sábado, 2 de fevereiro de 2019

DIVINA OBRA - Roberval Silva


Ele pintava. Só pintava. Nada fazia sentido, exceto a pintura. Tudo perdera a forma, a razão de ser, de existir. O porquê, o pra quê. O de onde vem, para onde vai, nada importava. Tudo perdera tudo. Nesse momento, era o nada sendo tudo e o tudo, ao mesmo tempo, sendo nada. Era ele e a tela. Só ela existia e ele pintava.

Eu observava, deslumbrada, com que enlevo ele encarava aquela tela e também me encantava. Quanta magia naquelas mãos. Era contagiante, tanto que passei a examiná-lo com mais atenção e vi aquilo em formas e cores se transformando. Ainda não definia o que era, mas, tinha uma certeza. Ele pintava as minhas cores. Só as minhas cores existiam no seu toque mágico de pincel e desfilavam pelo universo sem fim da quadriculada e dimensional tela. Parece que tinham vida própria as minhas cores.

A cor dos meus olhos, dos meus cabelos, da minha pele. Das minhas unhas, dos meus dentes, dos meus pelos. A cor da minha vida, dos meus dias. A cor da minha poesia e da minha alma. Eram as minhas cores todas. O desenho ia tomando forma. O escuro, o branco, o sem cor cedendo espaço ao colorido; o humano ao divino; o sentimento dando lugar à arte.

Deliciei-me com a surpresa. Lá estava eu, emoldada e ornada naquela paisagem inanimada que, aos olhos da mente, vivia e dava vida àquele recanto tão só meu. Doce regato de água e folhas, tão real e verdadeiro como o horizonte dos olhos. Eu estava perfeita. Em carne e osso, em corpo e espírito, em branco e a cores, em alma e sentimento.

Pareceu-me, no entanto, que faltava algo. Olhei para ele e vi que exitava. Pintava, matizava, contornava, parece que procurando descobrir o que de fato estava ali ausente. E, de repente, tudo se torna claro a ele ao mesmo tempo em que a mim. Era isso! Era só o que faltava e lá estava ele completando a sua obra com maestria. A mão no pincel, os olhos na tela, o toque final, transcendendo o que não se pode transcender. A mão ao coração para pintar um coração. O coração. O meu, o nosso coração que eu já não sabia mais de quem era.

O trabalho estava perfeito, acabado, terminado. Era divino, uma verdadeira obra de arte. E era eu ali, deslumbrante naquela tela, intocável, majestosa. Tarefa concluída. Soltei um desabafado suspiro e, me vi sozinho. Eu estava sozinho. Eu era o pintor. Tinha me pintado na tela mais não era eu, era ela que ali estava envolvida e embebida em tantas tintas e cores. No primeiro momento, achei que estava doido, que tinha enlouquecido. Mas logo em seguida, num estalo, descobri que eu era ela e que ela era eu. Ou melhor, eu estava nela e ela estava em mim. Enquanto eu pintava, eu também era ela que se desprendia de mim e ali, do lado, certificava-se se tudo estava saindo perfeito. Se ela estava saindo perfeita. E assim, eu olhava para o pintor, que era eu, pintando ela, que estava em mim.

Não me peçam que explique essa loucura; penso não ser capaz, nem acredito que isso seria possível. Mas comigo acontece, aconteceu e tenho certeza, acontecerá. É que eu, sou eu só, entende, mas ela está em mim, impregnada no meu ser e na minha imaginação. Em minhas mãos, nos meus gestos, na minha mente e no meu coração.

E ela é tão real em meu pensamento que eu me dispo dela e a ponho do meu lado para passá-la à tela, enquanto ela me observa. E isso, de tal maneira, parece-me tão verdadeiro que às vezes ouço a sua voz e até conversamos.

