quarta-feira, 30 de março de 2016

NO ESTRADAR DA INFÂNCIA - Roberval Paulo

Escrevi este meu sonho antes da noite acordar
Um sonho verde e vermelho mergulhado em sangue e tinta
Recordei a minha casa numa solidão retinta
A mocidade chegando pela porta do lembrar

E acordei quase sem eu, sem já ser eu, que desalento
Assim, misturando eu comigo, angustiado
Pus a mente lá distante a buscar os meus lembrados
Tanto fui longe que perdi meus pensamentos

Desalentado naveguei no meu sonho acarvonado
Onde deixei tanto riso e tanto sonho que nem sei
E nos dias já passados eu com medo cavuquei
O medo de perder o que nunca foi achado

Busquei o velho baú da mente dos meus guardados
Afugentei a poeira libertando a memória
E a caneta na mão e a mão e os olhos na história
Comecei a estradar a estrada do meu passado

No horizonte à distância do olhar, tudo ofuscado
Um verde desbotado se via lá no fim do mar
E era tanta légua e água o meu sonho a matizar
Que os meus olhos, meu caminho fez-se todo "enlagrimado"

Retornando ao começo da origem originada
Onde a saudosa saudade fez parar a consciência
Vi o terreiro e os laranjais no quintal da inocência
A rede embalançando uma paisagem aurorada

Disanuviando a nuvem que encobria minha lembrança
Disseminando o pensamento para além da serrania
Na nascente da tristeza eu vi brotar a alegria
E no verde ensangüentado descortinou a esperança

Rememorei tanta vida que eu vivi e nem lembrava
De minha mãe, seu riso terno e a máquina de costura
Noite adentro a costurar. De meu pai a formosura
A postura e a firmeza que minh’alma acalentava

E já outros dormidos no meu sonho perpassava
Na estrada o meu avô e o seu canto boiadeiro
O meu pai, a minha mãe e eu menino no terreiro
Perseguindo as borboletas, fazendo aquela algazarra

E os meus irmãos na caminhada a caminho da ribeira
Saltitantes, só meninos nas meninices da vida
Vagueando com os vagalumes à luz da fonte garrida
Borboleteando ao vento uma ciranda alvissareira

O rio da minha infância que aguacento me abraçava
E me espraiava em sua praia de areia algodoada
E me cantava as cantigas com sua voz aveludada
Rumorejando e levando meu ser que desabrochava

Era uma tarde de chuva, o horizonte escurecia
E a enxurrada na rua, cautelosa escorregava
E foi levando o meu tudo e fiquei só eu e o nada
E no espelho da memória desencantou a fantasia

Era ainda uma tarde nebulosa e atormentada
E o meu sonho, esfriado, noite adentro viajava
E a encontrar o inevitável todo o meu ser caminhava
E aquela ponte intransponível outra vez fechava a estrada

Ah! Se eu tivesse asas. Se as tivesse, eu voava
E no assombroso vazio do espaço eu reluzia
E todas as minhas noites eu clareava com dias
Para acordar o meu sonho em manhã ensolarada

Ficou desse tempo a dor de não poder nele voltar
Revive a alma a alegria cada recorte lembrado
As lágrimas caem do sonho p’ro real imaginado

E a rede embala o homem desse menino luar.

Roberval Paulo

sexta-feira, 4 de março de 2016

O MAR - Roberval Paulo

O mar me faz bem, me faz muito bem.
Ele é tão grande, tão misterioso.
Da praia olho e ele me atrai.
Resisto e não vou, me sinto forte também.
Luta desigual, mas equilibrada.
Ele bate forte na praia e me assusta.
Solta um rugido.
Parece querer me intimidar.
Eu resisto.
Olho bem em seus olhos e o sinto triste.
Majestoso, ele vem em nova investida
e lambe meus pés.
Sinto o frescor das suas águas
e me embriago
de o ver assim tão próximo,
tão meu,

tão aos meus pés.

