Acordara mais cedo naquele fatídico dia. Ainda meio
sonolento, me peguei respondendo a mim antes mesmo de proferir-me qualquer
pergunta. Era de costume, ao acordar, sentar-me à cama, procedendo à primeira
oração do dia; aquela oração do desejo de bom dia ao mundo, aprendida ainda no
tempo de criança pela insistência e persistência de minha mãe, para que
levássemos para toda a vida esse encontro com Deus no abrir dos olhos.
Naquele dia, o sobressalto veio-me primeiro e a tão
tradicional e necessária oração da manhã não foi proferida. Tudo estava
diferente. Parecia-me até que era o tempo mergulhado em um novo tempo, uma nova
era. Tudo era novo, apesar da velhice do mundo. Até eu carregava sintomas de
ser outro habitando em mim.
Faltou-me a coragem de levantar, sentia-me indisposto. A
cabeça frívola, mas o corpo dormente ansiava por mais repouso. Tornei a deitar-me
e no fechar dos olhos viajei. Sonhei transpondo um ambiente até então de mim
desconhecido, mas que me atraía feito o beijo da mulher amada e impulsionava-me
para o certo e misterioso encontro que eu sabia que tinha que acontecer, porém
sem a eu ser revelado o que seria.
Era quase um caminhar para o desconhecido, sabendo dos
riscos, do perigo existente e iminente, da possibilidade do não poder voltar,
mas, indo em frente, sem temor, tal era a atração exercida em mim por aquela
realidade sonhada. Realidade sim, porque, mesmo em sonho, esta se mostrava a
mim mais real do que o meu existir. Bem mais real do que a água dos olhos.
Ainda mais real que o amor da mãe pelo filho.
Fui tão longe nesse sonho que temi não mais encontrar o
caminho da volta. Cruzei montanhas e vales que de tão belos pareciam miragens. Era tudo, na verdade, um sonho, mais a
paisagem, essa sim era real e o orvalho da manhã molhava meus pés e olhos,
eriçando os meus pelos e causando arrepios até na alma.
Meu espírito deu saltos de alegria e medo e a alma
retornou ao corpo, vívida e ávida de amor, alegrando meu ser que despertava a
sorrir, dando-me a impressão e sensação e o próprio sentimento do alto
conhecimento. Era como se fosse a chegada de um novo eu apresentando-se a mim
antes mesmo de conhecer-me.
Eu me sorri ao despertar e levantei-me outro, mesmo sendo
somente eu ali diante do espelho. Pensei
e mais pensei e concluí que era o outro do eu de mim que acabava de completar o
meu existir. Sorri para os dois de mim que era eu só; somente eu. Não queira
entender, pois acho que nem eu mesmo entendo.
Mas é assim, está sendo assim e lá me vou eu pela estrada,
sendo muito mais do que eu só. Sendo tantos, muito mais do que dois que agora
vivem em mim, tornando-me um múltiplo ser que vem me revelar o novo, e,
inexoravelmente, a manter e fortalecer a minha singularidade.
Roberval Silva
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