Mas logo, tarefa concluída, me vejo sozinho e caio na real realidade. Ela me dá um breve adeus e volta para dentro de mim, passando novamente a alimentar meus sonhos, minha mente, meu sangue, meu coração, meu corpo inteiro. Eu todo, inspirando-me para a criação do próximo trabalho, quando a terei novamente do meu lado. Ela, fulgurante, se deliciando e irradiando felicidade e prazer por protagonizar esse meu devaneio tão real.

É a minha mais doce história de amor. Somos dois nessa narrativa de um só. Eu, o pintor.


Roberval Silva

UM LOUCO DA VIDA - Roberval Silva


Meu sonho está na estrada
Eu vivo um dia por dia
Eu rezo a Ave Maria
E sigo fazendo história
Sou de fracassos e glórias
Sou mesmo um louco da vida

Quero esta noite aquecida
Pelo véu do criador
Sopa de estrelas luzentes
Colchão de relva macia
Estou falando em poesia
Tenho um cavalo ligeiro
Asado, um cavalo alado
Que busca até pensamento
No peito do firmamento
No verde mar dos teus olhos

Tô na chuva e não me molho
Tenho sede de justiça
Estou um pouco cansado
Cadê o trem que não passa?
O santo que não me abraça?
Porque não começa a missa?

Meu sonho está na estrada
Eu vivo um dia por dia
Eu rezo a Ave Maria
E sigo fazendo história
Sou de fracassos e glórias
Sou mesmo um louco da vida.

Roberval Silva

NO ESTRADAR DA INFÂNCIA - Roberval Silva


Escrevi este meu sonho antes da noite acordar
Um sonho verde e vermelho mergulhado em sangue e tinta
Recordei a minha casa numa solidão retinta
A mocidade chegando pela porta do lembrar

E acordei quase sem eu, sem já ser eu, que desalento
Assim, misturando eu comigo, angustiado
Pus a mente lá distante a buscar os meus lembrados
Tanto fui longe que perdi meus pensamentos

Desalentado naveguei no meu sonho acarvonado
Onde deixei tanto riso e tanto sonho que nem sei
E nos dias já passados eu com medo cavuquei
O medo de perder o que nunca foi achado

Busquei o velho baú da mente dos meus guardados
Afugentei a poeira libertando a memória
E a caneta na mão e a mão e os olhos na história
Comecei a estradar a estrada do meu passado

No horizonte à distância do olhar, tudo ofuscado
Um verde desbotado vinha lá do fim do mar
E era tanta légua e água o meu sonho a matizar
Que os meus olhos, meu caminho fez-se todo enlagrimado

Retornando ao começo da origem visitada
Onde a saudosa saudade fez parar a consciência
Vi o terreiro e os laranjais no quintal da inocência
A rede embalançando uma paisagem aurorada

Disanuviando a nuvem que encobria minha lembrança
Disseminando o pensamento para além da serrania
Na nascente da tristeza eu vi brotar a alegria
E no verde ensangüentado descortinou a esperança

Rememorei tanta vida que eu vivi e nem lembrava
De minha mãe, seu riso terno e a máquina de costura
Noite adentro a costurar. De meu pai a formosura
A postura e a firmeza que minh’alma acalentava

E outros tantos dormidos no meu sonho perpassava
Na estrada o meu avô e o seu canto boiadeiro
O meu pai, a minha mãe e eu menino no terreiro
Perseguindo as borboletas, fazendo aquela algazarra


E meus irmãos na caminhada a caminho da ribeira
Saltitantes, só meninos nas meninices da vida
Vagueando com os vagalumes à luz da fonte garrida
Borboleteando ao vento uma ciranda alvissareira

O rio da minha infância que aguacento me abraçava
E me espraiava em sua praia de areia algodoada
E me cantava as cantigas com sua voz aveludada
Rumorejando e levando meu ser que desabrochava

Era uma tarde de chuva, o horizonte escurecia
E a enxurrada na rua, cautelosa, escorregava
E foi levando o meu tudo me deixando quase nada
E no espelho da memória desencantou a fantasia

Era ainda uma tarde nebulosa e atormentada
E o meu sonho, esfriado, noite adentro viajava
E a encontrar o inevitável todo o meu ser caminhava
E a ponte intransponível outra vez fechava a estrada

Ah! Se eu tivesse asas. Se as tivesse, eu voava
E no assombroso vazio do espaço eu reluzia
E todas as minhas noites eu clareava com dias
Para acordar o meu sonho em manhã ensolarada

Ficou desse tempo a dor de não poder nele voltar
Revive a alma a alegria cada recorte lembrado
As lágrimas caem do sonho p’ro real imaginado
E a rede embala o homem desse menino luar.


