terça-feira, 28 de maio de 2019

LUA DOS AMANTES - Roberval Paulo


                                              O novo quando vem...

Uma cantiga de vento enrubesceu os amantes
E na moldura viajante dos olhos
A noite vinha lá do fim do mundo

A lua se escondia na brancura da nuvem
E na sonoridade da alma
Um silêncio se ouvia
Um silêncio de fazer cantar os mudos

O som do amor se encarnou por toda a luz
E todas as bocas disseram o provar de corpos em êxtase

Um uivo abafou a imensidão da distância
E o prazer aquiesceu a alma enamorada

Os desejos ardem, convulsões desenfreadas
Sensações que se revelam
Na rima solta do verso

O ar cansado desmaia
Num respirar lento e cortante
E a forma disforme se renova
No formatar novo do novo.

Roberval Silva

ONDA AZUL - Roberval Paulo

O céu era azul como é azul todo céu.
De vez em quando branco, enfumaçado, plúmbeo, mas azul,
Porque céu tem cor de azul e não de chumbo.

Céu da boca é vermelho, rosa, pálido, esquálido,
Lânguido céu da boca da onça
Mas aí, é outra coisa e outro céu
E não o céu que se funde com o mar.

E sob o céu azul brincávamos
No azul do nosso amor,
Sobre as folhas e plumagens
Verdes, amarelas, róseas, vermelhas,
Expostos ao verde-vida da planície azulada.

A vida era escura, quase azul-marinho
Na casa onde morávamos
Mas, o amor
O nosso amor era azul
Azul resplandecente
De céu e de verde-mar
Jorrando natureza viva,
Viva no azul deste sol
Viva no azul dos teus olhos
Viva o azul da vida-viva
No azul do teu corpo e teu ser
Que o mundo é azul e de azul
Se fez o universo e nós.

De azul em azul, eu e você
No verde-azul deste mundo de amor.

Sonho azul, mar azul, tudo azul
Céu e terra, azul nos azuis
Das borboletas azuis de voar azul
Vôo azul do nosso sentimento.

Roberval Silva

terça-feira, 21 de maio de 2019

CONTRÁRIOS - Roberval Silva



Só sabe a alegria quem já foi triste um dia
Só sabe a paz quem já foi de turbulência
Só sabe o amor quem já sentiu o desprezo
Só se sabe adulto quem viveu a inocência

Só se sabe pedra quem um dia foi vidraça
Só se sabe alívio quem já se forjou em dor
Só se sabe gozo quem já viveu a angústia
Só se sabe doce quem provou o amargor

Só sabe a graça quem já foi de desventura
Só sabe a paz quem vivenciou a guerra
Só sabe luz quem já caminhou nas trevas
Só sabe o espaço quem já conheceu a terra

Só se sabe o fim quem já passou do começo
Só sabe o começo quem já contemplou o fim
Só sabe o respeito quem o adquiriu de berço
Só saberei de você quando eu souber de mim.

Roberval Silva

REALIDADE FURTIVA - Roberval Silva

E se a realidade for em nós só ilusão
E se presente e futuro e passado for só vento
O vento de um inventar pra dar sentido ao ser
Um vento que não se julga nem com o martelo do tempo

E se a mão do juiz for perdão mais que sentença
E se o engenho do ser for mais cruz que sacramento
E se a doce saudade se rir da real lembrança
E construir o absurdo dissolvendo o sentimento

Será que a solidão é prima irmã do tormento
Ou será o improvável mais solo firme que o chão
Quando será que a areia desmedirá a ampulheta
Quando será que a destra virá a ser contramão

Não sei se passo ao largo ou se me torno evidente
Nossos caminhos se fazem de quase um não se encontrar
De um quase não existir pois que habito em esfera
Que rola espaço afora sem ter chão pra descansar

A inexistência do ser é o existir da esperança
A esperança que alcança teu pensar inalcançável
Quem espera sempre alcança, cedo ou tarde, confiança
Esperançando o existir no viés do indecifrável.

