segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

ALMA-TERRA - Roberval Silva


A carne da terra
É a terra
E a ela se vai
Toda carne
Carne-terra

O sangue da terra
É a terra
E a ela se vai
Todo sangue
Sangue-terra

A alma da terra
É a vida
E a ela se vai
Toda vida-matéria

E a alma sobe,
de terra
Para alimentá-la do espaço

Alma-terra
Vida que não morre
Luz que nunca se apaga.


Roberval Silva

A VOLTA - Roberval Silva


                  Ao mestre Mário Quintana



Avistei ainda de longe
                  as primeiras casas
Os campos conhecidos
         chegavam-me aos olhos
Um pouco diferentes
Mas com a mesma familiaridade

Entrei na Avenida Principal
As casas pareciam cumprimentar-me
Muros sorriam
Estavam com saudades
Paredes novas e retocadas
Portas e janelas
                  de caras novas

Pisei o chão da minha rua
Eles me saudaram
Um olhar asfáltico

Entrei na casa da minha
                                     infância
Acordando minhas lembranças
                                     todas verdes
Elas receberam-me, em festa
                                     e maduras
E com um sorriso amarelo
Reclamaram tamanha ausência

Sorri de lágrimas nos olhos
Chorei de sorriso nos lábios.

Roberval Silva

domingo, 27 de janeiro de 2019

CAMINHAR DE NUVEM - Roberval Silva


Não sei em que dia me encontro ou em qual noite descanso.
Tudo é como as águas de um rio que descem caudalosas e cautelosas e nada as detém.

Sou feito o sol escondendo-se da chuva e só voltando quando esta já partiu.
Fugir da vida não posso.
O chão que me espreita é paciente pois tem em si a certeza que me terá um dia.

Não fujo do encontro, só retardo o que certo é.
Ela vejo em sonho e seus cabelos e olhar me dizem amar.
Fecho os olhos e sua visão faz-se mais nítida.
Estamos do lado oposto da hora.
Não sei em qual órbita ficou guardado o nosso encontro.

Espero pacientemente e caminho na direção contrária do medo, pois tenho em mim a certeza que o nosso dia chegará.

Roberval Paulo

DA GERAL - Roberval Silva


DA GERAL, observo a vida passar por mim na direção do desconhecido e me posiciono como se fosse um imã para que a vida possa em mim grudar e não mais fugir.

E assim, encho-me e recheio-me de vida, seguindo com ela a estrada da luz à procura da morte que, viva, me pede perdão e se esgueirando feito cachorro vadio, grita por socorro ao se entender morta.

Eu, vivo, observo tudo em silêncio e não posso disfarçar uma lágrima clara e fria que escorre pela minha face ao compreender que o grande segredo da existência é o que inexiste e a porta de saída para a próxima vida é o encontro com ela: a mãe que a todos acolhe e a ninguém rejeita.

Meus pensamentos caminham desordenados e inquietos pelos labirintos do medo e transportam meu ser à legião de um sonhar desesperado, sabendo esse desespero ser a esperança em sua mais perfeita tradução, pois que a vida ainda está por aqui e, DA GERAL, ainda observo a passar por mim o cortejo fúnebre que ora vivia e que segue ao destino do fim que é, e será, nada mais, nada menos, o começo de tudo.


Roberval Silva

O QUERER-TE - Roberval Silva


Gosto de querer-te
                           em mim
Gosto de ver-te
                           assim
Completamente solta
Alheia a tudo

Ao vento
         Que lhe lambe os seios
Ao sol
         Que lhe doira a pele
À lua, que te invade
                           e te cultua

À mim,
         que de tanto ver-te
Mais de amor te quero.

