Tive um sonho e sonhei que era um anjo e aquele anjo sem asas mas que, pela força d o invisível e do mistério do incerto, voava
e mais voava; voava que nem sabia como era a estrada de andar.. Um anjo sem
asas e que de nada entendia nem mesmo porque era anjo e nem mesmo o que é ser
anjo mas que, inexplicavelmente, voava, voava e mais voava..
Abri as asas que eu não tinha e ganhei os céus.
Eu era esse anjo que asas ele não tinha. Subi, subi alto e contemplei, lá de
cima, o altar. Um imenso boneco redondo, nas cores azul e verde e pés e cabeça
alvos como neve. Refleti sobre aquela imensidão de espaço vazio e pude perceber
a distância do meu pé ao meu pensar. Aquele espação infindo a perder de vista e
nada para todos os lados, e direções, e sentidos, e só aquela bolinha em azul e
verde, e branco nas extremidades, vagando ao léo, sem destino, suspensa no ar e
sem amarras para lhe segurar.
Não entendi o mistério e mesmo se buscasse
entender, não entenderia. Aquela bolona imensa, pequena diante do vazio do
espaço mas, imensa e desorquestrada...se comparada a mim. De terra e água é seu
ninho; de mato e bicho seu peito, e ainda de gente, em todo o seu sentimento e
muito de tudo. Milhões e milhões e até bilhões de tudo, portanto, pesada;
pesada não, pesadona, e suspensa no vazio do espaço, sem cordas e não cai.
Suspensa pela massa do ar e andando ao vento pelo tempo, sem parar e sem
ninguém no volante. Não consigo entender nada. Quanto mais me findo nesse
propósito, menos entendo. Dizem que é uma tal de gravidade ou lei da gravidade,
não sei.
Na verdade, eu nem sabia se existia essa gravidez,
nua e filha, nem sei de quem, a viajar pelo espaço, sem amarras, nem cordas,
totalmente suspensa, sem raiz, a andar sem destino e sem direção, na órbita de
um pensar que não é atmosférico. Penso que vai à procura do Apocalipse final
que, a bem de uma outra verdade, eu também não sei o que é e nem onde mora, se
é que ele tem residência; ou será que seria ele mais um descamisado andarilho
pelos trilhos da esperança e que ao fim só encontra um mar de terra para
guardar seu corpo ínfimo e pouco que descansa, leve e morto, ao pé de um
jacarandá?
Penso mesmo que essa mãe que às vezes se chama
terra, viaja sonho afora é em busca do pai que perdeu. Do pai de sua gravidade
gestada em um tempo inexistente e distante, feito minhas asas que um dia
estiveram em mim e que ao anúncio da criação dos filhos do gênesis, povoaram o
olimpo. Assim zeus se fez Deus para apadrinhar a insensatez da mitologia fora
do seu tempo mas que caminhava para encontrar a porta que culminasse e se
materializasse nos trilhos da obscura luz da última realidade, ou, pelo menos,
que fosse uma janela e, mesmo sendo a passagem, mais estreita, poderia por ela
saltar ao espaço do precipício sem fim que é a viagem sem destino e sem direção
e também, sem comandante, da mãe que procura pelo pai da gravidade gestada em
seu ventre, que subiu e não desceu e, que quando desceu, acabou descendo mais
do que o necessário para voltar a subir e, não mais subindo, passou do destino
e não mais encontrou o caminho de volta.
Assim se deu a viagem do anjo sem asas que nada
de gravidez ou gravidade foi ao espaço buscar, mas, que viu e se solidarizou
com o choro das estrelas, lágrimas estas que diziam da estupidez exasperada
daqueles seres ingnóbios que mais pareciam micróbios que cavavam sem parar o
corpo daquele corpo que ainda hoje viaja mas não encontrou parada nem a estação
pra estacionar e nessa viagem sem fim leva toda a nossa vida e as nossas forças
e sonhos para o espaço de um lugar que não se sabe onde é e nem se lá vai
chegar mas que como todo ser que pisa os degraus do medo vai sem medo para a
morte que fica na encruzilhada do canto daquela estrada que não se sabe parida
ou se já foi a abortar.
Não desci do meu sonho, só acordei e, quando os
olhos eu abri, estava ali, na minha frente, me olhando com aqueles olhos que eu
não sei decifrar, o filho do pai que um dia partiu pra órbita da dor e deixou
sozinha, a mãe, que viaja sem parar, e chora, como ela chora e suas lágrimas
fizeram o mar e esse se vai a encher pois ela não para de chorar porque o pai não
encontra e o filho é que aqui está e a mãe ainda nem pariu, só chora e chora e
me olha junto com o pai que é seu filho e me chama, me chama e eu, que acordei
agora, não sei se já é a hora de seguir não mais eu órfão ou se aqueles olhos
de pai de mãe e de filho que é filho do pai da noite vai ainda permitir que o
meu corpo comece essa viagem a seguir e que a cria do medo, do meu ser que
desconheço me revele o segredo de não mais ter pesadelos e em paz poder dormir.
Roberval Paulo
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