Roberval Silva

quinta-feira, 16 de maio de 2019

ONDA APOCALÍPTICA - Roberval Silva

No desespero do século 21
Nós já não mais somos um
Somos todos, somos nós
O futuro desse sonho que agoniza
Somos a sociedade das formigas
Trafegando nas entranhas do seu corpo
Esse corpo sonho de um poeta morto
Esse corpo sangrando nossas feridas
Cicatrizadas na curva última da vida
Somos as cinzas de um sonhar que nasceu torto

Ho ho ho ho!
Somos as cinzas de um sonhar que nasceu torto
Plantar na terra a semente do desgosto
A edição da vida reeditar
Ho ho ho ho!
Lobo e cordeiro convenientemente em paz
A essência do amor que se desfaz
Na insensatez da humanidade caminhar

No mistério da palavra anunciada
A inocência acorrentada
Vamos todos, vamos nós
Acordar a canção adormecida
Da cigarra decifrar sua cantiga
Prenunciando o sortilégio do horror
Serpenteando entre o ódio e o amor
Uma nota tantas vezes repetida
Teleguiando a multidão ensandecida
Gente é boiada na estrada do matador

Ho ho ho ho!
Gente é boiada na estrada do matador
Nos labirintos da sanha do Criador
A humanidade tira um sarro ao recriar
Ho ho ho ho!
Na inexistência da existência adormecer
A humanidade desumana perecer
O Criador ao firmamento retornar.

Roberval Silva

terça-feira, 7 de maio de 2019

PASSAGEM - Roberval Silva


O que é a vida
Senão um passar sem fim
E o fim de cada um nascendo bem logo ali

O que é essa vida
Senão um caminhar sem folgar
E o destino bem ali na esquina a lhe espreitar

Você segue escolhendo o seu caminho
E quando o tempo se perde
E você se descaminha no vão da estrada errante

Quer voltar mais já não pode
Quer corrigir mais já deu bode
O jeito é seguir em frente mesmo errado e cortante

Então siga e siga de passo largo
Provando o doce e o amargo
Até encontrar pelo caminho
Um santo, um anjo, um passarinho
Que lhe agasalhe um ninho

Pra sua alma repousar
O seu corpo descansar
E as forças recuperar
Para depois renovado
Reconstruir seu caminho.


Roberval Silva

CONVERSÃO - Roberval Silva


Conversão não é de corpo

Nem tão pouco de religião
Conversão é de crença e de fé
É de alma e de coração

Converter-me a que?
Já não vivo convertido desde o dia em que nasci?
O que vem a ser de fato essa tal de conversão?
Será que será o exílio deste meu peito infeliz?

Não sei e repito o que disse Aristóteles:  - só sei que nada sei

Mas me fundo a dizer que preciso converter-me
Converter-me à justeza do meu pobre coração
Ao amor que me foi dado pelo simples dom de amar

Saber que só o amor constrói a estrada plana e plena
Só o amor é capaz de vencer a escuridão
Sou eu jogado aos leões nessa alegre e triste arena
Vencendo a luta vencerei a solidão?
                      
Não sei mas sei que de nada sei
Mas sei que mesmo sem saber, eu preciso converter-me
Converter-me ao amor que em mim já foi mais amado
Converter-me à singeleza das ações do coração
Aquela tão nobre ação que só coração conhece
Desprovida dos valores do egoísmo e da ambição.

Roberval Silva

UMA PRÉVIA SOBRE O AMOR - Roberval Silva


Era uma vez um moço
Que amava uma moça
Que amava um outro moço
Que era tão, mas tão mais moço
Com tanto mais de mocidade
Que fez do moço que amava
Um moço desencantado
Triste e desiludido
Por amar aquela moça
Tão plena de mocidade

Achou-se então, o moço,
Numa estrada que é só ida
Num tempo fora do seu
Por não poder regressar
À mocidade de outrora
À vida que só agora
Percebeu não ser mais sua
E sim daquele outro moço
Que nem percebia amor
Na moça do seu desejo

E o moço amava a moça
E ela amava o outro moço
E o outro moço só tinha
Olhos para outra moça
Que não era a sua moça
Mas era uma moça distinta
Que até poderia ser
A moça do seu querer

Mas essa moça não era
A moça do seu amor      
Com coração não se brinca
Em coração não se manda
Ele amava tanto a moça
E ela amava o outro moço
E os olhos do outro moço
Eram para a outra moça
Que não era a sua amada
Mas que poderia ser
E tudo estava resolvido

