avoava”
Meu grito denunciava
A minha felicidade

Eram gritos de verdade
Mentira não existia
A natureza sorria
Não tinha ali nem maldade
Hoje só resta saudade
Daquele olhar inocente
O tempo ficou demente
O mundo mostrou sua dor
Feriu de morte o amor
No germinar da semente

Eu que nem imaginava
Existir um padecer
Só alegria e prazer
Meu viver anunciava
A mata virgem cantava
Respondia eu do terreiro
Nesse canto derradeiro
Eu me perdia feliz
Pra o mundo pedia biz
Que tempo manso e ordeiro!

Hoje esse tempo medonho
Saudade é só o que resta
Os dias cantavam festa
Hoje é só tribulação
Se foram sonhos de flores
A alma respira guerra
Na boca o gosto de terra
De sangue no coração

Hoje eu sou qual esteio
Que segura a cumieira
Peso de mil aroeiras
Nas costas de um só cristão
Não quero mais ser lembrança
Quero esse passado agora
Voltar no tempo, na história
Revisitar meu sertão.

Roberval Paulo

PASÁRGADA NÃO MAIS EXISTE - Roberval Paulo


PASÁRGADA NÃO MAIS EXISTE
                                               Ao poeta Manuel Bandeira (in memoriam)

Vou-me embora daqui                                                                   
Daqui pra um outro lugar
Aonde eu possa ter uns seis anos mais ou menos
E todos os meus problemas sejam sonhos de criança

Vou-me embora daqui
Eu sei que há um outro lugar
Aonde eu possa viver sem tudo me incomodar
Aonde eu possa existir existindo de verdade
E possa contar estrelas sem verrugas me nascer

Vou-me embora, vou-me embora, eu sei que já vou embora
Vou porque está em mim o desejo de partir
O lugar já não existe, aqui não existe nada
Não posso mais ser tão triste, preciso me encontrar

E quando a noite chegar
Quero um sonho que amanheça
E quando o dia acordar, eu já distante daqui
Aí vou querer voltar aos seis anos mais ou menos
Aí vou querer viver sem tudo me angustiar

E vou querer existir existindo de verdade
E vou poder encontrar-me no lugar de onde eu vim
E os meus sonhos de criança vou poder recomeçar
E não vou mais ser tão triste, vou até me alegrar

Pois não encontrei Pasárgada
Pasárgada não mais existe
Não vou nem mais querer ter vontade de me matar

À noite só quero amar
À noite só quero amar
À noite só quero amar sem medo de ser feliz
É que aprendi que a vida é a realidade que há
A realidade que é minha
A realidade que é nossa
A realidade da qual
Se vence no caminhar.

Roberval Paulo



PAZ AO RIO E PAZ AO POVO TAMBÉM - Roberval Paulo

A pomba branca da paz alçou o seu vôo e sobrevoou toda a baía de guanabara, na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro e, nos morros da insônia e do desassossego, foi atingida e ferida de morte por balas perdidas e destinadas especificamente para inibir a paz, e esta, chorando a insensatez da humanidade desordenada e sem direção, deixou-se abater e caiu por terra em sono profundo para não mais levantar-se.


Foi-se embora a paz, tragada e morta pela ambição e egoísmo dos seres humanos. Pela maldade e insanidade dos modelos econômicos vomitados pelas estruturas do poder que, podres e corruptas, segregam e excluem a grande maioria dos seus iguais. 

E assim, o caos se instalou e a bandeira negra da dor e do terror espalhou sua legião de seres ante-socializados pela hipocrisia viva e cruel dos homens, pelos becos e labirintos e vãos dos morros e favelas à caça do sangue que de suas entranhas foi retirado à custa de ações massacrantes e perversas contra as massas, arquitetadas pela minoria privilegiada e inescrupulosa e, o conglomerado da miséria humana encheu, encheu que explodiu, fazendo jorrar dos morros para o asfalto a desesperança, o descaso, o medo da existência e a dor aguda da impotência, desencadeando o confronto geral dos que nada tem aos que tudo ganham.