Roberval Paulo

O MAIOR SONHO DO MUNDO - Roberval Paulo

Queria, por pelo menos uma vez, poder nascer sem sentir a temível e tão amável, a dor afável, a dor do parto. Não eu, mas minha mãe, que de tanta dor, quase que eu não pari. E assim, depois de parido, não ser erguido, suspendido pelos pés, de ponta cabeça, para o lado, o outro lado, o lado de baixo da vida.

Contentaria a mim ser só elevado ao colo e seio de minha mãe e embriagar-me, deleitando-me do sublime e purificado leite da existência, sem por ele nada pagar, que leite de mãe é dado de graça, doado só pelo dom e natureza de amar. Aí, queria poder crescer sem saber de verdura e de outros tais e iguais ingredientes ou de quem inventou que chocolate faz mal. E em frente crescendo sem nunca saber de colégio ou escola às seis da manhã.

E quando enfim chegasse o dia de ter a primeira namorada, que ela não fosse a primeira e sim aquela depois da última que sonhasse comigo o mesmo sonho que sonhei um dia com a primeira que não soube seu o meu último sonho.

E quando os meus pais perdessem a magia do amor existente que os levou ao altar, que ele se renovasse sem a doída dor da separação e que o amor dos meus pais natural e normal continuasse na família que fomos antes de matarmos o amor em nós.

E quando enfim chegasse o dia de eu me casar, que o amor dos meus pais, quando houve a união, habitasse em mim e em minha amada, que não fosse a primeira nem a última namorada e somente sim a fórmula do amor continuada no continuar premente da vida cortada e interrompida pelo sonho do amor desorbitado no amanhecer da existência eternizada.

E que os meus filhos não fossem meus e sim só meus e do meu amor e que nunca soubessem do amor que não fosse o amor do eterno e que assim amassem, e amassem sem conta o amor, aquele sem dor e então não sentissem a dor cruel da real realidade que os faz ouro meu sem tê-los propriedade.

E que o mundo tivesse um lugar mundo infantil quando enfim chegasse a melhor idade e não houvesse abandono, nem desenganos e não se sentisse a horrível sensação da inutilidade quando a página virasse e começasse a descida e que esta descida continuasse subindo sem se explicar, só indo, preservando o mistério, o segredo, o elo reverso que une dois mundos e que a partida fosse a mesma alegria de quando se é chegado, que eu não me sinta cansado e nem fraco e mirrado, me sinta viçoso, corado e formoso quando a verdade da vida visitar o meu peito, e eu, satisfeito, viajando sorrindo tal qual o mesmo menino de quando aqui chegou e partindo no amor que me trouxe à vida, viajante de nuvem, última despedida, e do lado de lá, alegria e bonança, o sim da esperança habitando o verbo amar.


Roberval Paulo

NOSSA DURA REALIDADE - Roberval Paulo

É como se a máxima do cada um por si se consolidasse ainda mais com a evolução dos tempos e o Deus por todos permaneça só nos sonhos dos mais humildes e menos favorecidos nesta seleta maratona da sobrevivência digna protagonizada pelo capital – celebridade em alta – e pelos governos que vêem no capital o parceiro certo e insubstituível para a desigual acumulação material e a consequente produção e manutenção do produto miséria no percentual maior da população, produzida exatamente, premeditadamente e deliberadamente para alimentar o podre e inescrupuloso sistema que tem como combustível para o seu ambiente de luxúrias e prazeres, a fome, a dor da fome e da humilhação de pais, e mães, e filhos e filhas ainda puros, espalhados por esta imensidão de terras sem fim, de Áfricas e Américas, em quantitativos que não se conta, que mais parecem estrelas que perderam o seu brilho para o brilho maléfico de umas poucas “estrelas” egoístas que querem para si o tudo do nada, até que o nada nem pelo nada seja mais sentido.

