segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

CAMINHANTE - Roberval Paulo


Se me perco, és o meu encontro
Se me escondo, sou o teu achado
Se me despenco, tu me tens ao colo
Se me vejo só, estais ao meu lado

Se choro, és tu o consolo
Se estou triste, me dás alegria
Se me sinto pobre, tu és meu tesouro
Se me falta luz, és tu o meu guia
                               
Quando canto, és tu a canção
Se tenho frio, tu és o abrigo
Se me apaixono, és minha ilusão
Se estás comigo, já não há perigo

Se sou o fim, tu és o começo
Se sou o começo, és tu o meu fim
Se choras, se sofres, sou eu quem padeço
Se tens alegria, alegras a mim

Sou labirinto, tu és a saída
És flor na minha vida, sou o teu jardim
És enfim, meu oásis, sou eu, do deserto
O caminhante, ao certo, tenho a ti, tens a mim.

Roberval Paulo

INFINITO AMOR, AMOR INFINITO! - Roberval Paulo


O infinito é tão grande
Que não tem fim
Como explicar o infinito?
Não se explica
Se é infinito, não tem dimensões
                   nem limites
                   nem referências
Impossível de ser medido.

Agora entendo
É por isso!
É por isso que não compreendo
               que não explico
Nem o infinito
Nem o meu amor
Também é infinito
E está dentro de mim.

Só não sei como pode
Estar em mim esse amor
É amor infinito
Infinito amor
E dentro de mim
Também sou infinito
Eu, o infinito, o amor
Infinitamente infinitos.

Roberval Paulo

ENIGMA - Roberval Paulo


Eu sou o elo de ligação entre tu e mim
Eu sou a comunicação entre a vida e a morte
Eu sou o sol a dourar no jardim
Eu sou em mim o tom negro da noite

Eu sou a flor do começo da vida
Eu sou a flor, uma flor para Ana
Eu sou o amor da mãe pelo filho
Eu sou a vida sempre por um fio

Eu sou Cristina, Fernanda, Maria
Eu sou o cão, amigo do homem
Eu sou toda a vida mais nem sei o meu nome
Eu sou o começo do fim que te espera

Eu sou, nem mais sei o que sou
Nem quem sou, sou de mim desconhecido
Sou andante, navegante, me sou perdido
Sou você que nem mesmo me conhece

Eu sou enfim, a moça da janela
O olhar perdido em seu mundo interior
Eu sou o rio acalentando a flor
Mas minha obra prima ainda está por vir.

Roberval Paulo

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

DESCONHECIDO - Roberval Paulo


Quando parti para os dias
Nem sabia, da noite, os seus mistérios
Se ia, sem destino, ao vento
Contando, dia a dia, a história de minha vida

Assim, quase sem querer
Sem vontade de seguir em frente, só seguindo
Sem entender o badalar das horas, só indo
Ingressava eu no ritmo louco do tempo

E este, o tempo, passando sem parar
Sem olhar para trás, sem se importar, só a seguir
E eu me vi no tempo, era eu e ele, ali
Caminhando a estrada que só se caminha
Que só se caminha, sem saber onde vai dar

Pude perceber
Que a caminhada é pra se levar
Que as pedras são pra se tropeçar e enfim
Cair e se levantar é pra quem sabe onde quer ir
Que os caminhos tortuosos é pra quem sabe
                                      andar e quer chegar
Que a estrada colorida, florida e iluminada
                                      é pra quem veio do mar

Que o destino é pra seguir com o tempo
Sem conhecer, sem saber, sem se abater
Só a romper a larga distância do sonhar
Sorrir e chorar no desconhecido mundo
Sofrer e amar ao som do vento vagabundo
Cantar, entre flores e lágrimas, a nossa breve trajetória

De quem veio, sem saber de onde
E vive, sem saber a razão
E fala, quando ninguém responde
Mas segue, segue em frente
A buscar o que nem sabe se existe
Às vezes, alegre, outras vezes, um ser triste
Que cansado da jornada, só pensa em chegar

Aonde? Não sabe...
Por que? Desconhece...
Mas sabe que um breve fim o espera
Porque a história se faz no caminhar.