Roberval Silva

NO TERCEIRO TEMPO! - Roberval Silva


Já pressinto, sei que está chegando a hora
Ninguém se entende, este mundo é só baderna
É muita guerra, uma fome arrasadora
O descaso versus a cidadania
                                                                      
A miséria já é um mal necessário
E o povo sem saída só espera
Que venha o corte desse mar de privilégios
Que favorece uma influente minoria

E que do mar, pelo vento, venha a ventura
Em ondas de paixão, espelho da vingança
E sobrepujando a terra, desfaça a abastança
Diluviando a luz neste sol de amargura

Que no rumor das torrentes, se igualem as diferenças
Sem distinção de cor, de raça ou de patente
Operário, sem salário, general ou presidente
O mesmo peso e medida ante o credo e sua crença

A aroeira dobrará qual ramo de trepadeira
O leão, símbolo da força, perde o poder tal qual Nero
Todos os olhos a chorar sem desvendar o mistério
A força bélica do mundo, mais um brinquedo de feira

O sol se pondo não mais nascerá
Não haverá mais lua, nem noite, nem dia
No tempo não mais terá o tempo da cronologia
As horas não passarão e o vento não mais soprará.

Roberval Silva

SABEDORIA - Roberval Silva


As pessoas boas recordo meu avô
Uma lembrança perdida
Que não a alcança os olhos
É a memória que viaja
Pelo passado dos meus verdes dias
O presente tão sem cor
Que quase só de memórias sou feito
E o passado não roda moinho
Mais roda o tempo ao revés
Trazendo-me pelo tempo
A criança que um dia fui
E o meu avô, seu braço forte
Seu olhar severo, seu coração mole
Seu jeito de encantar
Ele era tão criança
E me disse no meu tempo de menino
Vai pela vida meu filho
Que esse mundo é todo seu
Plante o amor
                   e colherá a paz
Plante a certeza
                   e colherá a realização
Plante a vida
                   e colherá a vida eterna
E sede como a água meu filho
Corra sem parar
Corra mesmo sem ter onde chegar
Corra mesmo sem saber onde vai dar
O que importa se o fim da corrida é a terra... ou o mar?
O importante é semear
A essência da vida por onde passar

Que a vida lhe seja em excesso
E que o mar “mundo” esteja feliz
com a sua chegada.

Roberval Silva

PRUDÊNCIA! - Roberval Silva


Vamos ao evidente
não passemos dele
Situe-se no ponto de partida
e se posicione
Abertamente, na diplomacia
sábia filosofia
Incerteza? Não aconteça
PARE! Precaução
O sim é o encontro
Aí, SIM!
O sol a clarear
a dúvida se esvaindo
Prudência do eterno caminhar.

Roberval Silva

PRODUÇÃO - Roberval Silva


Todo sol tem seu perfume
Toda flor o seu espinho
Todo dia a mesma noite
Todo amor tem seu carinho

Todo poder seu comando
Todo fogo a sua chama
Todo recuo um avanço
Todo sonho a sua cama

Todo prazer sua dor
Todo homem a sua cruz
Toda moça o seu amado
Toda mãe o seu Jesus

Toda tristeza o seu pranto
Toda alegria o seu canto
Todo senhor seu orgulho
Toda senhora o seu manto

Toda noite o seu mistério
Todo céu a sua renda
Todo enfermo o seu remédio
Toda compra a sua venda

Toda ida a sua volta
Todo caminho o seu rumo
Toda subida a descida
A produção, seu insumo.

Roberval Silva

PROCURA - Roberval Silva



Revirei meus livros e o meu guarda-roupa
tirei a poesia da vida e guardei-a
no chão do meu sonho.

Levantei o tapete
e lá se foram todos os meus guardados
levados vento afora.

Fechou-se a janela da memória
e os meus verdes engavetados
                                       amadureceram
no futuro do esquecimento.

Roberval Silva

PERSISTÊNCIA - Roberval Silva


A água desceu e o rochedo a cercou

Ela cavou... cavou... cavou... e passou

E não desistindo, venceu!

Tornou-se rio

E tornou-se mar.

O homem entendeu e deixou-a ir

E ela se foi

Senhora da vida.

Roberval Silva

VOAR - Roberval Silva


A leveza de um pássaro

             é o instrumento principal do seu vôo.