A guerra foi inevitável e o sangue de culpados e inocentes se igualaram na dor das famílias destruídas e a batalha sangrenta teve início quando a descrença venceu o amor e, no rito do cada um por si, na junção da conveniência, venceu o desentendimento total pela selvagem e necessária sobrevivência.

O caminho inverso está sendo feito. Tudo que vai um dia volta, transformado e transfigurado. O que foi levado e semeado pelo desamor da sociedade para com ela mesma retorna agora em ódio e ação contrária à sua própria dor que sangra com o sabor do sangue imprevisível e inevitável.

Não há mais outro caminho. Não tem mais outro jeito que não o enfrentamento dos poderes.
O poder oficial, instituído, legítimo, legalizado menos que irracional e guiado pelos interesses dos seus mandatários e o poder paralelo, também instituído e legitimado pela lei da sobrevivência, alimentado pelas feridas enraízadas n'alma, causadas pelas ações ineficazes e cínicas do poder oficial; ilegal, mas não menos poder enquanto poder de interesses.

Que vença a paz, se isso for possível e que cause o mínimo necessário de dor. 
A dor impossível e revolta que ataca nosso peito a cada novo menino garoto tragado pelo crime. 
A cada nova menina moça pintada pelas cores intrigantes e revoltantes da ascendente e desfigurada prostituição.
A cada pai de família com o peito trespassado pela faca da realidade da vida do filho morto.
A cada mãe com alma e coração sangrando pelos filhos fulminados, alimentados e decaídos pelo indestrutível e periculoso tráfico.
A cada novo ser esperançoso dessa tão desesperançada sociedade, descrente e desencaminhada bem como sedenta e perseguidora voraz da paz tão sonhada e almejada.

Que vença a paz se isso for possível.
Que vença a paz se isso for possível.
Que vença a paz! Que vença a paz!

Enfim, que vença e reine a paz, consumindo, amenizando, suavizando e cicatrizando todas as dores que somos enquanto sociedade em "desevolução", retrocedendo, à procura do seu início. 

Roberval Paulo

OS SENHORES DO DIREITO E SEU DIREITO DESENDIREITADO - Robervval Paulo


Os senhores do Direito, que, direito, tudo tencionavam fazer, viram-se, dentro do Direito, direitamente endireitados a não realizar nada que fosse do Direito, e, sim, tudo o que fosse do direito que não é direito.

Assim então, endireitou-se, no Direito, o direito desendireitado, e, o que era direito, no Direito, passou a não ser direito e sim, direito que não mais se endireita.

Portanto, já não é mais direito tudo o que um dia foi Direito, porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto, tudo o que foi direito, dentro do direito, ainda o é, como também, tudo o que não é direito, sendo ou não de direito ou do direito.

Resumindo e virgulando, para clarear, e, tentando melhor explicar, tudo é direito, no direito, inclusive, o que não é de direito ou do direito, desde que ao Direito interesse.

Partindo desta premissa, tudo é direito ao Direito, desde que possa ser visualizado e analisado à luz do Direito, que é a luz direita que margeia o nosso direito torto e que não o é, de fato, o direito do direito e dê direito, e, sim, o direito do nosso interesse no direito.

Roberval Paulo

IDENTIDADE - Roberval Paulo


Sou sozinho
Sim, me sou sozinho neste mundo
Pois não nasci atrelado e nem grudado a ninguém
Saí sim, de minha Mãe, e ela, com toda honra e glória
Pela eternidade da história
É a única pessoa que me tem

Não sou sozinho por gosto nem tão pouco por desgosto
Sou sozinho por ser sozinho e é assim que me sinto bem
Mais sempre preciso de um
E outra vez é dum outro
E a outra vez do outro e do um
E que, simultaneamente, precisam de mim também
Mas neste mundo de meu Deus o que mesmo me alegra
E me conforta e me assossega
São os olhos do meu alguém

Olhos de quem nem conheço
E nem mesmo sei se existe
Neste tempo que é presente
Mais que é amiga do vento
E vive assustadoramente em meu pensamento
Uma imagem reluzente, transparente, incandescente
Rastro de estrela cadente
No rosto do firmamento