Roberval Paulo

CAMINHAR DE NUVEM - Roberval Paulo


Não sei em que dia me encontro 
ou em qual noite descanso.
Tudo é como as águas de um rio 
que descem caudalosas e cautelosas 
e nada as detém.

Sou feito o sol escondendo-se da chuva 
e só voltando quando esta já partiu.

Fugir da vida não posso.
O chão que me espreita é paciente 
pois tem em si a certeza 
que me terá um dia.
Não fujo do encontro, 
só retardo o que certo é.
Ela vejo em sonho 
e seus cabelos e olhar 
me dizem amar.

Fecho os olhos 
e sua visão faz-se mais nítida.
Estamos do lado oposto da hora.
Não sei em qual órbita 
ficou guardado o nosso encontro.

Espero pacientemente 
e caminho na direção contrária do medo 
pois tenho em mim a certeza 
que o nosso dia chegará.

Roberval Paulo

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

A AUSÊNCIA QUE NÃO FICA AUSENTE - Roberval Paulo


Abri os olhos naquela manhã e, pela janela, contemplei a linha negra do horizonte. Era um dia amargurado e triste. O dia e eu em mesma sintonia. A paisagem estava esburacada, cinza e opaca. Eu, sombrio e desolado. Ajuntei as forças que ainda restavam em meu ser e busquei reerguer-me, contraindo os músculos, colocando-me de joelhos e mãos na cama para impulsionar o meu levantar. A preguiça e o desânimo manifestaram-se ainda mais fortes do que toda a força empreendida para levantar-me e num golpe baixo do desalento, jogou-me estendido entre lençóis e travesseiros num rumor surdo de um gemido triste e exprimido de quase não se ouvir, mas tão intenso que chegava a questionar o valer a pena do existir.

Voltar a dormir não mais consegui, mas, sonolento e angustiado, num misto de gente e nada, replicava para mim mesmo, acho que querendo responder a uma indagação ainda não proferida, o quão complexa é a vida quando a vida tão querida dá mostras de ser vida não vivida e sim vida combalida em dor de não se aguentar.

É a dor da perda mais uma vez reclamando o seu cativo lugar. Alcancei o entendimento. A dor é cativa e conectada em mim como parte integrante do meu ser, hei de aprender a conviver com a sua existência, transformando-a em quase o meu próprio alimento e também em meu lenitivo.  Assim não fazendo, não sobreviverei.

Então incorporo a tal resiliência e, todos os dias, resiliente me vou a aventurar debaixo deste sol no sentido de alcançar o concílio entre a dor e o meu existir, buscando harmoniza-los a todo instante, constantemente e insistentemente. Se a dor é diária e é minha e não havendo como dela desvencilhar-me, transforma-la ei em elemento do meu caminhar e com ela, lado a lado, sigo a estrada da vida e, agora, não mais sofrendo, mas somando-se a ela a brisa suave e fresca que me trás a lembrança doce e saudosa da minha parte que se foi a habitar o eterno e que, mesmo consternado e triste me deixando, trás a mim um novo viver, por toda a vida e alegria e flores e sorrisos e amor que dispensou a todos enquanto por aqui viveu e semeou.

Semeou a alegria do viver em plenitude. Semeou amor, luz e sorrisos e iluminou os caminhos por onde passou. Iluminava sua estrada e a estrada de todos que com ela caminhava. Queria ainda muito mais com ela caminhar, mas o inevitável separou-nos para que voltássemos ao nosso próprio ser e déssemos asas ao voar natural e necessário de todo e qualquer. Aquele voar único e último para o nosso plano, mas que nos remete ao começo de tudo; à origem de todos. É o nosso certo retorno à nossa casa; o retorno à casa do Pai.

Ela descansa em Deus e de lá nos olha e sorri. Como sorri! Um sorriso tão alvo e terno que me desperta e me impulsiona, trazendo-me de volta à vida e alimentando em mim um novo existir, agora, sem a tua presença aqui.