Roberval Silva

ONDA AZUL - Roberval Silva

O céu era azul como é azul todo céu.
De vez em quando branco, enfumaçado, plúmbeo, mas azul,
Porque céu tem cor de azul e não de chumbo.

Céu da boca é vermelho, rosa, pálido, esquálido,
Lânguido céu da boca da onça
Mas aí, é outra coisa e outro céu
E não o céu que se funde com o mar.

E sob o céu azul brincávamos
No azul do nosso amor,
Sobre as folhas e plumagens
Verdes, amarelas, róseas, vermelhas,
Expostos ao verde-vida da planície azulada.

A vida era escura, quase azul-marinho
Na casa onde morávamos
Mas, o amor
O nosso amor era azul
Azul resplandecente
De céu e de verde-mar
Jorrando natureza viva,
Viva no azul deste sol
Viva no azul dos teus olhos
Viva o azul da vida-viva
No azul do teu corpo e teu ser
Que o mundo é azul e de azul
Se fez o universo e nós.

De azul em azul, eu e você
No verde-azul deste mundo de amor.

Sonho azul, mar azul, tudo azul
Céu e terra, azul nos azuis
Das borboletas azuis de voar azul
Vôo azul do nosso sentimento.

Roberval Silva

PLENITUDE DOS TEMPOS - Roberval Silva


Chegada a plenitude dos tempos
Qual tempo pleno, qual nada
A plenitude desastrada
A vida jogada ao vento

Girando igual catavento
Na contramão da jornada
No contracenso, contra nada
Numa ação de desalento

Perdido em seu próprio eixo
Girando em dúvida, o mundo
Sofre um direto no queixo

Na mão do homem ferido
O mundo está combalido
De rocha, já virou seixo.


Roberval Silva

A LIVRE INTERNET X O PENSAMENTO LIVRE - Roberval Silva


Em um tempo bem recente a onda era os correios, as cartas, os velhos postais, meu Deus! Os telegramas até para comunicado de morte; a informação mais segura e codificada do telex e do rádio amador. O mundo evoluiu rápido e com ele, a tecnologia da informação. Evoluiu sobremaneira, situando-se na vanguarda de todos os processos.

Por caminhar mais depressa do que os outros sistemas, ficou sozinha em seu ambiente e perdeu o passo; perdeu o controle do seu próprio caminhar e se desvirtuou do seu objetivo e fundamento maior que era simplesmente e sempre passar adiante a realidade dos fatos e acontecimentos o mais depressa possível e o mais fielmente possível. A informação se desvirtuou por completo e atende hoje a outros tantos interesses que não só o de informar e se fazer conhecer. No quesito velocidade nada se questiona. Está muito rápido, até mais rápido do que todos os outros processos juntos.

A questão é a qualidade desta informação e os interesses que ela defende. A informação está ferida de morte e a internet é o ataúde, o caixão, o recipiente, o caldeirão "fervente" que acolhe e abriga tudo. É como a terra. Abriga o anjo tal qual abriga o demônio aos olhos crédulos e incrédulos, atenciosos e alienados, de boa fé e mal intencionados no teatro protagonizado e dirigido pela humanidade irracionalizada e desumanizada pela selvageria dos interesses materiais e do poder impostos por aqueles que por força da corrupção do ter, já estão, há muito tempo, desprovidos dos valores éticos e morais que ainda deveriam nortear as ações e decisões humanas.