Não me entrego a sorrisos
Não sou fácil de entender
Não sei nem o que querer, nem mesmo como querer
E se me queres pretender
Chegue sem me dar aviso
Chegue sim, com um sorriso, um verdadeiro sorriso
Que eu deixo o meu juízo
Pra teu juízo querer

Mais se queres mesmo saber quem sou positivamente
E pela vontade instigante de um momento
Puder em teu pensar repensar meu pensamento
E quiseres não mais me conhecer tão sozinho
Seja em ti um ser de amor e de carinho
Chegue até mim olhos nos olhos, frente a frente
E me dê a sua mão mansa e fraternalmente
E me diga com verdade, muito prazer meu amigo
Que eu seguirei na caminhada lado a lado contigo
E brando e serenamente lhe chamarei também amigo
E transfigurando os sonhos nessa mais terna amizade
Redirecionando a vida no caminhar da verdade
Lá vamos nós, não mais a sós, sorrindo, a cultivar gentes.

Roberval Paulo

A LIVRE INTERNET X O PENSAMENTO LIVRE - Roberval Paulo


Em um tempo bem recente a onda era os correios, as cartas, os velhos postais, meu Deus! Os telegramas até para comunicado de morte; a informação mais segura e codificada do telex e do rádio amador. O mundo evoluiu rápido e com ele, a tecnologia da informação. Evoluiu situando-se na vanguarda de todos os processos.

Por caminhar mais depressa que os outros sistemas, ficou sozinha em seu ambiente e perdeu o passo; perdeu o controle do seu próprio caminhar e se desvirtuou do seu objetivo e fundamento maior que era simplesmente e sempre passar adiante a realidade dos fatos e acontecimentos o mais depressa possível e o mais fielmente possível. A informação se desvirtuou por completo e atende hoje a outros tantos interesses que não só o de informar e se fazer conhecer. No quesito velocidade nada se questiona. Está muito rápido, até mais que os “carros de fórmula 1”.

A questão é a qualidade desta informação e os interesses que ela defende. A informação está ferida de morte e a internet é o ataúde, o caixão, o recipiente, o caldeirão "fervente" que acolhe e abriga tudo. É como a terra. Abriga o anjo tal qual abriga o demônio aos olhos crédulos e incrédulos, atenciosos e alienados, de boa fé e mal intencionados, no teatro protagonizado e dirigido pela humanidade irracionalizada e desumanizada pela selvageria dos interesses materiais e do poder impostos por aqueles que por força da corrupção do ter, já estão, a muito tempo, desprovidos dos valores éticos e morais que ainda deveriam nortear as ações e decisões humanas.

O senso caiu no ridículo e é operado e levado a efeito no fundamento raivoso do instinto. A estratégia e planejamento das ações na disseminação da informação tem como objetivo único convencer; somente convencer sem se importar se há verdade; somente convencer mesmo sendo essa informação um castigo e um pecado para a sociedade.

Estamos vivenciando este momento de cruéis noticiários levianos e insanos que ferem de morte a nossa soberania conquistada a sangue e lágrimas e, a internet, é o palco maior dessa selvagem batalha. Tudo se fala e se escreve mas nem tudo é passível de prova.

Tudo se produz e essa produção fétida e podre é repetidamente cambiada e recambiada para os olhares das pessoas no intuito de vencer pelo cansaço as mentes e corpos já surrados por esta louca e surreal realidade. Ferem a honra de pessoas, a moral de outras e tudo vale pelo desejo macabro do poder. Estraçalham sentimentos, extravasam emoções e brincam com a fé e crença das pessoas, usando e abusando até de preceitos religiosos ainda não resolvidos nas instituições e muito menos na cabeça do povo.

A informação agride, pela internet, o ambiente livre dos sonhos, onde tudo pode, é possível e permitido, sem se importar com o rastro de destruição que segue na calda dessa informação, capaz de dizimar e reduzir a cinzas e ao pó sonhos inteiros da humanidade.

Vigiemos! Vamos nos atentar mais para o descontrole da informação pela internet, nos embasando mais e aprofundando e fundamentando nosso estudo antes de comprar a ideia. Vamos ser o nosso principal crítico. Não se aliene. Filtre tudo e absorva só o que é importante. Não importante só para você, mas, principalmente, para a coletividade. Não ponha crença em tudo e não se deixe levar pela ideia dominante de que imagem é tudo e que propaganda é a alma do negócio.