Roberval Paulo

terça-feira, 26 de novembro de 2019

SUPLÍCIOS DE UMA PAIXÃO - Roberval Paulo


Nada me serve na vida 
se não for junto a você
Se está em ti 
o propósito do meu ser
Não me importa ser a rima 
ou o acorde na canção
Quando sim, 
posso ouvi-la em tua voz

Eu não quero ser o sol, 
me contenta o seu fulgor
Não preciso ser o fruto 
se me basta o seu sabor
Não me importa ser o corpo 
ou o próprio coração
No universo imaginário 
crio um mundo só pra nós

Se é pra mentir, não faça, 
melhor sofrer com a verdade
Dos pássaros esqueço o canto 
se lhe derem a liberdade
Não me importa ser o grito 
ou o silêncio no alçapão
Se no claustro impiedoso 
estamos nós dois a sós

Menosprezo a insensatez 
em prol da sabedoria
A noite só impõe seu manto 
depois que se finda o dia
Não me importa ter em vida, 
da morte, a condenação
Se me enlevo em teu amor, 
pungente, nas mãos do algoz.

Roberval Paulo

LISA SE FOI! EU VOU? - Roberval Paulo


Lisa!
No meu beijo ela sorria
Dos meus braços não saía
E a noite adormecia
Nas asas de um sonho bom

Lisa!
Seu olhar tinha magia
Suas mãos, quanta energia
Sua boca quente, fria
Água e fogo. Rebeldia
Estampada no batom

Lisa era o som
Lisa era o tom
Lisa era o dom
de cantar
de sonhar
de sorrir

Lisa era mel
Lisa era o céu
Lisa era fel
O êxtase e o sabor
O doce amargor
No desejo de ir e vir

Lisa!
Porque que você se foi?
Deus, porque tú permitistes
Deixar partir um filho teu
Se entre todos os amores
O meu era o maior?

Ah! Lisa!
O meu mundo se perdeu
Os meus dias são qual noites
Trevas, frio, solidão
Lâmina na carne, sou eu
Na terra fria, no pó

E o vermelho tinge a alma
E um suspiro abranda a dor
Finda o som do vento, a calma
Aaaaaaaaaah! Lisa
Último dia, última fala
Lisa! Não estou mais só

Roberval Paulo

DIVAGAÇÕES - Roberval Paulo


Ando pelo mundo à procura de mim
Se não me encontro, conheço novas terras.
Passo pelos dias, tenho olhos no futuro,
Brincar de viver é tão bom que nem presta

Pelo sol vejo fogo no céu
Ignoro conceitos, regras e tudo o mais.
Não me atenho às convenções, sou prático,
Tenho medo da coragem que é minha

Pra buscar um sonho, viajo muitas léguas,
Nas asas do sonho é que se voa longe
Creio até nos contos de fada
São fantasias a dizer verdades

Pra contrariar a noite acendo as luzes
Tudo escuro, eu claro estou.
No natural das coisas, o dia amanhece,
Escuro mesmo é a justiça dos homens

No tempo de uma hora penso a vida inteira
Nos amigos, nas mulheres que amei;
Supostos amores, não passavam de paixão,
Ela sim, único amor e não morreu com o tempo.

Divagando é que se vai ao longe!
Divagando viajo no tempo!
A lua ainda nem visitei
Mas deixa pra lá. Devagar! Divagar!


Roberval Paulo

SOS! DESPERTE-SE! - Roberval Paulo


A vida é essa louca rotina mesmo e um constante e interminável desafio. Sempre os mesmos sonhos; as mesmas ilusões, desilusões e limitações. A luta em prol de um ideal, a busca da felicidade; a corrida incessante do ter e do poder.