O senso caiu no ridículo e é operado e levado a efeito no fundamento raivoso do instinto. A estratégia e planejamento das ações, na disseminação da informação, têm como objetivo único convencer; somente convencer sem se importar se há verdade; somente convencer mesmo sendo essa informação um castigo e um pecado para a sociedade.

Estamos vivenciando este momento de cruéis noticiários levianos e insanos que ferem de morte a nossa soberania conquistada a sangue e lágrimas e, a internet, é o palco maior dessa selvagem batalha. Tudo se fala e se escreve, mas nem tudo é passível de prova.

Tudo se produz e essa produção fétida e podre é repetidamente cambiada e recambiada para os olhares das pessoas no intuito de vencer pelo cansaço as mentes e corpos já surrados por esta louca e surreal realidade. Ferem a honra de pessoas, a moral de outras e tudo vale pelo desejo macabro do poder. Estraçalham sentimentos, extravasam emoções e brincam com a fé e crença das pessoas, usando e abusando até de preceitos religiosos ainda não resolvidos nas instituições e muito menos na cabeça do povo.

A informação agride, pela internet, o ambiente livre dos sonhos, onde tudo pode e é possível e permitido, sem se importar com o rastro de destruição que segue na calda dessa informação, capaz de dizimar e reduzir a cinzas e ao pó sonhos inteiros da humanidade.

Vigiemos! Vamos nos atentar mais para o descontrole da informação pela internet, nos embasando mais e aprofundando e fundamentando nosso estudo antes de comprar a ideia. Vamos ser o nosso principal crítico. Não se aliene. Filtre tudo e absorva só o que é importante. Não importante só para você, mas, principalmente, para a coletividade. Não ponha crença em tudo e não se deixe levar pela ideia dominante de que imagem é tudo e que propaganda é a alma do negócio.

À internet pode-se tudo dizer, mas vamos nos dizer só o que realmente nos seja importante. A nós e à sociedade; à nossa população, sem exclusões e ao Brasil como um todo. Vamos controlar o descontrole, respeitar e preservar os nossos valores, dizer não ao desrespeito e àqueles que estão nos desrespeitando. Vamos enfim nos importar com o que realmente importa e fim de papo!

Roberval Paulo

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

MATANDO LEÕES - Roberval Silva


Por caminhos iguais
Por destinos iguais
Os iguais se encaminham
Em sutis diferenças
Nos vãos da ciência
Diferenças se aninham.

E um se diz Deus
Mil outros ateus
Naufragam na dor
Transgridem a razão
Transpiram emoção
No ódio e no amor.

E fere um igual
Se torna imortal
Na guerra do ter
Afogam paixões
Matando leões
Jogos do poder.


Roberval Silva

LIÇÃO DO ESTRADAR - Roberval Silva


Sabor amargo na boca
Faca de ponta no peito
Dor funda na angústia de quem perde
Sol que não brilha nunca
Flor sem perfume e beleza
Tempo que parece não passar.

Tempo real!!
Quem dera fosse sonho
Poder voltar atrás, não!
Mas, recomeçar
Tentar de novo, é o alento
Que derrota é o ponto de partida
Para a seguinte vitória.

Competir
Ganhar e perder
Que o prazer está na luta
O deleite na conquista
Na derrota está a luz, a lição.

Começar de novo
Trilhar de novo o caminho
Nas voltas que o mundo dá

Ir em frente!
Acertar!
Que derrota é aprendizado
Feridas do presente
Sangrando futuras glórias.


Roberval Silva

A PRIVATIZAÇÃO DO SOL - Roberval Silva

Essa do sol para todos é utopia. Utopia não, é mesmo é piada. O sol nasce para todos. Quer dizer, nasce para todos, mas, a sua luz, o seu esplendor e a sua energia cósmica e Divinal não chegam a todos pelo fato do mesmo ser, por característica, estatal. Não sabiam? Pois é verdade. O sol é entidade pública. Eu explico. Vejam bem, todos tem direito à sua luz e ao seu brilho, mas, nem todos o tem, e, uma das razões, penso eu, está no fato do mesmo se caracterizar pelo segmento público, e, sendo o nosso serviço público de tão péssima qualidade, jamais os seus benefícios poderiam chegar a todos, e, mesmo quando chegam, é só o serviço, sem qualidade nenhuma.