Estrelas estas que já não habitam o céu; estrelas que habitam o inferno, se é que este existe, porém, sem demônios, um inferno só de vidas a se acabar pelo completo abandono de quem um dia pensava herdar um céu de verdade.

A nossa realidade não é de luz.
Como enxergar luz em inocentes filhos cadavéricos sugando o seio cadavérico de mãe cadavérica que jaz morta e ainda se sustenta de pé pela vida morta que trás ao seio para alimentar com a teimosa vida que tem dentro de si nas gotas mirradas do seu leite?

Como ver brilho nos olhos inocentes de milhões de crianças que em carne e osso choram a humilhação da fome e do descaso e só desejam um naco de pão e leite para fazerem a alegria dos seus desesperados e impotentes pais e para sustentarem a vida que não pediram pra ser?

Como ainda se iluminar com a deterioração da instituição família que, hoje, desprovida dos seus valores morais, espirituais, de respeito, de caráter e até mesmo de razão, caminha desordenada e desorquestrada para o ambiente “seguro” do ter, perdendo nesta terrível caminhada a razão consciente do ser?
Como enfim dizer que há luz neste mundo desigual onde impera a violência, onde se perdem as crenças, e assim recriam outras crenças mas que sempre as novas crenças são só dom de acumular riquezas e mais riquezas materiais, só materiais, e em pouquíssimas mãos em detrimento de uma enorme maioria a quem só sobram migalhas pra seus sonhos suportarem e suportam, e se suportam só com  sonhos que, com o tempo, se vão a definhar pois que sonhos não alimentam estômagos e sem estes tão necessários alimentos se vão gerações inteiras, sem sonhos, desencantar?

O mundo é desigual; o mundo é desumano. A vida é desumana mas não precisava tanto. Que todo ser existente e vivente tivesse, simplesmente, sua dignidade e sobrevivência asseguradas e que o justo fosse a diretriz primeira de governos e cidadãos e até mesmo desse capital egoísta que não tem vida própria mas que vive na pobre vida daqueles que se entendem e se pensam vivos e ricos, não sabendo estes que a riqueza de espírito e de alma é superior e esta não perecerá enquanto que a riqueza material passará e voltará ao nada de onde se originou, e aí, nada mais existirá a não ser o espírito, o espírito puro e livre das tentações materiais.

Estes herdarão a eternidade, a vida eterna e, aqueles, aqueles que nesta passagem cultivaram o ter já não mais serão, como nada mais saberão de si. Serão fadados e condenados ao fim eterno que não se sabe inferno ou se panela de ferro mas que será com certeza de tribulações sem fim. 


Roberval Paulo

A CASA DA SEREIA - Roberval Paulo

No fundo do mar, bem lá no fundo, no lugar encantado do mar existe casa. Casa mesmo, de verdade; casa de tijolos e telha, casa seca, com móveis, colchão macio, geladeira, fogão, churrasqueira; é, dá até pra se fazer churrasco. Tem chuveiro quente, varanda... quintal com árvores, flores e pardais.

É lá que habita a sereia do mar. Quando desencanta, é claro. E lá ela é mulher de verdade, a mulher mais linda do mundo e com duas pernas, igual as das outras mulheres e com tudo o mais de mulher. Lá ela não tem calda de peixe não. Lá ela é mulher de verdade, de verdade mesmo e que sabe tudo de amar e de amor.

Bobo que não sou, é lá que eu quero ir; é lá que eu quero chegar. Só aguardo a aparição da sereia pra me mandar daqui e seguir com ela. Quando ela aparece, te atrai. E se te beija, você se encanta com ela e aí, não se afoga, pode ir no fundo do mar até a casa da sereia. E lá, depois do encanto, você será um homem feliz e terá do seu lado a mulher mais linda do mundo e também o seu amor. Felicidade eterna, posto que lá não se envelhece. Lá o tempo não passa, pois lá não se vê a luz do sol. Tudo debaixo do sol passa, porém, lá é diferente. Como não é iluminado; não é alcançado pela luz do sol, essa morada fica imune a ação do tempo.