Às vezes paro, reflito e me pergunto: Por quê? Para quê? Não obtenho resposta e permaneço mudo ao deparar-me com a hipocrisia da humanidade. Quanta, mais quanta vaidade. Para onde caminhamos? Mais uma vez o silêncio de mim se apodera e, absorto, passo a imaginar o porquê de tanta luta, tanta busca. Corremos atrás do que? Da sobrevivência? Do tempo perdido? Da modernidade? Do futuro? Talvez, simplesmente, contra o relógio do tempo?

Não, não sei. Impotente e sem alternativa, recorro ao grande filósofo grego Sócrates, parafraseando-o: "Tudo o que sei é que de nada sei".

Mas, por outro lado, em contraponto à linha filosófica da questão, só sei que, de um jeito ou de outro, querendo ou não, acabamos por nos encontrar com a indesejada das gentes, a moça branca de neve, o único mal ou bem irremediável, a dita cantada e velada por tantos poetas e cantadores, a verdade inconteste da vida, a fria morte. E aí, será o fim?

Vou na humildade matreira de Sócrates mais uma vez: "Não sei". Mas porém, contudo, todavia, entretanto, talvez aí esteja o começo; o verdadeiro sentido de tudo. Mas quem saberá? Ninguém! Só a força maior, a energia superior, Aquele que a tudo dá sentido e movimento, o DEUS onisciente, onipresente e onipotente; só Ele e somente Ele é conhecedor de tamanho mistério.

Porém, uma coisa temos como certa. Um a um, do jeito que veio ao mundo, voltará, e nada levará consigo, como nada mais poderá fazer, nem mesmo por si.

Do pó ao pó, do sal ao sal, da terra para a terra! O espírito só a DEUS pertence e Ele decide, pois o sopro de vida que nos trouxe a este mundo foi emprestado por ELE.

Então, cuidado, muito cuidado! Vigie! Vigie! Vigie!
Não se perca, redima-se!!!


Roberval Paulo

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O MENINO DO ESPELHO - Roberval Paulo


O menino do espelho
O que vê? A sua imagem
Pra ele, desconhecida
Faz de cá uma careta
O menino, se assustando
Neste gesto simultâneo
É ele mesmo, o autor
Sem saber, inconsciente
Criador do personagem
Que muito nele se espelha
Mas que não chega a ser ele
É sua imagem, no espelho.

Ele agora dá risada
Passado o susto, o medo
Se acha até bonitinho
Não ele, o ser do espelho
Que lhe olha admirado
Leva o corpo pra esquerda
Outro gesto copiado
Êita! Risada gostosa

Um tapa, acerta o vidro
Mas que desapontamento
Sou em mim, só uma imagem
Um menino a contemplar
Outro menino que vejo
Mas não lhe posso tocar
Que bom fazer-lhe um carinho
O espelho não quer deixar
Uma cabeçada no vidro
Nossa, começo a sangrar
Ele também está sangrando
Bocas no mundo, buááá!
Ele por mim, eu por ele
Minha mãe vem consolar
Ele também tem uma mãe
Com a minha se parece
Olhe lá, já está sorrindo
Que malandro o safadinho

Veja só, já está sumindo
Vai levando a minha mãe
Não, que a minha está aqui
Que bom que nós temos mães
Elas até se parecem
Ou melhor, são mesmo é iguais
Toda mãe é uma só
Toda mãe é a mesma mãe

Agora eu vou é dormir
Que colo bom é o de mãe
Amor-verdade é o de mãe
O espelho é que não tem mãe
Coitado, é tão sozinho
Mas tem aquele menino
O menino e a sua mãe
Que agora estão dormindo
Toda criança do mundo
No colo de minha mãe
No colo das nossas mães
Dormindo o sono dos anjos
No colo-berço do amor
Visto através do espelho
Que agora sorri, tão só.

Roberval Paulo


SE INDO - Roberval Paulo


A porta aberta
Eu inteiro fechado
A luz acesa
Eu apagado

O sonho ainda morto
A morte jazz viva
O abismo subindo
O céu na descida

Roberval Paulo


CAMINHOS - Roberval Paulo


Nessa estrada triste
Um sonho triste
Um homem triste
                        a caminhar...