Mas não é assim no amor!
Ele amando tanto a moça
Que não lhe correspondia
E ela amando outro moço
Que não lhe correspondia
E o outro moço amando
Aquela outra linda moça
Que não amava ninguém
Amor que vai e não vem
Tudo fora de controle

Ele a amando, como amava,
E ela ao outro mais amava
E o outro a outra amando
E essa a ninguém se dava
E ele só vegetando
Por todo amor que sentia
Acabou não suportando
E explodiu tudo em dor
Dor de amor que não se cura
O levando à sepultura
Não sepultura real
De acepção verdadeira
E sim a morte matreira
Que mata o vivente em vida

Chagou tanto essa ferida
Que o fez desaparecer
E ela também partiu
Por de amor padecer
E o outro que amava a outra
Ninguém sabe ninguém viu
E a outra ficou sozinha
E deu-se às águas do rio
Porque não amava ninguém

E lá depois do além
Todos se reencontraram
E riram, como eles riram
Riram tanto tanto tanto
E era tanto acalanto
Que o amor ressurgiu
E fez brotar flor e encanto
No coração do Brasil.


Roberval Silva

O TODO UNIVERSO - Roberval Silva


Sou em mim uma parte do todo
Somos enfim o todo universo
Estamos em tudo, estamos no nada
Somos carne e pecado, alma e transcendência.

Somos em toda parte a força do natural
A natureza que sou me trás de volta a origem
Lá onde nós começamos, onde começa o universo
Lá onde a realidade se imaterializa
É lá que espírito e corpo são um só corpo irreal
Uma fonte energética que decifra pensamento
Que faz da cronologia uma fração do momento
E a raiz do existir faz-se em fórmula surreal

Somos Deus, somo em nós,
Sua imagem e semelhança
Somos portanto esperança
Sou o sol em seu fulgor

Sou o perfume da flor
O tempo e sua estranheza
Sou as vestes de uma deusa
O absoluto em relato
O relato em relativo
Meus passos ou dos meus sapatos?

Roberval Paulo

A POESIA - Roberval Silva


A poesia é tudo belo
Não fosse bela a poesia
Seria belo o poema
Da noite no dia a dia
A treva se irradiando
Em luz na mais longa via
Via de destino torto
Que se endireita arredia
Que se endireita entortando
Alinhavando a poesia

A poesia é feito chama
Que aquece a bola do dia
Que embola o frio da noite
E acende a luz da magia
Respinga estrelas no céu
Faz luzir quem não luzia
Faz da cinza um fogaréu
Brilha a lua ao meio dia
Vai por aí feito a vida
Findando onde principia


Roberval Silva

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

NOVELOS DE AMAR - Roberval Silva



Ainda que de sol e mar seja eu feito
sou e sempre serei igual a ti e a mim
como se fôssemos um só
como se fôssemos todos em apenas um
que de tão iguais somos até diferentes

somos mesmo diferentes e de caminhar e sorrir
nos vemos seres antes fosse dois ou mais ou todos
e assim quero me perder em ti antes que em mim
e sentir o doce aroma da vida extraída subtraída do meu ser
quando o assunto é você

e na vertente da nascente água da vida
cingir de brisa e flor o frescor do teu corpo e alma e coração
qual vulcão se vestindo de calor se contorcendo de dor
não de dor mas de dor de prazer de querer se perder no valor do amor
amor meu e teu e nosso se amando se dando doando

a paz sonhada tão pensada idealizada e necessária
às almas descentes carentes de tanto querer
se achar se encontrar e seguir na rota da vida
subir na descida por tanto lutar e descer ao seio de todo amor
que amar é o princípio de tudo a razão deste mundo
o porque de estarmos aqui neste sol faça chuva frio ou calor

viver é sentir respirar sentir dor deleitar no perceber da glória
construir a história vivendo infortúnios às vezes na lama em outras na cama
a cair me levanto contemplo me espanto me arranco em disparada
tenho a alma asada de andar viajar conhecer se entender
entender as gentes manter latente a chama viva da vida
em mim e em ti e em nós

que ainda que de sol e mar seja eu feito
sou e sempre serei igual a ti e a mim
como se fôssemos um só
como se fôssemos todos em apenas um
que de tão iguais somos até diferentes
somente um somente nós e a vida por nós a passar
nos levando em novelos de enrolar
desenrolar nossos sonhos que de tão amar juntos
somos muito a sós
entre nós
a caminhar.