Só existe uma situação em que tudo pode mudar. Não se pode perder o amor da sereia amada. É diferente da vida aqui, acima das águas e debaixo do sol. Ela precisa estar apaixonada sempre. E para isso, tu precisas lhe devotar todo o amor do mundo, amá-la todos os dias e noites, satisfazer todos os seus caprichos e desejos, dedicar  todo o seu tempo de vida  à sereia amada. Ela, realmente, precisa estar sempre apaixonada, porque senão, desfaz-se o encanto. Se ela se desencantar de você, ela se veste de sua calda de peixe e vem à praia seduzir um outro amor. E se isso acontecer, você já é passado pra ela. E como a vida no fundo do mar; a vida de casa de sereia é imune a ação do tempo pela ausência da luz do sol, isso quer dizer que lá o passado não existe, e, consequentemente, você também não mais existirá, desaparecendo como que em um encantamento, extinguindo-se na imensidão das águas, que, por sua vez, notícia alguma darão de ti, sendo o seu fim eterno, sem direito a uma nova chance.


Então, em se encantando e se enamorando dela, não perca o amor da sereia amada; não dê motivos para que ela venha a deixar de gostar de você. Sede fiel e único em sua vida e assim a terá por toda a eternidade, pois o amor verdadeiro jamais morrerá. O amor perdura por toda a vida, seja lá, seja cá, e, uma vez perdido, despedaça, e, despedaçado, seus cacos nunca mais se juntarão, tanto lá, como cá. Então, seja o seu amor sereia ou mulher; seja lá ou seja cá, ame-a com todas as suas forças, e lealdade, e amor, e dedicação para não vê-la partir, pois, assim acontecendo, na sua partida, tanto lá, como cá, se dará o desencanto, o desencanto do amor e aí, será tarde, porque, com ou sem a ação do tempo, o gatilho apertado não trás mais a bala de volta. É assim no amor. Uma vez perdido, a estrada se torna triste e você, sozinho, e, sozinho, é nada e o nada se extingue, seja nos segredos do espaço ou no mistério das águas, passando a ser só saudade. Saudade sabe, daquelas que não se vê e não se toca, só se sente. Sentimento inaudível, inexplicável, insolúvel, só sentimento. De sentir e de doer, enquanto o tempo, tanto lá, como cá, se esquece das horas; se esquece de si próprio e acelera sua marcha rumo ao incerto e sabido, o único mal... ou bem... irremediável, que amarga a face do nosso destino sobre este... ou outro mundo. 

Não quero mais ir à casa da sereia.

Roberval Paulo

LUZ ÚNICA - Roberval Paulo

para Carlos Drumond de Andrade e Gabriel García Márquez – “in memoriam”.


Veias do tempo quatro ventos entrando pela janela
Arrepiando pelos, cabelos, alma e coração
Ser vivo s sentir o sol
Não tire o que é meu
Liberdade no vazio pardo dos olhos
Vazando a cadeia das teias do arrebol
Sou mais horizonte que céu
Mais loucura que conto de novela

Um homem voando no espaço
Pés e sonhos cravados na Física
Corpos no amor do filho chegando
Vida onde já não existe

Sou menino no Vietnã
Não tive querer
O sol na flor de Hiroshima
Canto que te vejo sonho
A luz única perdida nas trevas
Farol, barco, luar e muito amor
Mar e porto no tapete da sala
Eu e você
A manhã levando a noite
Sonhos que se materializam
O imaginário é real
Os deuses se foram no tempo
A morte venceu a vida
A vida em si, continua
Eu e você contra todos
Eu e você contra o mundo.

