sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

A PRIVATIZAÇÃO DO SOL - Roberval Silva

Essa do sol para todos é utopia. Utopia não, é mesmo é piada. O sol nasce para todos. Quer dizer, nasce para todos, mas, a sua luz, o seu esplendor e a sua energia cósmica e Divinal não chegam a todos pelo fato do mesmo ser, por característica, estatal. Não sabiam? Pois é verdade. O sol é entidade pública. Eu explico. Vejam bem, todos tem direito à sua luz e ao seu brilho, mas, nem todos o tem, e, uma das razões, penso eu, está no fato do mesmo se caracterizar pelo segmento público, e, sendo o nosso serviço público de tão péssima qualidade, jamais os seus benefícios poderiam chegar a todos, e, mesmo quando chegam, é só o serviço, sem qualidade nenhuma.

Bem, preocupado diante desta tão séria questão e buscando uma maneira de levar a luz do sol e seus benefícios a todas as pessoas, revolvi me atirar de cabeça na elaboração de um projeto de privatização do sol. Na construção de tal projeto, surge o primeiro problema. Se o sol for privatizado, com certeza irá melhorar a qualidade no atendimento e na prestação dos seus serviços em geral, mas, por outro lado, será menor o número de pessoas com acesso a esses serviços, pois, sendo o mesmo privatizado, é imprescindível maximizar os lucros, e, para essa maximização dos lucros tão necessária à manutenção desse capitalismo selvagem, é preciso que as pessoas paguem um preço muito alto. E quem não puder pagar? Vai ser condenado a viver no escuro? Não, não pode ser. Assim, eu estaria restringindo o uso do sol ao privilégio de uma minoria e não é esse o meu objetivo.

Nesse impasse, decidi pela reformulação do projeto. – Ah! Já sei. Vou criar uma fundação com objetivos filantrópicos, sem fins lucrativos e aberta a todos, indiscriminadamente. Mas como bancar e manter esta fundação? Com que capital? Com que dinheiro?

Pensei, pensei. Ah! Encontrei a solução. Com o Fundo Partidário que é a principal fonte de renda dos partidos políticos brasileiros. Esse dinheiro não serve para outra coisa que não seja escurecer a vida das pessoas, roubando-lhes o sol, despojando-as da cidadania, e, o cidadão privado do direito natural de ver e curtir o seu próprio sol, não pode ser chamado de cidadão. É um sem sol e sem pátria, sem mundo e sem vida.

Enquanto eu elaborava esse projeto e falava e sonhava, Fariseu das Trevas, deputado da vida, sentado bem do meu lado, assistia a tudo, intrigado. Por fim, falou.
- É, esse seu projeto tem a pretensão de muito durar? Por longos e longos anos?
- Sim, respondi.
- É um projeto bastante audacioso, de alto custo, com valor quase que incalculável né? Tornou ele.
- Sim, respondi novamente.
- Hum! Então, sinto muito meu caro; só esse dinheirinho do fundo partidário não vai dá pra bancar esse teu projeto, não achas? Como vais fazer?
Respondi sem poder disfarçar uma ponta de alegria.
- Dá e ainda sobra Deputado Fariseu, e muito. Esse meu projeto vai destinar apenas l% do fundo partidário para a “Privatização do Sol”. O restante, ou seja, 99% dos recursos deste fundo eu vou acrescentar no projeto que sejam destinados à saúde e à educação do povo. Se não der pra resolver todo o problema da educação e da saúde no Brasil, pelo menos dá uma ajudazinha, mas, de uma coisa eu tenho certeza. Com a aprovação deste projeto meu amigo Fariseu, o problema do sol estará definitivamente resolvido e o mesmo brilhará magnífico, de forma intensa e Divinal a todos, indiscriminadamente, com qualidade total. Até pra você, Fariseu das Trevas;
- Não, não. Eu já estou acostumado com o escuro. Acho que não vou querer não, falou o deputado Fariseu das Trevas.
- Não tem essa de não querer não Excelência. O sol brilhará para todos indiscriminadamente e indistintamente. Tem que aceitar. É Lei, respondi.

Fariseu das Trevas, o deputado da vida, remexeu-se na cadeira, coçou a cabeça e pigarreou. Olhou para o sol protegendo os olhos com o dorso da mão para não ser contagiado pelo seu fulgor, fez uma leve careta e soltou.

- Vai começar a negociata toda de novo. Tenho que mexer os pauzinhos pra derrubar esse seu projeto. Ele é caríssimo e, indiscutivelmente, revolucionário e, se é revolucionário, é perigoso demais para nós. Agora, o pior é que pra conseguir derrubá-lo, só aplicando no fundo dos deputados. Esses parlamentares não dão um voto sequer sem uma pasta de dólares acompanhando.

Roberval Silva 

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