       Vôo alto e seguro

             a conquistar o espaço

                    infinito e desconhecido.

Roberval Silva

O SENTIDO MAIOR DAS COISAS - Roberval Silva


Marcenaria rima com maçonaria, mas nada tem a ver a rima com o sentido
São tão distintos como o são, ferro e berro
Mas se tu ferras, o bode berra
E se tu desces o ferro, o cabra solta o berro
Mas tudo depende somente da vontade de quem fez céus e terra.

O Marceneiro trabalha a madeira de lei, a madeira sem lei, depende do custo, do poder aquisitivo e do público que tem.
E esse poder tem o Maçom, eu sei
Que rima com garçom e é tão nobre quanto um Rei.
Mais pode também não ter, e daí? Ele tem uma lei
Qual? Eu não sei. É um mistério, um segredo
Tem até bode pelo meio; pacto, aliança, de sangue, de fé
Folclore? Talvez. Mais algo existe de misterioso no ser Maçom ou Marceneiro
Um, arte e ciência. O outro, ciência e arte.
Igualdade indiferente das diferenças iguais, pois, igual ou diferente, o que vale é existir.

O bode eu sei que berra, o marceneiro ferra
Mas quem ferra é ferreiro, esse merece um aparte; nem estava na história e já entrou ferrando Marceneiro e Maçom, e bode, mais não gente, que com gente é diferente, já dizia o cantador.
É diferente, acredito, mais são também, com certeza
Farinha do mesmo saco, a origem é uma só.

Bode, gente e marceneiro; Maçom, ferreiro e cantador
Uma confusão dos diabos que rima até com quiabo
Mais só um é alimento, o outro é padecimento, raiz do mal, eterna dor
E veio do criador, mais não cumpriu seus preceitos
Por isso, cuidado a eito, não queira ser o melhor

O Criador é um só e só, rima com amor
Tem tudo a ver o sentido com a rima e com o ser
É verdadeiro dizer, sede igual, não importa o ofício, o credo, a raça ou a cor
O sexo ou a natureza, animal ou vegetal, mineral, seja quem for
Sede igual nosso Senhor que mesmo sendo o menor, nunca deixou de ser grande
O único DEUS e maior é também pobre de Jó
E simples como uma flor a obra do Criador
A raiz da existência rima com inexistência
O espírito é a essência e tudo o mais matéria e pó.

E que DEUS perdoe os nossos pecados e nos conduza à vida eterna.
Amém!


Roberval Silva

NOTA MENOR - Roberval Silva


Caminhar
Sentir o vento no rosto
Bater de frente com a vida
Cair em sono profundo

Atropelar obstáculos
Passar por cima do sol
Dar duro desde a manhã
Viver conforme o seu ritmo

Ir longe no rol do tempo
O perto é tão sozinho
O porto não é seguro
A luz dos olhos não vê

Só vê o que está escrito
Convencionado no tempo
A luz das trevas não brilha
O fim do túnel é o fim

Começo de nova era
No despertar da razão
Desconhecida dos deuses
Desconhecida da vida
No fundamento da alma
Tocada em nota menor.

Roberval Silva

MÁGICO - Roberval Silva


Peguei meu amor com as mãos
E toquei, acariciei e beijei
E a senti toda minha
E a tive toda minha

Mas o momento passou
O momento mágico do amor

E lá se vão nuvens densas
Deixando presente a ausência

E viva, a saudade
De uma verdade mentida
Que voou com o pensamento
Me entregando ao sentimento
De minha vida sofrida.

Roberval Silva

O MENINO DO ESPELHO - Roberval Silva


O menino do espelho
O que vê? A sua imagem
Pra ele, desconhecida
Faz de cá uma careta
O menino, se assustando
Neste gesto simultâneo
É ele mesmo, o autor
Sem saber, inconsciente
Criador do personagem
Que muito nele se espelha
Mas que não chega a ser ele
É sua imagem, no espelho.