Roberval Silva

O SISTEMA POLÍTICO E A EVOLUÇÃO DO TER - Roberval Silva


Sucesso não é só ter dinheiro. Dinheiro é importante e necessário porque o mundo é capitalista e dele se precisa para viver. Porém, sucesso, não é só ter dinheiro.

Ter sucesso é estar em paz consigo e não perder a essência do natural, a autenticidade e os valores familiares, éticos e morais. Se harmonizar com o mundo, coisas e pessoas, situando-se passivo e serenamente no ambiente no qual está inserido.

Ter sucesso é poder levantar-se todo dia com a consciência em paz e, à noite, voltar para o aconchego do seu lar ainda em paz e poder dormir o sono dos justos.

Ter sucesso é compreender o contexto e a conjuntura da qual participa, ter voz ativa e consciência coletiva para discernir e assimilar que a estrutura é de todos e todos dela dependem, buscando, inteligentemente, o ponto de equilíbrio necessário à sobrevivência de todos.

Precisamos nos mexer. Não sei como mas precisamos lutar contra o poder do ter em detrimento do ser. O dinheiro virou a verdade absoluta das coisas e tudo pode por ele. Tudo é permitido desde que o objetivo seja angariar e ganhar mais e mais. Acostumamo-nos a isso e fermentamos em nós a insensatez, a indiferença e impotência diante da situação.

Ressalto sempre que o dinheiro é importante e é necessário tê-lo, pois é com ele que compramos a nossa casa, o nosso carro, a faculdade do nosso filho. É ele, o dinheiro, que nos permite desfrutar de tanta coisa boa que a vida oferece, satisfazendo e massageando o nosso ego e vaidade. O que refuto é que o TER não pode sobrepor-se ao SER.

Observem quanto caótica é a nossa realidade. Não existe, em nosso país, nenhum outro segmento que, num intervalo de tempo tão curto, promova mais o enriquecimento ilícito de pessoas do que o sistema político. E não tem, para isso, uma explicação lógica, pois, somando-se todas as rendas e subsídios percebidos oficialmente, revela-se uma discrepância e incompatibilidade enormes em relação ao patrimônio adquirido.

Mas todos consideram normal e isso mostra o quanto somos acomodados e alheios à nossa realidade e o quanto nos corrompemos também.

A realidade é cara e se apresenta aos nossos olhos para ser comprada todos os dias na sua forma mais dura e cruel.

Ø  Meninos abandonados e unidos nos sinais de trânsito das grandes cidades ou nos pátios tortos das praças mortas, tão pequenos e maltrapilhos que nem gente parece, tendo sacos de cola como alimento e roubando, roubando o que a sociedade lhes roubou: a dignidade, a inclusão, a família.

Ø  O tráfico aliciando crianças e jovens, homens e mulheres e matando inescrupulosamente quem não aderir ou se calar ao seu poderio.

Ø  As nossas meninas, a cada dia, mais novas, expostas e jogadas nos campos de prostituição, vendendo o corpo e a alma, vendendo os seus sonhos de menina e perdendo a sua aura de anjo.

Ø  As famílias enclausuradas pelas cercas físicas e cercas do medo, assustadas e angustiadas por aqueles que o estado não acolheu e que a evolução lhes negou oportunidades.

Ø  Pais de família começando a roubar, atirados ao submundo pela necessidade, desnorteados entre a fome e a necessidade de comer, entre a dignidade e o descaso.

Ø  As cidades inchando-se dia após dia de sonhadores em busca de dias melhores e que se transformarão, num futuro bem próximo, em um novo bando de miseráveis que arribaram do campo, do interior, tangidos pela miséria e pela fome e que agora engrossam as estatísticas da miséria e da exclusão nos leitos aflitos e imundos das formidáveis favelas.

Enquanto isso, o outro lado do mundo se movimenta; a outra face da moeda mostra a sua cara sinistra. Seus jatinhos e carrões, mansões e paraísos fiscais, piscinas e restaurantes, bebidas e... mulheres meninas. E estas, usadas e descartadas, já não mais vivem, vegetam, relegadas à impureza e ao assalto da sua alma e do seu corpo. Esta é a nossa realidade e nós entendemos tudo isso como normal.