À internet pode-se tudo dizer, mas vamos nos dizer só o que realmente nos seja importante.  À nós e à sociedade, à nossa população, sem exclusões e ao Brasil como um todo. Vamos controlar o descontrole, respeitar e preservar os nossos valores, dizer não ao desrespeito e àqueles que estão nos desrespeitando. Vamos enfim nos importar com o que realmente importa e fim de papo!

Roberval Paulo



terça-feira, 19 de setembro de 2017

PAISAGEM DO MEDO - Roberval Paulo

PAISAGEM DO MEDO
Esta é minha realidade
É assim que preciso ver
Assim que preciso agir
Assim tenho que viver

Não posso fugir do medo
O meu medo é um outro ser
Um ser que está em mim
Um ser que não vou vencer

Não posso fugir do medo
O meu medo é minha sina
Sina do medo, um enredo
Que o medo a mim se destina

Vencer o medo seria
O mesmo que vencer a mim
Vencendo o medo, me venço
Serei vencido de mim

Então ao invés de vencer
Preciso o medo enfrentar
Saber c’ ele conviver
Junto a ele caminhar

Conhecer a tênue linha
Entre o medo e a coragem
Um começa, outro termina

E equilibra a paisagem.

Roberval Paulo

terça-feira, 22 de agosto de 2017

TEMPO - Roberval Paulo

O tempo da vida é curto pra se fazer o que se quer fazer
Aquela música que eu queria aprender
Aquele livro que eu queria ler
Aquele filme que eu queria ver
Vão passando por mim no meu tempo que não me dá tempo
Nesse tempo que não me dá tempo de viver.

O tempo da vida é tão curto que não me dá tempo
Que não me dá tempo de fazer um sonho se realizar
Porque você começa, começa, começa...
E antes do fim, já é tempo de parar
Parar e recomeçar a viagem
Que é o começo do fim que de novo se vai a começar.

O tempo da vida é curto para ver o sol se pôr
Ele nasce e sobe, sobe e se descamba a descer
E você vai subindo
E quando alarga o caminho
Já é hora de entardecer, de adormecer
A hora de ficar verde antes de amadurecer.

O tempo da vida é curto para ver o dia passar
Você trabalha, trabalha,
E quando a vida embala
E a moça se põe na sala à espera do seu querer
O pai assim recomenda; a lua já deitou renda
De manhã cedo, a venda. Tú tens que amanhecer.

O tempo da vida é curto pra se fazer o que se quer fazer
O sonho que eu sonhei. A vida que eu planejei
A estrada que não se chega ao fim
Ficou tudo preso no tempo
No tempo que se foi com o vento
Um tempo que não ficou em mim.


Roberval Paulo

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

ANJOS QUE CHORAM - Roberval Paulo

A dor do estupro invadiu o seio de Platão
E a maldade dos homens se espalhou pela
humanidade sem nome.

E matou sonhos, feriu corações,
aniquilou vidas
e tingiu de um róseo negro
o azul de céu e mar.

A menina ganhou pirulitos de maçã
e subiu saltitante as escadarias do céu.

E o desejo e ainda o prazer
foram sepultados na estupidez
do homem sem cor. Um túnel sem luz!

Mais a alma, na sua pureza de menina
subiu ao céu
No seu sorriso, o pirulito de maçã
e a doce e terna alegria que só no céu se revela.

O cheiro de flor inebriou todo o céu
E as lágrimas dos anjos formaram
as torrenciais chuvas de outono.

Roberval Paulo

VIAJANTE DO TEMPO - Roberval Paulo

Controlar o tempo
Queria que este não passasse
Devia este momento durar mais que um dia
Mas não estou preso a ele pois o mesmo não me pertence
Só as coisas que nos pertencem nos prendem
Pelo menos é assim que deveria ser.

Controlar o tempo
Podia este parar pra esperar minha
vida que não consegue acompanhá-lo
Se ele parasse eu o alcançaria
e descansaríamos um pouco, sentados numa pedra, levando
intuitiva conversa
para depois, descansados e realimentados
de brisa e de paz, prosseguirmos a viagem que muito dura.