Bem, preocupado diante desta tão séria questão e buscando uma maneira de levar a luz do sol e seus benefícios a todas as pessoas, revolvi me atirar de cabeça na elaboração de um projeto de privatização do sol. Na construção de tal projeto, surge o primeiro problema. Se o sol for privatizado, com certeza irá melhorar a qualidade no atendimento e na prestação dos seus serviços em geral, mas, por outro lado, será menor o número de pessoas com acesso a esses serviços, pois, sendo o mesmo privatizado, é imprescindível maximizar os lucros, e, para essa maximização dos lucros tão necessária à manutenção desse capitalismo selvagem, é preciso que as pessoas paguem um preço muito alto. E quem não puder pagar? Vai ser condenado a viver no escuro? Não, não pode ser. Assim, eu estaria restringindo o uso do sol ao privilégio de uma minoria e não é esse o meu objetivo.

Nesse impasse, decidi pela reformulação do projeto. – Ah! Já sei. Vou criar uma fundação com objetivos filantrópicos, sem fins lucrativos e aberta a todos, indiscriminadamente. Mas como bancar e manter esta fundação? Com que capital? Com que dinheiro?

Pensei, pensei. Ah! Encontrei a solução. Com o Fundo Partidário que é a principal fonte de renda dos partidos políticos brasileiros. Esse dinheiro não serve para outra coisa que não seja escurecer a vida das pessoas, roubando-lhes o sol, despojando-as da cidadania, e, o cidadão privado do direito natural de ver e curtir o seu próprio sol, não pode ser chamado de cidadão. É um sem sol e sem pátria, sem mundo e sem vida.

Enquanto eu elaborava esse projeto e falava e sonhava, Fariseu das Trevas, deputado da vida, sentado bem do meu lado, assistia a tudo, intrigado. Por fim, falou.
- É, esse seu projeto tem a pretensão de muito durar? Por longos e longos anos?
- Sim, respondi.
- É um projeto bastante audacioso, de alto custo, com valor quase que incalculável né? Tornou ele.
- Sim, respondi novamente.
- Hum! Então, sinto muito meu caro; só esse dinheirinho do fundo partidário não vai dá pra bancar esse teu projeto, não achas? Como vais fazer?
Respondi sem poder disfarçar uma ponta de alegria.
- Dá e ainda sobra Deputado Fariseu, e muito. Esse meu projeto vai destinar apenas l% do fundo partidário para a “Privatização do Sol”. O restante, ou seja, 99% dos recursos deste fundo eu vou acrescentar no projeto que sejam destinados à saúde e à educação do povo. Se não der pra resolver todo o problema da educação e da saúde no Brasil, pelo menos dá uma ajudazinha, mas, de uma coisa eu tenho certeza. Com a aprovação deste projeto meu amigo Fariseu, o problema do sol estará definitivamente resolvido e o mesmo brilhará magnífico, de forma intensa e Divinal a todos, indiscriminadamente, com qualidade total. Até pra você, Fariseu das Trevas;
- Não, não. Eu já estou acostumado com o escuro. Acho que não vou querer não, falou o deputado Fariseu das Trevas.
- Não tem essa de não querer não Excelência. O sol brilhará para todos indiscriminadamente e indistintamente. Tem que aceitar. É Lei, respondi.

Fariseu das Trevas, o deputado da vida, remexeu-se na cadeira, coçou a cabeça e pigarreou. Olhou para o sol protegendo os olhos com o dorso da mão para não ser contagiado pelo seu fulgor, fez uma leve careta e soltou.