Vejam o nosso congresso nacional, que mistura! Lá tem representantes de todos os segmentos que se dizem organizados do nosso país. Só não tem, de verdade, representantes do povo, do povão mesmo, da massa. Defendem somente os seus próprios interesses e não os interesses do povo.

Coitados de nós. Somos pobres e fracos, alienados e subordinados, interesseiros e imediatistas, sem consciência social e hipócritas. Que o silêncio, a impotência, a parcimônia, a insensatez, o imediatismo, o comodismo, a omissão e a degradação humana falem por todos nós.

Sentar-nos-emos na esfera do tempo e que o cortejo das horas nos leve ao outro lado do sonho, onde a realidade já foi subjugada e a vida, sozinha e única e despida de toda podre matéria, viva, esplêndida e celestialmente, para todo o sempre.

Amém!

Roberval Silva

O AMOR EM DOCE TRADUÇÃO - Roberval Silva


Eu te amo!
Quisera mais eu falar
E falar de tempo em tempo
E para sempre
E a cada segundo
Eu te amo!

Colhestes inteiro um jardim
Em ti e em teu corpo de rosas e perfume
Sol na janela da minha vida e da alma
Quando eu dizia
Te amo!

Eu te amo!
Verbo presente conjugado ao futuro
Certo e incerto como tu e a lua
Deusas nuas de noites e lençóis
Brancos, azuis, de luz, em meus olhos
Ao dizer
Te amo!

Eu te amo!
Como a mim que me sou em ti
E em nós, esse amor
Pungente amor de sonhos
No enlear de nossos destinos
Levados aos quatro ventos
Por toda a eternidade
Nos dizendo sempre
                            e a cada dia
                            e a cada minuto  
                            e a cada segundo
Te amo!      Te amo!      Te amo!


Roberval Silva

UMA ORAÇÃO - Roberval Silva


Senhor Deus!
A tua luz em nossas vidas.
As tuas bênçãos em nossos caminhos.
A tua verdade em nossa estrada e o teu amor em nosso conduzir.

Senhor Jesus Cristo!
Fracos e pecadores que somos, somos, em nós, a tua imagem e semelhança.
Nos conduza na estrada da paz e do bem caminhar
Nos guie pela estrada do bem servir.


Roberval Silva

ESQUECIDOS - Roberval Silva


Estou por aí, na sombra nebulosa da noite, à espera do grito, do sinal, do chicote no açoite do braço. Do tiro perdido, sem alvo, a qualquer alvo, ferindo o peito já ferido e maltratado, amordaçado, desesperançado e desolado, esquecido no beco de uma lembrança apagada. Sem rosto, sem página, sem a história dos dias passados. Futuro incerto, apontado como imprevisível, um tiro no escuro; o momento seguinte totalmente desconhecido. 

Do presente, só o presente, sem embalagem e sem laço de fita. Só a dor da dor vivida e sentida, o sangue agitado nas veias a escorrer pelo horizonte dos olhos. Animal abatido num tiro certeiro, animal racional que pela irracionalidade social, irracionaliza-se, desnacionaliza-se, e perde-se o sonho rendendo-se à dura realidade, traindo a consciência, perdendo a razão, arquivando as conseqüências e o conceito de legalidade.

Pra suportar, sem opção. Só com a cabeça feita e, se faz a cabeça. Consome, se consumindo. Ingere-se, injeta-se, compartilhando tudo. Amizade inconsciente, risco inerente; gotas e partículas de morte à prestação, só apressando, antecipando o que já está decidido, escrito nos anais das sociedades. Veredicto social, fatalidade da existência, a morte. Afinal, todos cairão.

Coragem irresponsável, covarde, coragem em mim sem ser minha, alimentada pela hipocrisia, pelo descaso. E eu, sem forças, me rendo dominado, corrompido. Bicho alienado, fera acuada. Indignado e sem dignidade. Sem direitos, contado para morrer. O que fazer?

Aceito passivamente, porém, revido, agrido, matando o que em mim morreu, roubando o que de mim roubaram. É o estágio da decomposição, sem recompensa, assediado por uma falência múltipla de sentimentos. Incongruente, ferindo pela ferida enraizada n’alma, plantada pela Lei do Sistema.