Mas esse tempo não me houve
Controlar o tempo e só seguir pela minha vontade
que controlaria e guiaria os meus passos
e não pela vontade de outrem.
O Céu que me espera não sei se existe e, se
fantasias são verdades,
nem sei como acreditar em mim.

Controlar o tempo
Controlar o tempo que me fechou a porta
e nem adeus me disse, nem se despediu. Se tivesse
o dom e o poder de governar o tempo
um dia sequer
fecharia esta porta e guardaria
a chave em lugar que só eu soubesse, abrindo-a
só quando o dia, por sua vontade, decidisse se encher da manhã
que teria entrada franca em minha vida, com a permissão deste
mesmo dia.

Ah! Controle do tempo!
Porque não vens aqui ensinar-me como
se faz com esse tempo que só sabe andar.
Que caminha, caminha, caminha sem saber
pra onde, sem saber por onde, sem
haver direção no seu caminhar.

Escuta-me senhor do tempo
Só você e unicamente você poderá me ajudar
Mostre-me o caminho que leva ao sol e
ensine-me o segredo de não me queimar.
Leve-me pela estrada do norte, na rota do sul e do bem caminhar.
Que eu cruze rios sem me afogar.
Que atravesse montanhas sem de lá despencar.
E que, ao cair, que eu me levante e encontre
forças para continuar.
E que todas as barreiras e os obstáculos e as
curvas da estrada com suas ladeiras eu consiga vencer
pela persistência do muito esforçar.

E, senhor do tempo
Eu não posso parar
Eu não posso parar pois eu sei que ainda tenho
muitas flores para colher, muitos sonhos para perder, tanta
conta para contar.
Tenho a história inacabada, quanto espinho espalhado, os
que já foram pisados e outros mais
que aguardam por meus pés que nem meus são.

Senhor do tempo me diga
Se é eterno o caminhar?
Se encharcando a camisa, suando-se de baixo em cima,
correndo mais que a notícia, quase qual bala que mata, mais
que um golpe de faca lambendo
o vácuo do medo, pode-se uma dia dizer,
vou parar pra descansar?


Controlar o tempo
Ah! Quem me dera eu soubesse desvendar este segredo
Quisera eu não ter medo de sorrir, de ser feliz
E na passagem da vida amar mesmo, sem medida, compartilhar
os meus sonhos com quem quisesse sonhar, semear por onde eu fosse,
muito amor, muito sorriso, muita paz que eu preciso
tornar o mundo melhor. Deveras, levar alegria
a todas as gentes e a mim, a todos nós e a ti
que me lê e nem me conhece, mas, que como eu, padece
do não entender a existência, a razão do ser, das crenças,
as dores e os sacrifícios que a mestra vida nos cobra
sem explicação alguma, mas no tempo e na estrada
vamos nós a cavalgar.

A caminhar, a sonhar,
nos labirintos da sorte
construindo e conquistando, montando um cavalo alado
Eu e você, lado a lado
Destino fraco e do forte
Procurando a própria morte
Por onde o vento levar.

Roberval Paulo

A RAÍZ DO IRREAL - Roberval Paulo

Na sombra do som que se instalou em meus olhos
Na luz da manhã que anunciou o crepúsculo
Na fonte cansada que transportava a vida
Surgiu sua dor
As folhas se agitaram ao tocar os teus pés
O sabiá emudeceu ao sentir o teu canto
A lua se esquivou à tua presença.
E eu,
Corri em desespero pelos dias
À procura do teu encontro
Que perdi na noite passada

Na explosão bombástica que dizimou o mundo vida
Na fome que se instalou no seio morto da vida
Nas lágrimas verdes da mata em sua mortal cantiga
Me veio sua dor
As águas pararam para lhe dar passagem
O sol escureceu aos seus raios divinais
O tempo abriu as portas para que fosses ao vento.
E eu,
Parti extasiado pelo abraço de Vênus
A encontrar o teu amor
Naufragado nos braços do mar desprezo.

