Estou
por aí, na sombra nebulosa da noite, à espera do grito, do sinal, do chicote no
açoite do braço. Do tiro perdido, sem alvo, a qualquer alvo, ferindo o peito já
ferido e maltratado, amordaçado, desesperançado e desolado, esquecido no beco
de uma lembrança apagada. Sem rosto, sem página, sem a história dos dias
passados. Futuro incerto, apontado como imprevisível, um tiro no escuro; o
momento seguinte totalmente desconhecido.
Do presente, só o presente, sem embalagem e sem laço de fita. Só a dor
da dor vivida e sentida, o sangue agitado nas veias a escorrer pelo horizonte
dos olhos. Animal abatido num tiro certeiro, animal racional que, pela
irracionalidade social, irracionaliza-se, desnacionaliza-se, e, se perde o
sonho rendendo-se à dura realidade, traindo a consciência, perdendo a razão,
arquivando as conseqüências e o conceito de legalidade.
Pra
suportar, sem opção, só com a cabeça feita e, se faz a cabeça. Consome, se
consumindo. Ingere, injeta, compartilhando tudo. Amizade inconsciente, risco
inerente; gotas e partículas de morte à prestação, só apressando, antecipando o
que já está decidido, escrito nos anais das sociedades. Veredicto social, fatalidade
da existência, a morte. Afinal, todos cairão. Coragem irresponsável, covarde, coragem
em mim sem ser minha, alimentada pela hipocrisia, pelo descaso.
E
eu, sem forças, me rendo, dominado, corrompido. Bicho alienado, fera acuada. Indignado
e sem dignidade. Sem direitos, contado para morrer. O que fazer? Aceito
passivamente, porém, revido, agrido, matando o que em mim morreu, roubando o
que de mim roubaram. É o estágio da decomposição, sem recompensa, assediado por
uma falência múltipla de sentimentos. Incongruente, ferindo pela ferida enraizada
n’alma, plantada pela Lei do Sistema. Sistema posto, imposto, regado livremente
sobre espontânea pressão, opressão, repressão, depressão geral, embrutecido
pela demagogia, mantido pela lei do mais forte. Insanidade da sandice dos
sádicos que endeusados de poder, pelo poder, acreditam na vida só aqui.
Ledo
engano. O processo está sendo montado, a sentença será proclamada. Réu, diante
do juiz, sem advogado de defesa, só acusações. O direito à defesa prescrito, findo
no último dia de vida aqui. Agora é tarde, muito tarde, demasiadamente tarde. O
martelo será batido: “condenado, à revelia, sem recurso”. E a pena será
cumprida eternamente, e, todos os anos irracionalizados, desnacionalizados sobre
a terra será nada frente ao que virá, posto que tudo debaixo do sol passa. Aqui
é só o prenúncio, o prefácio do livro do tempo para a vida eterna, onde um só
dia equivalerá aos cem anos aqui passados. Onde a dor ou o gozo serão eternos,
resultados do balanço sobre os atos aqui praticados.
Roberval Paulo
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