Sistema posto, imposto, regado livremente sobre espontânea pressão, opressão, repressão, depressão geral, embrutecido pela demagogia, mantido pela lei do mais forte. Insanidade da sandice dos sádicos que endeusados de poder, pelo poder, acreditam na vida só aqui. Ledo engano. O processo está sendo montado, a sentença será proferida. Réu, diante do juiz, sem advogado de defesa, só acusação. O direito à defesa prescrito, findo no último dia de vida aqui.


Roberval Silva

A POESIA COMO REALIDADE ABSTRATA - Roberval Silva


A poesia é libertação e o poeta
À força de sangue e suor, sonhos e inspiração
Se prende nas palavras
Se faz herdeiro do nada
À procura da liberdade que não vem.

A poesia o seu próprio caminho tem
É esta a estrada na direção contrária da vida
E em sentido oposto corre o poeta
Semeando palavras
Descartando sonhos e encantando serpentes
De veneno mortal
Que mais tarde lhe cravarão seus dentes.

A poesia é água vertente
Descansando nos leitos da verdade surreal
Encontrando guarida só no sonho do poeta
Que, isolado e só, recria dia a dia
Os caminhos da humanidade desumanizada.

A poesia é viagem desassossegada
Ventania cinzenta colorindo nostalgias
Em verde azul e róseo trabalha a mesma poesia
E o poeta, louco e sem cor
Desfila suas dores na amargura abstrata do nada
E sangrando seus horrores em sangue e tinta apenada
Ascende aos corações o bem do amor.

A poesia é bela e o belo é amor
E o amor se mortifica frente a realidade falida
E o poeta, triste e sozinho, se desintegra da vida
Saindo à francesa pela tangente do horror
E tanto dos seus sonhos a sonhos alheios semeou
Que fez-se sem sonhos a sua própria partida.