O escritório, o trabalho
A feira, o sentimento
A história, o lazer
O acontecer, a festa
O pregão, a fome
A especulação, o desemprego
A onda lambendo a favela
O sal na moça                        
                        e a moça na praia.
O tiro perdido...
A inocência na rua
O frio gelando ossos
Mesa farta, falta mesa
O amor nos tempos do cólera
Um homem vai devagar
Êta vida besta meu Deus!
Cem anos de Solidão
Drumond e García Márquez
A rotina tomando seu lugar
E agora José?
A luz apagou
Em olhos de cão azul
O veneno da madrugada
Não nos afastemos muito
Vamos de mãos dadas
Do ferro de Itabira
Um trem para Macondo
Em prosa ou poesia
Esquecer para lembrar
De sol em sol a peregrinação
E a vida mundo nem aí pra nós.

E que Deus ilumine a mente
            e o caminho dos homens,
para que eles possam construir nações,
                        verdadeiras nações
e não países – sociedades

            com sede de ouro e poder.

Roberval Paulo

IDENTIDADE FILOSÓFICA - Roberval Paulo


A João Cabral de Melo Neto

A nossa identidade está na pedra
Na natureza da pedra
Na dureza da pedra
Na pedra que a tudo suporta e teme

A nossa certeza é a da pedra
Da pedra que por tudo passa
Da pedra que em mim abraça

Seu corpo ainda semente.

Roberval Paulo

O ATIRADOR - Roberval Paulo

O atirador mira... mira... mira...
Aperta o gatilho
Acerta o alvo
O coração
Fere
Depois sofre por ter desferido tiro tão certeiro
Tão mortal, fatal
Tão letal de morte viva.

Mas já foi, no não segurar das emoções
A bala não volta e
A ferida está aberta
O que fazer?

Redimir-se consigo mesmo e como punição
Não mais olhar para o Sol, nem para o Céu
Nem para as Estrelas, até penitenciar – se por
completo
E jamais voltar a desferir tiro
Tão carregado
Tiro tão carregado

                        de noite e de dor.

Roberval Paulo

ELE E O OUTRO - Roberval Paulo

Ele correu mais depressa que o outro
Mais na sua pressa, tropeçou e caiu
O outro, o sem pressa, passou e chegou
No meio do caminho a pedra “lhe” viu

Ele levantou, sacudiu a poeira
E se desembestou, sem rumo partiu
O outro estudou e traçou seu caminho
Ele tá perdido, o outro intuiu

E ele, na pressa, passou do destino
E ao passar a porta se fechou
O outro, prudente, alcançou a glória

Ele, cansado, sentou e chorou
O outro escreveu o seu nome na história

Ele, sem história, pela vida passou.

Roberval Paulo

DESPERTAR - Roberval Paulo

E ali, no seio da natureza
O verde me parecia mais verde
Cobrindo todo o anglo de visão dos meus olhos
E porque não dizer
Toda a imensidão da minha existência
Que se tornara nada diante de tamanha beleza.

E ali, no seio da natureza
Me fizera eu tão menino e tão pequenininho
Que quis até chorar
E lembrei-me de um tempo já passado
Antes do meu despertar
Flutuava em um leito de pura água e amor
E, inconscientemente, queria eu que o tempo não passasse
Energizava-me desse amor
Uma felicidade sem fim.

E ali, no seio da natureza
Vi que a natureza é a força superior
E me embalava na água, nas ondas que dão a vida
No leito daquele rio, daquele rio de amor
Era o princípio de tudo e o princípio era o verbo
Nas águas e o firmamento e o verbo era DEUS
Faça-se... Faça-se... Faça-se...
E fez-se a mãe natureza
E a natureza sou eu.

E eu ali, pequenininho, no seio da criação
Na imensidão das águas
Na imensidão da mata
Na imensidão das montanhas
Na realidade do chão
No meio de tanto amor
Eu, um simples pecador
Faço parte do conjunto
Sou madeira, terra, fruto
Sou enfim, parte da história
Por tua bondade e glória.

