sexta-feira, 5 de novembro de 2010

UMA LIÇÃO DA VIDA

Aconteceu no estacionamento de um shopping. Era domingo, tarde de domingo. Ocasião em que os shoppings estão cheios. O estacionamento nem se fala. Parece mais congestionamento da Avenida Brasil e Marginal Tietê juntas. O sol flutuava magestoso num céu claro de azul distante e já descambava para o poente, anunciando o crepúsculo com seus efeitos enfumaçados e  áureos. Na terra, outro crepúsculo. O da correria da humanidade. Formigas desesperadas, em todas as direções, sem destino certo. Correr por correr. Comer pipocas, tomar sorvetes, cervejas; beliscar, patinar, faz-se tudo. Cinema! Ah! Cinema nas tardes de domingo; nada mais romântico. Correria. Aventureiros e exploradores, sem eira nem beira, dos prazeres da vida. Do bom bate papo, do entretenimento, do descanso e do sossego. Da novidade das caras novas, do flerte. Do lazer da família em busca da paz tão sonhada do fim de semana, nessa bagunça infernal. Caos. Tudo em movimento, tudo anda ou melhor, corre. Até os seres inanimados das lojas e vitrines parecem adquirir vida.

É tanta confusão que até me perdi no texto. O que eu queria mesmo era contar um episódio que se deu no estacionamento de um shopping, numa tarde de domingo e, perdido em meio a multidão, acabei aderindo à confusão e correria dos shoppings nos fins de semana.

Bem,  vamos ao fato; agora ele acontece.
Carros passeiam entre as filas à procura de vagas, perfilados como um pelotão de soldados, não necessariamente naquela mesma ordem. Uns entrando, outros saindo, buzinando, aguardando. Foi aí que se deu o já anunciado acontecimento.

Uma camioneta último tipo caminhava inquieta e nervosa por entre seus colegas à procura de um espaço para descansar seu desingner perfeito, tão harmoniosamente disposto sobre suas quatro rodas, reluzentes e imponentes, levando em seu interior um cidadão de meia idade, não tão último tipo quanto ela, "a camioneta", mas considerado um bom partido entre as moças casaidoras.

Não muito distante dali, um pouco mais atrás, um fusquinha ano 67, desesperado e ofegante da tão longa jornada e já gasto pelas marcas do trânsito, garimpava um espaço para repousar sua  maltratada estrutura que vinha gemendo e grunhindo, mal agasalhado que estava em cima daquelas quatros rodas tão bem desfiguradas,  levando em seu lado de dentro uma senhora já na melhor idade, - aquela mais perto do outro lado - de óculos, feições gastas pelo tempo mas conservando em seu semblante aquele distante arzinho de garota levada.

Eis que de repente, a camioneta passa por um espaço em aberto, de onde acabava de sair o próprio Henry Ford. Num grito de triunfo e mais que depressa, pisa no breque, liga a seta e engrena marcha a ré e, já em movimento convexo, procurando o retrovisor para se orientar, dá de cara ou melhor, de costas com o fusquinha que, numa manobra digna de um fórmula 1, arremete-se ao espaço a pouco vago, fazendo-o seu, deixando desolada a camioneta que vislumbrara primeiro essa tão disputada e singular vaga.

O condutor da camioneta aciona o freio de mão, apeia, caminha na direção do fusquinha falando à velha senhora. Argumenta e reclama porém, elegantemente.
- Minha Senhora, a vaga era minha, eu vi primeiro. Não foi correta a sua atitude.
A senhora olha de soslaio para o cavalheiro e num ar de deboche, sentindo-se vitoriosa, arremata.
- O mundo é dos mais espertos doutor.
- Mas...
- Não tem mas nem meio mais doutor. O mundo é dos mais espertos.
O cavalheiro, elegante, parece não acreditar no que acaba de ouvir. Sem palavras para responder, perde as estribeiras. Sai da razão. Dá meia volta e entra na camioneta, nervosa. Fazendo roncar o motor, promove uma ousada manobra e projeta-se na direção do fusquinha que, descansado e desprevenido, não tem forças nem tempo para reagir. O choque foi forte. Um estrondar bombástico e o fusquinha despedaçado, partido ao meio. Um amontoado de lata e ferro retorcidos. 

A camioneta faz nova manobra e parando ao lado do fusquinha e velhinha, saindo fogo pelas ventas e com a raiva de mil siris em água fervendo, o seu condutor dispara em gritos.
- O mundo não é dos mais espertos não minha senhora. O mundo é dos que tem dinheiro.
Faz um ligeiro aceno de mão e arranca a toda velocidade, jogando para trás uma mistura de  resíduos de asfalto e óleo no olhar assombrado e espantado da pobre senhora que, incrédula, olha desesperada o monte de ferro e lata que a segundos atrás era a sua condução. Lágrimas de esperteza e ferrugem se unem num chorar tão doído que nem o arrependimento duo, de velha e fusca é capaz conter. 

Dois corações marcados pelo tempo e pelo trânsito, recebendo da vida, ainda que tarde, a lição de que, mesmo em confronto com o dinheiro, a humildade deve prevalecer, sendo a tônica para o entendimento, evitando assim o risco da humilhação.  

Roberval Paulo

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