quarta-feira, 27 de novembro de 2019

A AUSÊNCIA QUE NÃO FICA AUSENTE - Roberval Paulo


Abri os olhos naquela manhã e, pela janela, contemplei a linha negra do horizonte. Era um dia amargurado e triste. O dia e eu em mesma sintonia. A paisagem estava esburacada, cinza e opaca. Eu, sombrio e desolado. Ajuntei as forças que ainda restavam em meu ser e busquei reerguer-me, contraindo os músculos, colocando-me de joelhos e mãos na cama para impulsionar o meu levantar. A preguiça e o desânimo manifestaram-se ainda mais fortes do que toda a força empreendida para levantar-me e num golpe baixo do desalento, jogou-me estendido entre lençóis e travesseiros num rumor surdo de um gemido triste e exprimido de quase não se ouvir, mas tão intenso que chegava a questionar o valer a pena do existir.

Voltar a dormir não mais consegui, mas, sonolento e angustiado, num misto de gente e nada, replicava para mim mesmo, acho que querendo responder a uma indagação ainda não proferida, o quão complexa é a vida quando a vida tão querida dá mostras de ser vida não vivida e sim vida combalida em dor de não se aguentar.

É a dor da perda mais uma vez reclamando o seu cativo lugar. Alcancei o entendimento. A dor é cativa e conectada em mim como parte integrante do meu ser, hei de aprender a conviver com a sua existência, transformando-a em quase o meu próprio alimento e também em meu lenitivo.  Assim não fazendo, não sobreviverei.

Então incorporo a tal resiliência e, todos os dias, resiliente me vou a aventurar debaixo deste sol no sentido de alcançar o concílio entre a dor e o meu existir, buscando harmoniza-los a todo instante, constantemente e insistentemente. Se a dor é diária e é minha e não havendo como dela desvencilhar-me, transforma-la ei em elemento do meu caminhar e com ela, lado a lado, sigo a estrada da vida e, agora, não mais sofrendo, mas somando-se a ela a brisa suave e fresca que me trás a lembrança doce e saudosa da minha parte que se foi a habitar o eterno e que, mesmo consternado e triste me deixando, trás a mim um novo viver, por toda a vida e alegria e flores e sorrisos e amor que dispensou a todos enquanto por aqui viveu e semeou.

Semeou a alegria do viver em plenitude. Semeou amor, luz e sorrisos e iluminou os caminhos por onde passou. Iluminava sua estrada e a estrada de todos que com ela caminhava. Queria ainda muito mais com ela caminhar, mas o inevitável separou-nos para que voltássemos ao nosso próprio ser e déssemos asas ao voar natural e necessário de todo e qualquer. Aquele voar único e último para o nosso plano, mas que nos remete ao começo de tudo; à origem de todos. É o nosso certo retorno à nossa casa; o retorno à casa do Pai.

Ela descansa em Deus e de lá nos olha e sorri. Como sorri! Um sorriso tão alvo e terno que me desperta e me impulsiona, trazendo-me de volta à vida e alimentando em mim um novo existir, agora, sem a tua presença aqui.

Roberval Paulo

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