Na ilusão clarividente do dia que não anoiteceu
Na fantasia interminável da noite que não amanheceu
No acordar morto do sonho que não adormeceu
Chorei sua dor
O sol se fez permanente à tua chegada
A lua se mostrou clara à tua presença alada
O céu em constelação ornou o teu existir.
E eu,
Despertando em pensamento mórbido na estrada
Abracei o teu amor nesta fria madrugada
E a manhã abriu seus raios em vida plena e abundante

A Abundância da vida no amor plenificada.

Roberval Paulo

O QUERER-TE! - Roberval Paulo

Gosto de querer-te
                           em mim
Gosto de ver-te
                           assim
Completamente solta
Alheia a tudo

Ao vento
         Que lhe lambe os seios
Ao sol
         Que lhe doira a pela
À lua, que te invade
                           e te cultua

À mim,
         que de tanto ver-te
Mais de amor te quero.

Roberval Paulo

NO ESTRADAR DA INFÂNCIA - Roberval Paulo

Escrevi este meu sonho antes da noite acordar
Um sonho verde e vermelho mergulhado em sangue e tinta
Recordei a minha casa numa solidão retinta
A mocidade chegando pela porta do lembrar

E acordei quase sem eu, sem já ser eu, que desalento
Assim, misturando eu comigo, angustiado
Pus a mente lá distante a buscar os meus lembrados
Tanto fui longe que perdi meus pensamentos

Desalentado naveguei no meu sonho acarvonado
Onde deixei tanto riso e tanto sonho que nem sei
E nos dias já passados eu com medo cavuquei
O medo de perder o que nunca foi achado

Busquei o velho baú da mente dos meus guardados
Afugentei a poeira libertando a memória
E a caneta na mão e a mão e os olhos na história
Comecei a estradar a estrada do meu passado

No horizonte à distância do olhar, tudo ofuscado
Um verde desbotado se via lá no fim do mar
E era tanta légua e água o meu sonho a matizar
Que os meus olhos, meu caminho fez-se todo enluarado

Retornando ao começo da origem originada
Onde a saudosa saudade fez parar a consciência
Vi o terreiro e os laranjais no quintal da inocência
A rede embalançando uma paisagem aurorada

Disanuviando a nuvem que encobria minha lembrança
Disseminando o pensamento para além da serrania
Na nascente da tristeza eu vi brotar a alegria
E no verde ensangüentado descortinou a esperança

Rememorei tanta vida que eu vivi e nem lembrava
De minha mãe, seu riso terno e a máquina de costura
Noite adentro a costurar. De meu pai a formosura
A postura e a firmeza que minh’alma acalentava

E já outros dormidos no meu sonho perpassava
Na estrada o meu avô e o seu canto boiadeiro
O meu pai, a minha mãe e eu menino no terreiro
Perseguindo as borboletas, fazendo aquela algazarra

E os meus irmãos na caminhada a caminho da ribeira
Saltitantes, só meninos nas meninices da vida
Vagueando com os vagalumes à luz da fonte garrida
Borboleteando ao vento uma ciranda alvissareira

O rio da minha infância que aguacento me abraçava
E me espraiava em sua praia de areia algodoada
E me cantava as cantigas com sua voz aveludada
Rumorejando e levando meu ser que desabrochava

Era uma tarde de chuva, o horizonte escurecia
E a enxurrada na rua, cautelosa escorregava
E foi levando o meu tudo e fiquei só com o meu nada
E no espelho da memória desencantou a fantasia

Era ainda uma tarde nebulosa e atormentada
E o meu sonho, esfriado, noite adentro viajava
E a encontrar o inevitável todo o meu ser caminhava
E aquela ponte intransponível outra vez fechava a estrada

Ah! Se eu tivesse asas. Se as tivesse, eu voava
E no assombroso vazio do espaço eu reluzia
E todas as minhas noites eu clareava com dias
Para acordar o meu sonho em manhã ensolarada

Ficou desse tempo a dor de não poder nele voltar
Revive a alma a alegria cada recorte lembrado
As lágrimas caem do sonho p’ro real imaginado
E a rede embala o homem desse menino luar.

Roberval Paulo