Amém!

Roberval Paulo

DE UM TRISTE SÓ MAIS NÃO SOZINHO - Roberval Paulo

Meu canto é demente, carente, incessante
clemente por teu amor
sorridente das mazelas do acaso
arvoredo sombrio
pássaro em desatino
canto em desalinho
         de um triste só mais não sozinho

E a vida encontra o meu canto
no deserto de um ser multidão
de vozes e sons caminhantes
murmurantes
à beira do caminho
na incongruência incongruente da pedra
sozinha, indo
ingênua confidente
         de um triste só mais não sozinho

Andante dos teus sonhos
amante da tua cor
te perdi na tangência do destino
te beijo na boca de quem passa
confidencio-te norte em meu caminho
rio do meu viver em confluência
para além
muito além da inocência
linha reta, inconstante
constante vida
quase inexistente na
existência em teu caminho

         de um triste só mais não sozinho.

Roberval Paulo

BREVE MOMENTO DE REFLEXÃO - Roberval Paulo

Só entro na poesia quando esta sai de mim
Eu a encontro quando ela me deixa partir

Aí reflito! E ela pensa comigo
E juntos, passeamos por um campo florido
Ela me agride bem no meu interior
E a resposta se vai em palavras
Palavras soltas, palavras tortas
Palavras, só palavras, sem nada a dizer

Aí, mais reflito!
O entendimento da poesia
Esta me ignora e me leva a voar
Povoa os meus sonhos, e medos, e segredos
Toma corpo e invade o meu mundo
Trás de volta o meu sonho no vôo de um pássaro
Percorre em segundos a larga distância do existir
E sua tinta se espalha feito sangue

Aí, ainda mais reflito!

Aí, sou poeta.

Roberval Paulo

quinta-feira, 3 de março de 2016

DOS GRANDES PRAZERES - Roberval Paulo

Os grandes prazeres da vida
São tão simples
                   como beijar um filho
Comer chocolate, por exemplo
É tanto prazer
                   que de tão bom
parece pouco.
Mas ninguém dá valor
                   nem importância maior
Querem mesmo é dinheiro
mesmo que neste
                  não se sinta sabor
E sim o prazer
                   de comprar o mundo
mesmo perdendo
                            o prazer maior,
                   de comer chocolates
                   de beijar seu filho
                   de sorrir com ele
                   de sonhar com ele
                   de mostrar-lhe o mundo
                   de mostrar-lhe a vida
e nele, fazer um afago

         e dele, receber um carinho.

Roberval Paulo

UM LOUCO DA VIDA - Roberval Paulo

Meu sonho está na estrada
Eu vivo um dia por dia
Eu rezo a Ave Maria
E sigo fazendo história
Sou de fracassos e glórias
Sou mesmo um louco da vida
Quero esta noite aquecida
Pelo véu do criador
Sopa de estrelas luzentes
Colchão de relva macia
Estou falando em poesia
Tenho um cavalo ligeiro
Asado, um cavalo alado
Que busca até pensamento
No peito do firmamento
No verde mar dos teus olhos
Tô na chuva e não me molho
Tenho sede de justiça
Estou um pouco cansado
Cadê o trem que não passa?
O santo que não me abraça?
Porque não começa a missa?

Meu sonho está na estrada
Eu vivo um dia por dia
Eu rezo a Ave Maria
E sigo fazendo história
Sou de fracassos e glórias

Sou mesmo um louco da vida.

Roberval Paulo

REFAZENDO - Roberval Paulo

Vou-me embora
Vou-me embora
Vou-me embora
Vou na frente

Vou correndo
Mas querendo
Andar bem mais devagar

Caminhando
Caminhando
Caminhando e conspirando

A favor da existência
Contra o sol da inexistência
Que é preciso mais ainda
Muito longe caminhar

Sempre em frente, rumo ao norte
Norteando
Norteando
Norteando e transpirando
Com Deus e a muito suar

Esperando pela hora
Enfrentando a ir embora
Acontecendo
Refazendo
No destempero do vento
Nas intempéries do tempo
Sem desviar da subida
Sem se empolgar com a descida

E o destino a desvendar.