Ele agora dá risada
Passado o susto, o medo
Se acha até bonitinho
Não ele, o ser do espelho
Que lhe olha admirado
Leva o corpo pra esquerda
Outro gesto copiado
Êita! Risada gostosa

Um tapa, acerta o vidro
Mas que desapontamento
Sou em mim, só uma imagem
Um menino a contemplar
Outro menino que vejo
Mas não lhe posso tocar
Que bom fazer-lhe um carinho
O espelho não quer deixar
Uma cabeçada no vidro
Nossa, começo a sangrar
Ele também está sangrando
Bocas no mundo, buááá!
Ele por mim, eu por ele
Minha mãe vem consolar
Ele também tem uma mãe
Com a minha se parece
Olhe lá, já está sorrindo
Que malandro o safadinho

Vejam só, já está sumindo
Vai levando a minha mãe
Não, que a minha está aqui
Que bom que nós temos mães
Elas até se parecem
Ou melhor, são mesmo é iguais
Toda mãe é uma só
Toda mãe é a mesma mãe

Agora eu vou é dormir
Que colo bom é o de mãe
Amor-verdade é o de mãe
O espelho é que não tem mãe
Coitado, é tão sozinho
Mas tem aquele menino
O menino e a sua mãe
Que agora estão dormindo
Toda criança do mundo
No colo de minha mãe
No colo das nossas mães
Dormindo o sono dos anjos
No colo-berço do amor
Visto através do espelho
Que agora sorri, tão só.


Roberval Silva

LUZ DO INDECIFRÁVEL - Roberval Silva


Paredes de vento e concreto
Dor e prazer, agonia
Vida e morte, todo dia
Amor, paixão e desejo
A natureza do beijo
Autofágica sinergia
Florescer da anatomia
Carnes, e partes e formas
Momento, tempo presente
Cimento, sólido tear
Chão, vulcão e passamento
Rebentos, ondas geladas
Sensações desenfreadas
Química, corações e velas
Degelo, solar-lunar
Átomos das cores mais belas
O metafísico eclipse
Na geografia dos corpos
Mistério, chaves, segredos
Passíveis de desenredo
Sangue, nervos e magia
Explosão, disritmia
Possível punhal do tempo
Abismo de nostalgia
Bocas úmidas, gritos roucos
Labirinto de vontades
Revelando o inconsciente
Na luz do indecifrável.

Roberval Silva

IDENTIDADE FILOSÓFICA - Roberval Silva


A João Cabral de Melo Neto



A nossa identidade está na pedra
Na natureza da pedra
Na dureza da pedra
Na pedra que a tudo suporta e teme

A nossa certeza é a da pedra
Da pedra que por tudo passa
Da pedra que em mim abraça
Seu corpo ainda semente.

Roberval Silva

EVOLUÇÃO - Roberval Silva


Poeta das palavras
Palavras que nada dizem
Palavras que tudo dizem
Palavras que nunca passam
Palavras, só palavras
Que dizem o quer dizer
Até o que se não quer dizer
E vão de encontro a outras palavras

Palavras que cantam o sol
E a lua e tantas coisas
Cantam o amor pela vida
E a saudade de tempos passados

Contam a história dos povos
E todas as línguas são só palavras
Idiomas e dialetos de sons
Leve evolução da humanidade
Caminho das palavras que não passam
Poesia-sonho para um mundo melhor.

Roberval Silva

ESTIGMA DO NADA - Roberval Silva


Tudo vale
porque o que vale é ser
e ser todos são
senão nada seríamos

Ser nada é não ver o dia
não sentir o aroma das flores
não achar o broto da vida
no sopro do amor infinito

Tudo vale
até mesmo o sair do caminho
o desviar do destino e ter viva
a paixão do cruel despertar

A chama flamejante, esta chama
tudo vale, esta chama é um momento
o alento, o tempero, o segredo
que do nada se vai para o sonho

O sonho de que tudo vale
até mesmo o estigma do nada
o estigma de que nada se é
quando somos a razão de um tudo.

Roberval Silva