Ajuntei algumas palavras
e formei um arco-íris
Arco-íris de flores, não de
cores
Que dizia ao mundo o colorido
dos sonhos
Ajuntei os sonhos do dia
E com a noite sem sonhos
misturei
E formei o corcel enluarado
do verde
Que dizia os matizes das
noites de luar e mar,
E a esperança me brotou dos
olhos
Qual fino cristal límpido e
triste
Cristalino e discípulo do
orvalho da manhã
Ajuntei as coisas do meu
sentido
Misturadas às coisas que só
de coisas sabiam
E extraí dessas o sentido
maior das coisas
Onde o Invisível e o Indizível
Se coisificam
E nesse ajuntamento das
coisas com outras coisas
A realidade virou só poesia
E um ser superior e efêmero
Adâmico e Mosaico e reluzente
Me levou pelo buraco negro
iluminado
Da janela biônica da vida
Visitei castelos e reinos e
princesas
Mata virgem, céu azul, água
verde e dinossauros
Viajei na cultura e ruínas
dos Astecas, dos Incas e dos Maias
Naveguei o mar vermelho entre
unicórnios e centauros
Das pirâmides egípcias fiz
uma ponte à Grécia Antiga
Ligada à Roma pela crença
milenar do Oriente
A deusa Tétis brincava nas
asas da Fênix
E Nero passeava pelo jardim
do Éden
Golpeando Aquiles à espada
dos Samurais
Pela Cibéria e Ibéria e
Esparta fui vagando vagamente
Na terra santa vi o cordeiro
Caminhando e pregando mansamente
Em meio aos anjos entoando
suas cantigas e corais
Toquei a evolução de Adão
E de outras e mais outras
civilizações
Ainda mais novas e remotas de
razões
Que vem desaguar em Marte
Quando neste tinha mar
Fiz uma confusão e profusão
de coisas
Que coloriu o Monte Olimpo
De toda sorte de deus
E no azar da sorte, não minto
Eu vi um deus pé de pinto
Ocupando o trono de Zeus
E de Hércules a Thor, geração
por geração
Todos teletransportados no
tempo rumo ao sertão
E no calor da caatinga, sem
açude, só cacimba
Seguidos por Lampião e, no
encalço, os cangaceiros
Foi em Canudos que se deu e o
mediador era eu
O grande encontro dos deuses
Com Antônio Conselheiro
E a república e os deuses se
organizaram em motim
E os deuses, desencarnados, se
voltaram contra mim
E a vida-matéria em Canudos
rolou por terra, foi o fim
Daqueles que só tinham
trabalho e fé pra lutar
E eu me revoltei com os
deuses e disse que eram só coisas
E eles e a república me
disseram escaupelar
Feito os índios da América; a
outra América distante
Salva sempre por Deus em
desvarios norte-americanos
E os deuses-coisas, vencidos,
espernearam e fugiram
Tangidos pelo rugido da minha
imaginação
Feridos de morte pelos raios
da razão
Alvejando e aniquilando
democratas e republicanos
Ajuntei meu espírito e alma
que vagavam
E meu físico e minhas
enervantes pernas
E minha força e toda a força
dos sonhos
E saí em debandado despertar
Acordei no chão do meu
quarto, exausto
Em meio às coisas que eu não
ajuntei
Quis ajuntá-las e vi a viagem
da morte
Na porta aberta do sonho da
outra noite
No espelho, Narciso se
banhava e sorria
E Afrodite se despia aos meus
olhos, arfante e sôfrega
Olhei para as coisas, depois
para mim
Fechei os olhos e me encolhi
sob o cobertor
Quase morri sufocado de gôzo
e de calor
E não mais abri os olhos naquelas
manhãs de outono
E lá se foram todas as coisas
em enganos e desenganos
E a manhã desabrochou,
sonolenta e cismada, na poesia do jardim.
Roberval Paulo