Roberval Paulo

ANJOS QUE CHORAM - Roberval Paulo

A dor do estupro invadiu o seio de Platão
E a maldade dos homens se espalhou pela
humanidade sem nome.

E matou sonhos, feriu corações,
aniquilou vidas
e tingiu de um róseo negro
o azul de céu e mar.

A menina ganhou pirulitos de maçã
e subiu saltitante as escadarias do céu.

E o desejo e ainda o prazer
foram sepultados na estupidez
do homem sem cor. Um túnel sem luz!

Mais a alma, na sua pureza de menina
subiu ao céu
No seu sorriso, o pirulito de maçã
e a doce e terna alegria que só no céu se revela.

O cheiro de flor inebriou todo o céu
E as lágrimas dos anjos formaram
as torrenciais chuvas de outono.


Roberval Paulo

NOVELOS DE AMAR - Roberval Paulo

Ainda que de sol e mar seja eu feito sou e sempre
 serei igual a ti e a mim como se fôssemos
um só como se fôssemos todos em apenas um
 que de tão iguais somos até diferentes somos mesmo
 diferentes e de caminhar e sorrir nos vemos seres
 antes fosse dois ou mais ou todos e assim quero
 me perder em ti antes que em mim e sentir o doce aroma 
da vida extraída subtraída do meu ser quando 
o assunto é você e na vertente da nascente água da vida
 cingir de brisa e flor o frescor do teu corpo e alma
 e coração qual vulcão se vestindo de calor se contorcendo
 de dor não de dor mas de dor de prazer de querer se perder
 no valor do amor amor meu e teu e nosso se amando
 se dando doando a paz sonhada tão pensada idealizada
 e necessária às almas descentes carentes de tanto querer
 se achar se encontrar e seguir na rota da vida subir 
na descida por tanto lutar e descer ao seio de todo amor 
que amar é o princípio de tudo a razão deste mundo 
o porque de estarmos aqui neste sol faça chuva frio ou calor
 viver é sentir respirar sentir dor deleitar no perceber da glória
 construir a história vivendo infortúnios às vezes na lama
 em outras na cama a cair me levando contemplo me espanto
 me arranco em disparada tenho a alma asada de andar
 viajar conhecer se entender entender as gentes manter latente
 a chama viva da vida em mim e em ti em nós que ainda que
 de sol e mar seja eu feito sou e sempre serei igual a ti
 e a mim como se fôssemos um só como se fôssemos
 todos em apenas um que de tão iguais somos até diferentes
 somente um somente nós e a vida por nós a passar 
nos levando em novelos de enrolar 
desenrolar nossos sonhos que de tão amar juntos
 somos muito a sós entre nós a caminhar.

Roberval Paulo

ATITUDE! É PRECISO TER - Roberval Paulo

Eu gosto das boas atitudes
A atitude, por exemplo, de procurar dar casa a quem não possui,
A atitude de dar de beber a quem tem sede
De alimentar a quem tem fome.

A atitude de levar um sorriso a quem não sabe sorrir
De levar um abraço a quem já não mais abraça
A atitude de sonhar o sol, mesmo que este não se dê aos sonhos.

Quero luz e que a luz da vida esteja em todos
Que a vida seja farta e que na linha de chegada
Possamos partir rumo ao bom
Que o bom é viver.

Gosto de atitude, das boas atitudes
E de perder
Que ganhar é muito fácil.

E que de boas atitudes
Seja o mundo repleto
Seja a vida completa
De sonhos, de amor e de paz
De sol, de luar, de cantar
Na terra onde tudo é breve.


