sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

ESQUECIDOS - Roberval Silva


Estou por aí, na sombra nebulosa da noite, à espera do grito, do sinal, do chicote no açoite do braço. Do tiro perdido, sem alvo, a qualquer alvo, ferindo o peito já ferido e maltratado, amordaçado, desesperançado e desolado, esquecido no beco de uma lembrança apagada. Sem rosto, sem página, sem a história dos dias passados. Futuro incerto, apontado como imprevisível, um tiro no escuro; o momento seguinte totalmente desconhecido. 

Do presente, só o presente, sem embalagem e sem laço de fita. Só a dor da dor vivida e sentida, o sangue agitado nas veias a escorrer pelo horizonte dos olhos. Animal abatido num tiro certeiro, animal racional que pela irracionalidade social, irracionaliza-se, desnacionaliza-se, e perde-se o sonho rendendo-se à dura realidade, traindo a consciência, perdendo a razão, arquivando as conseqüências e o conceito de legalidade.

Pra suportar, sem opção. Só com a cabeça feita e, se faz a cabeça. Consome, se consumindo. Ingere-se, injeta-se, compartilhando tudo. Amizade inconsciente, risco inerente; gotas e partículas de morte à prestação, só apressando, antecipando o que já está decidido, escrito nos anais das sociedades. Veredicto social, fatalidade da existência, a morte. Afinal, todos cairão.

Coragem irresponsável, covarde, coragem em mim sem ser minha, alimentada pela hipocrisia, pelo descaso. E eu, sem forças, me rendo dominado, corrompido. Bicho alienado, fera acuada. Indignado e sem dignidade. Sem direitos, contado para morrer. O que fazer?

Aceito passivamente, porém, revido, agrido, matando o que em mim morreu, roubando o que de mim roubaram. É o estágio da decomposição, sem recompensa, assediado por uma falência múltipla de sentimentos. Incongruente, ferindo pela ferida enraizada n’alma, plantada pela Lei do Sistema.

Sistema posto, imposto, regado livremente sobre espontânea pressão, opressão, repressão, depressão geral, embrutecido pela demagogia, mantido pela lei do mais forte. Insanidade da sandice dos sádicos que endeusados de poder, pelo poder, acreditam na vida só aqui. Ledo engano. O processo está sendo montado, a sentença será proferida. Réu, diante do juiz, sem advogado de defesa, só acusação. O direito à defesa prescrito, findo no último dia de vida aqui.


Roberval Silva

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