Buscando alegria
Sonhando a poesia
DEUS do céu um dia
                        vai lhe abraçar

De tão alegre ele se viu triste
E sorriu quando devia chorar.


Roberval Paulo

SEMPRE SE MORRE AMANHÃ - Roberval Paulo


A vida tem dessas coisas                                           
Dessas coisas que não se entende
Porque da vida, porque da morte
Porquê disso, porquê daquilo
Por quê? Por que? Porque?

É tanta coisa pra se saber
que até é melhor não saber
Se sabendo ou não sabendo
Vamos indo a morrer
é tudo que eu sei

Sei que nasce o sol todo dia
A noite é da lua, Ave Maria!
Mas amanhã vou-me embora
Sempre se morre amanhã

Aquele passarinho que canta
Porquê? Há! Não sei
O gato pulou
O canto cessou
Porquê?
Não me perguntem

Não sei... Não sei... Não sei...
Quem saberá?
A terra suspensa no ar
No espaço, sem cordas
não cai

A força da gravidade
A falta de gravidade
Também não tem cordas
Mas, e daí? Estou ficando é maluco
Porquê se fica maluco?
Também não sei

Não sei... Não sei... Não sei...
O homem ganha a vida
A vende depois para a morte
Nada era antes
Do nada à vida

Ganhou um nome
E agora? Agora ele tem um nome
E depois? Ele morre

Não vou dizer o porque
Simplesmente por não saber

O céu é azul
Azul é a cor do infinito
DEUS mora no infinito
Pensei que lá fosse o céu

Se é... Se não é...
Não sei... Mais sei...
Que amanhã vou-me embora
Sempre se morre amanhã

É que a vida tem dessas coisas
Dessas coisas que não se entende
Um pobre... Um rico... Um homem...
Um morre, outro morre, o outro também morre

É tanta coisa pra se saber
Que até é melhor não saber
Mas amanhã vou-me embora
E nada levarei comigo

O sol, o pássaro, o homem
A terra, a lua, o universo
A vida em prosa e verso
O vento, o tempo sem fim

Porque? Porquê? Pra quê?
Não sei, nem quero saber
Sempre se morre amanhã.


Roberval Paulo

MINHA HISTÓRIA DE NÓS DOIS - Roberval Paulo


                                    E as flores sangravam...

A casa
A porta
Tu, lá dentro!
Eu, cá fora!
Diálogo suspeito
Olhadelas pros lados
Inquietos
Sentíamos-nos mal

Eu queria entrar
Ah! Como eu queria
Tu querias que eu entrasse
Mas, as circunstâncias!
As circunstâncias não permitiam
Acima de tudo
A honra
A dignidade
Nos amávamos, era certo
Desde longínquos tempos
Tudo contra
Todos contra
O mundo contra
Amor proibido

Coisas do destino
Casastes com outro
Imposição da vida
Na vida de outros
Muitos felizes
Tu, infeliz
Eu, infeliz
José feliz
Teu marido
Só felicidade
Casou com quem bem quis

A casa
A porta
Tu, de dentro
Eu, de fora
Fim de um sonhar
— Já é hora — digo.
Desejos suprimidos
Palavras entrecortadas
Destino ingrato
— Vou-me embora!
Tinha que ir
Não conseguia arredar pé
Força estranha me prendia
Misteriosa
Superior à minha deliberação

De lá, tu olhavas
Um que de morto e triste
Desfilava em teu rosto
Olhos nos olhos
Lamentávamos
Tão mesquinha sorte
Tão malfadado desfecho

Precisavas entrar
Tu tinhas que entrar
A razão dizia
Não pegava bem
Mulher casada
A esta hora, na porta
De “conversê” com homem
As más línguas
Deus que me livre
O pudor
Nossos princípios
Nossos valores
Nosso caráter em cheque
Nossa honra
Tínhamos honra!
E quanta honra!
Não fosse essa tal... já via
Mas, precisava ser assim
Difícil sufocar
Tão nobre sentimento
Tão verdadeiro amor
Tão gostoso estar junto