Roberval Paulo

O FIM DO COMEÇO QUE NÃO TERMINA - Roberval Paulo

Já morri muitas vezes na ingratidão de pessoas queridas e amadas.
Já chorei lágrimas que nem minhas eram pela solidariedade e pelo sentimento mágico do sofrer e amar juntos.
Substituí, pelo amor, pessoas insubstituíveis.
Perdi tantas vezes que sempre busquei em mim o caminho de ganhar.
Esqueci acontecimentos que muito me judiaram e que diziam-se inesquecíveis.

Mas, vivi!
Vivi mesmo quando só de morte se apresentava o horizonte.
Vivi mesmo quando a vida me indicava a estrada de morrer.

Fui derrubado inúmeras vezes e, pela insistência, persistência e pela necessidade enigmática da missão continuar, pus-me sempre de pé.
Suportei dores ditas insuportáveis.
Perdoei quantas vezes necessárias fossem pelo espírito do Deus humilde que habita a alma e o coração dos homens e que nos faz lembrar sempre do quanto que nada somos.

Transpus obstáculos da realidade intransponível pela alegria inconteste e extremamente prazerosa do “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, - lema do grandioso mágico das palavras Fernando Pessoa.

Saí fortalecido pós cada derrota sofrida e em frente segui, confiante e esperançoso, por acreditar que “no fim tudo dá certo. Se não deu certo, é porque ainda não chegou ao fim”, - conselho do nosso tão perspicaz Fernando Sabino.

Procurei ser sensato quando a insensatez comandava todos os meus sentidos, pela inteligência inata que nos permite, com esforço, usar a razão como guia da emoção e do instinto.

Busquei um fio de prudência que fosse, quando só de imprudência e irresponsabilidade era o meu ser povoado, pois assim me situava, posicionando-me na linha reta do meu pensar torto.

Desafiei tanto a vida que a aventura da morte de mim fugia e renegava-me, resignando-se por compreender o risco inerente, constantemente inconstante, no perigo iminente do viver desejável e indecente do mundo, mas carregando a crença inviolável na verdade e decência do “tudo posso naquele que me fortalece” – Filipenses 4:13.

Mas, contudo, todavia, entretanto e, sobretudo, vivi.

Vivi mesmo quando a vida insistia em desistir.
Vivi mesmo com a sorte a léguas de mim distante, que corria à minha frente, em seu galope ligeiro, certeiro e indiferente, sem querer minha chegada.
Vivi com a adversidade visitando o meu terreiro, me fiz ser passarinheiro quando não podia andar e caminhando ou voando, chorando ou se alegrando, construindo ou destruindo, caindo e se levantando, planejando ou improvisando, morrendo ou ressuscitando, fui vivendo e revivendo, vagando e porfiando, “pois quão bom é porfiar”- (Basílio da Gama, em o Auto da Barca do Inferno).

Enfim, sempre experimentando, e em mim revigorando a força vital do existir, a única realidade, última oportunidade, em verdade, consequente que, irremediavelmente, vai se haver com o inevitável, mal ou bem, inexplicável, intrigante, incontestável, cumprindo o oráculo santo para enfim renascer.

É o começo do fim, ou o fim do seu começo, que vai dar na eternidade, que não se sabe vida ou morte, nem rumo sul e nem norte, se indo a desnascer.


Roberval Paulo

RIOMATA - Roberval Paulo

A mata no rio
O rio na mata
A mata desata
O rio cascata
O rio mata
A mata se mata!

O rio abraça
A mata devassa
A mata o rio
A mesma paisagem
A mata folhagem
O rio passagem
O rio invade
A mata selvagem

O rio a mata
A mesma viagem
A mata voraz
O rio coragem
Um fio de esperança
Na sombra descansa
Mata e rio, andança
No fim da imagem
Rio e mata, tardança
“The End!” Miragem.


Roberval Paulo