Roberval Silva

A FILOSOFIA E A ARTE DE TUDO SER - Roberval Silv


               É verdade. Ela não tem movimento próprio. Nem vida, eu acho.
Mas como gosta de estar pelo caminho. Já viram? Está sempre no nosso caminho. Quando não é a própria, literalmente, é o seu nome.
            Você é uma.................no meu caminho!
            Você é uma.................no meu sapato!
            Lembrem-se, até JESUS citou-a quando disse a Pedro: tú és..................., em ti edificarei minha igreja.
            Ela é importante, tá pensando o que! Inclusive, quando usada como arma; esteve na funda de Davi e logo após, na testa do gigante Golias, vencendo-o. Ou terá sido Davi o vencedor, e não ela? Bem, acho que os dois venceram.
            Estão vendo, ela tem história. É quase impossível esquecer-se dela. Está presente até na dor do rim. Muitas são brutas, grossas, indelicadas. Outras são lapidadas, sensíveis e gozam de maiores privilégios. Estão sempre ornamentando valiosas jóias e esculturas; decorando lindos ambientes e estruturas. Outras são as próprias jóias e esculturas, portanto, de muito valor.
            Uma coisa, porém, não se pode negar; são infinitas as suas utilidades, serve para tudo. Bem, sem exageros, para quase tudo.
               Mais coitada. Não tem vida própria. Não vive; vegeta, ou será pedreta, pedrita, pevita? Há! Sei lá. Está por aí, no meio de nós, com vida ou sem vida. Pera aí, com vida ou sem vida? Deus meu, ajude-me; acho que me perdi. Raciocinem comigo sobre uma daquele inteligente. “Penso, logo existo”. Ela não pensa, então ela não existe???? Mas se penso nela e posso vê-la, e posso senti-la ― senti-la na mais verdadeira acepção da palavra ― ainda ontem, senti-a na cabeça numa discussão e na corrida para não senti-la por todo o corpo, não adiantou muito, pois acabei sentindo-a no dedão do pé. Também pudera; a coitada estava lá, abandonada, sozinha, perdida no meio do caminho. Eu disse pra vocês; está sempre no meio do caminho. 
                 Bem, antes de me perder, feito ela, voltemos ao raciocínio. Se posso vê-la e senti-la, isso quer dizer que ela existe, mesmo sem pensar. Ora pois, partindo desse pressuposto ou seria desse princípio? Esse português ainda me mata. Não importa; partindo dessa coisa, ou melhor, daqui mesmo, daqui pra frente, Eureka!!! Cheguei à sábia conclusão de que “pra existir não é necessário pensar.” Não, não é isso. Recapitulando. Ela existe e penso nela, mas ela não pensa nem nela, nem em mim, nem em qualquer outra coisa. Conclusão. “Penso, logo existo, mas, se não penso e outros pensam em mim a ponto de me sentirem, então existo.” Não, está tudo um tanto quanto confuso. Já dizia outro que, quando a esmola é demais, o santo desconfia, então, esse pensamento não deve estar correto, até porque a esmola não tem nada a ver com o santo nem com ela mesma. Eureka! Achei. De novo! A conclusão certa é: “penso, logo existo. Ela não pensa, mais também existe, pois eu penso por ela e sinto-a.” É, ainda ficou um tantinho quanto confuso, mais tá bom. Não vou mexer mais não, se não, daqui a pouco, eu é que não vou estar mais pensando. Nossa, agora usei não à vontade, mais, não tem nada não. Pra variar, mais nãos. Fazer o que, pra dizer não tem que usar não, senão, não é não, não é mesmo. Mais chega de nãos, vamos ao que interessa.
                Antes dessa coisa de pensar e não pensar, existir e não existir, eu estava falando sobre uma coisa. Droga,  já repeti de novo, agora, foi a vez da coisa. Tudo bem, deixa pra lá. Vamos à revelação. De quem eu estava falando? Ou melhor, do que eu estou falando? Quem adivinha? Já descobriram? O que! Sabiam o tempo todo? Eu dei muito na cara; dei bandeira né. Assim perdeu a graça. Todo o tempo falando sobre a pedra, coitada, com um ligeiro suspense, pra fazer a revelação só no final do texto e logo no começo, vocês já haviam sacado. Mais não tem nada não. Eita! Quanto não. Sai do meu caminho não, parece pedra. Não e pedra, pedra e não, desimportante. O importante é que conhecemos um pouquinho mais da vida desta já tão depedrada pedra e, deixando a modéstia ― a pedra ― de lado, um pouquinho mais de filosofia também, não é verdade? Podem confessar, eu deixo. Eu faço uma confissão. Não sei e não sei mesmo porque a pedra, ou a srª. Pedra, ou dona Pedra e, já que existe, pode até ser o bicho pedra, ou seria bicha, por se tratar do feminino? Não sei e como eu ia dizendo, não sei “de novo” porque esse trem ― coitada, é trem, é coisa, é pedra, eita português ― chamou tanto a minha atenção, fazendo-me escrever tanto. Essa coitada leva uma vida tão besta.
             Como podem ver, não fala; não escuta; não sente; não chora; não vê, quase sempre é vista; não tropeça, os outros é que tropeçam nela; não anda e, com um tremendo esforço mental, recorrendo inclusive a Descartes, concluí que ela também não pensa, mas existe. Repito. Pode uma vida mais besta?
               Bem, dentro de uma análise filosófica, eu afirmo: pode. A minha própria. Falo, escuto, sinto, choro, vejo, tropeço, ando e penso; e sofro. Vocês podem me perguntar. Nossa, como ele pode comparar uma vida humana tão ativa à vida de uma pedra? A vida de gente à vida de animal? E eu lhes responderei.
            Primeiro, pedra não é animal. Pedra é “matéria mineral dura e sólida” ― (Dicionário Aurélio). É da família dos que não pensam, mas existe, acho.
              Segundo e também pra finalizar, por ironia do destino ou não, ou por ironia da própria pedra “filosófica”, ela não sofre, ao contrário de mim, que sofro e muito, não podendo calcular a extensão nem a dimensão desse sofrimento. Mais sei que é tão grande que está me sufocando e já não consigo falar, escutar, sentir, chorar, ver, tropeçar, andar e nem mesmo, pensar. E se não mais penso, já não existo, ou existo, porém, sem pensar, tendo que esperar e me contentar com o pensamento dos outros para existir, se é que há alguém capaz de pensar em mim como eu penso na pedra. Porquanto, já privado de todas essas faculdades, não sou mais que ela. Não sou mais que uma pedra.
            Quisera eu ser como tú Pedra, que, sem vida própria, não pensa; e sem pensar, não sente; e se não sente, não sofre; e se não sofre, é mais feliz do que eu.


Roberval Silva