— Adeus!
— Adeus!
— Preciso ir!
— Ainda é cedo.
Frases secas
Ditas com tanta dor
Impossível doer tanto
Mas doía
Mais que ferida de faca
Mais que atropelamento de alma
Ainda mais que ingratidão de filho
— É tarde, bem tarde
— Ih! Preciso entrar
— Ah, sim! Agora eu vou
— Afazeres domésticos, sabe como é
— Entendo, até uma próxima
— Não deve haver próxima
— Eu sei. Sofrimento demais né?
— É! Não dá pra aguentar
— Melhor não seria a morte?
— Morrer não mata tanto amor.

Lágrimas
De dentro e de fora
Da porta
Da casa
— Vou-me embora
— Tá, vai
— Não volto!
— Não volte!
— E esse tanto amor?
— Amaremos sempre. Distantes
— E felicidade?
— Não a teremos
— Eu vou então
— Vai, pelo amor de Deus
— Adeus!
— Adeus!

Tarde demais
José chegava
Cumprimentos
Frios e distantes
Pegos de surpresa
Nas confidências do amor
Difícil disfarçar
Coração é coração
— Como vai José? Eu já estava de saída — digo.
— É, ele já estava saindo. Tenho que olhar o feijão — ela diz.

José olhava-nos, estava sisudo
Já desconfiava
Do sentimento existente
Sim, pois outra coisa não havia
Tínhamos nossos valores
Traição, nunca
Não estava em nós
Traíamos o próprio coração
Sofreríamos calados
Para todo o sempre
Sufocando à força
De lágrimas ocultas
Esse amor proibido
Pela conveniência
Contra os interesses
Da fina flor
Da raça humana

Mas, José também sofria
Não de amor como nós
Da falta de amor
Do amar sem ser amado.
Olhares frios
O amar demais, proibido, sem ser
O não amar, sendo
Desencadeou tudo
Discussão
Acusações
Explicações
Tudo fora de controle
Coisas de sentimento
Gritos!
Gritos de José
Gritou comigo
— Tudo bem, vou-me embora. Adeus!
— Adeus!
Gritou contigo
Doeu em mim
Acusou-te do que não fez
Feriu-me fundo
Bem além do sentimento de corpo
Ainda além do sentimento de alma
Num sentimento que eu não sabia existir
Tão distante está deste mundo
Era o nosso sentimento
Nosso amor era assim
Transcendia
Ia além do extremo
Tão maior
Tão superior
Que não era possível em terra
Não podia ser maculado
Acusações levianas
Infundadas
Revestidas de ciúme
Desprovidas de razão.

Revidei à ofensa que sofrestes
Sem merecer
Chamei-o às falas
Não se conteve
Sacou da arma
Em defesa, atirei
Um tiro só
José, morto.
Sem alternativas, fugi
Vida de fugitivo é barra
Nessas circunstâncias
Cadeia é pior
Você, ali
Desamparada
Ficastes só.

Nunca voltei
Sei que nunca casastes
Leva flores a José
Não por amor
Sente-se culpada
Não tens culpa
Não temos culpa
Aconteceu
Lamentável, não devia
Mas aconteceu
Pelo amor proibido
Promovido por aqueles
Que não se permitem
Simplesmente amar
Que não se permitem
O amor só pelo amor

Somos assim
Amamos o amor só pelo amor
Amor impossível
Nesse mundo tão materialista
Amaremos sempre
Eu sei. Tu sabes.
Até que dure a eternidade
Mas, pelas circunstâncias
Separados estamos
E assim, haveremos de estar
Separados.

Amor tão grande assim
Não se permite em terra
Nessa vida de carne
Simplória vida de carne e lama
Haveremos de nos encontrar em um outro mundo
Haveremos de nos encontrar sim
— Para amor total!
— Para amor total!
— O amor só pelo amor
— O amor só pelo amor
— Assim, como te amo!
— Assim, como te amo!
— Adeus!
— Adeus!


Roberval Paulo