Essa
do sol para todos é utopia. Utopia não, é mesmo é piada. O sol nasce para
todos. Quer dizer, nasce para todos, mas, a sua luz, o seu esplendor e a sua
energia cósmica e Divinal não chegam a todos pelo fato do mesmo ser, por característica,
estatal. Não sabiam? Pois é verdade. O sol é entidade pública. Eu explico.
Vejam bem, todos tem direito à sua luz e ao seu brilho, mas, nem todos o tem, e,
uma das razões, penso eu, está no fato do mesmo se caracterizar pelo segmento
público, e, sendo o nosso serviço público de tão péssima qualidade, jamais os
seus benefícios poderiam chegar a todos, e, mesmo quando chegam, é só o
serviço, sem qualidade nenhuma.
Bem,
preocupado diante desta tão séria questão e buscando uma maneira de levar a luz
do sol e seus benefícios a todas as pessoas, revolvi me atirar de cabeça na
elaboração de um projeto de privatização do sol. Na construção de tal projeto,
surge o primeiro problema. Se o sol for privatizado, com certeza irá melhorar a
qualidade no atendimento e na prestação dos seus serviços em geral, mas, por
outro lado, será menor o número de pessoas com acesso a esses serviços, pois, sendo
o mesmo privatizado, é imprescindível maximizar os lucros, e, para essa
maximização dos lucros tão necessária à manutenção desse capitalismo selvagem,
é preciso que as pessoas paguem um preço muito alto. E quem não puder pagar?
Vai ser condenado a viver no escuro? Não, não pode ser. Assim, eu estaria
restringindo o uso do sol ao privilégio de uma minoria e não é esse o meu
objetivo.
Nesse
impasse, decidi pela reformulação do projeto. – Ah! Já sei. Vou criar uma
fundação com objetivos filantrópicos, sem fins lucrativos e aberta a todos,
indiscriminadamente. Mas como bancar e manter esta fundação? Com que capital?
Com que dinheiro?
Pensei,
pensei. Ah! Encontrei a solução. Com o Fundo Partidário que é a principal fonte
de renda dos partidos políticos brasileiros. Esse dinheiro não serve para outra
coisa que não seja escurecer a vida das pessoas, roubando-lhes o sol,
despojando-as da cidadania, e, o cidadão privado do direito natural de ver e
curtir o seu próprio sol, não pode ser chamado de cidadão. É um sem sol e sem
pátria, sem mundo e sem vida.
Enquanto
eu elaborava esse projeto e falava e sonhava, Fariseu das Trevas, deputado da
vida, sentado bem do meu lado, assistia a tudo, intrigado. Por fim, falou.
-
É, esse seu projeto tem a pretensão de muito durar? Por longos e longos anos?
-
Sim, respondi.
-
É um projeto bastante audacioso, de alto custo, com valor quase que
incalculável né? Tornou ele.
-
Sim, respondi novamente.
- Hum!
Então, sinto muito meu caro; só esse dinheirinho do fundo partidário não vai dá
pra bancar esse teu projeto, não achas? Como vais fazer?
Respondi
sem poder disfarçar uma ponta de alegria.
-
Dá e ainda sobra Deputado Fariseu, e muito. Esse meu projeto vai destinar
apenas l% do fundo partidário para a “Privatização do Sol”. O restante, ou
seja, 99% dos recursos deste fundo eu vou acrescentar no projeto que sejam
destinados à saúde e à educação do povo. Se não der pra resolver todo o
problema da educação e da saúde no Brasil, pelo menos dá uma ajudazinha, mas,
de uma coisa eu tenho certeza. Com a aprovação deste projeto meu amigo Fariseu,
o problema do sol estará definitivamente resolvido e o mesmo brilhará magnífico,
de forma intensa e Divinal a todos, indiscriminadamente, com qualidade total.
Até pra você, Fariseu das Trevas;
-
Não, não. Eu já estou acostumado com o escuro. Acho que não vou querer não,
falou o deputado Fariseu das Trevas.
-
Não tem essa de não querer não Excelência. O sol brilhará para todos
indiscriminadamente e indistintamente. Tem que aceitar. É Lei, respondi.
Fariseu
das Trevas, o deputado da vida, remexeu-se na cadeira, coçou a cabeça e
pigarreou. Olhou para o sol protegendo os olhos com o dorso da mão para não ser
contagiado pelo seu fulgor, fez uma leve careta e soltou.
-
Vai começar a negociata toda de novo. Tenho que mexer os pauzinhos pra derrubar
esse seu projeto. Ele é caríssimo e, indiscutivelmente, revolucionário e, se é
revolucionário, é perigoso demais para nós. Agora, o pior é que pra conseguir
derrubá-lo, só aplicando no fundo dos deputados. Esses parlamentares não dão um
voto sequer sem uma pasta de dólares acompanhando.
Roberval Silva