- Vai começar a negociata toda de novo. Tenho que mexer os pauzinhos pra derrubar esse seu projeto. Ele é caríssimo e, indiscutivelmente, revolucionário e, se é revolucionário, é perigoso demais para nós. Agora, o pior é que pra conseguir derrubá-lo, só aplicando no fundo dos deputados. Esses parlamentares não dão um voto sequer sem uma pasta de dólares acompanhando.

Roberval Silva 

REEDITANDO - Roberval Silva

Parei de escrever
Há muito que não sei 
o que a caneta quer dizer

Meus dedos no teclado 
não deslizam suavemente
Vão andando em solavancos
Atropelando palavras
Que vão deixando o meu texto
Vazio e o meu ser.

Há muito que não sei o que escrever
Meu pensamento divaga
Por órbitas desabitadas
À busca de uma existência
Que não mais reside em mim.

Não sei mais nem como ser
O ser feliz que eu era
Que numa doce primavera
Me estacionei nesse sonho

De existir e perseguir
O que eu desconhecia
Mas que guiado seguia
Pela luz no horizonte
Guardada no fim do túnel
D’onde tenho que passar
Para enfim assegurar
O meu destino de ir

E vir por aquela estrada
Que é a mesma da ida
O porvir da despedida
Credenciando a chegada.

Roberval Silva

O NOVO - Roberval Silva


Mesmo que o sonho
                  fosse algo inatingível
E se o som 
                  inaudível se tornasse
Mesmo que as horas 
                  teimassem em não passar
E se o tempo 
                  não mais fosse a prosseguir

Seria enfim, 
                 o fim chegando aos tropeços
Seria assim, 
                 um começo sem ter fim
Seria a aurora 
                 começando à meia noite
Seria a noite 
                 se completando em mim...


Roberval Silva

A CASA DA SEREIA - Roberval Silva


No fundo do mar, bem lá no fundo, no lugar encantado do mar existe casa. Casa mesmo, de verdade; casa de tijolos e telha, casa seca, com móveis, colchão macio, geladeira, fogão, churrasqueira; é, dá até pra se fazer churrasco. Tem chuveiro quente, varanda... quintal com árvores, flores e pardais.

É lá que habita a sereia do mar. Quando desencanta, é claro. E lá ela é mulher de verdade, a mulher mais linda do mundo, e com duas pernas, igual as das outras mulheres e com tudo o mais de mulher. Lá ela não tem calda de peixe não. Lá ela é mulher de verdade, de verdade mesmo e que sabe tudo de amar e de amor.

Bobo que não sou, é lá que eu quero ir; é lá que eu quero chegar. Só aguardo a aparição da sereia pra me mandar daqui e seguir com ela. Quando ela aparece, te atrai. E se te beija, você se encanta com ela e aí, não se afoga, pode ir no fundo do mar até a casa da sereia. E lá, depois do encanto, você será um homem feliz e terá do seu lado a mulher mais linda do mundo e também o seu amor. Felicidade eterna, posto que lá não se envelhece. Lá o tempo não passa, pois lá não se vê a luz do sol. Tudo debaixo do sol passa, porém, lá é diferente. Como não é iluminado; não é alcançado pela luz do sol, essa morada fica imune a ação do tempo.

Só existe uma situação em que tudo pode mudar. Não se pode perder o amor da sereia amada. É diferente da vida aqui, acima das águas e debaixo do sol. Ela precisa estar apaixonada sempre. E para isso, tu precisas lhe devotar todo o amor do mundo, amá-la todos os dias e noites, satisfazer todos os seus caprichos e desejos, dedicar  todo o seu tempo de vida  à sereia amada. Ela, realmente, precisa estar sempre apaixonada, porque senão, desfaz-se o encanto. Se ela se desencantar de você, ela se veste de sua calda de peixe e vem à praia seduzir um outro amor. E se isso acontecer, você já é passado pra ela. E como a vida no fundo do mar; a vida de casa de sereia é imune a ação do tempo pela ausência da luz do sol, isso quer dizer que lá o passado não existe, e, consequentemente, você também não mais existirá, desaparecendo como que em um encantamento, extinguindo-se na imensidão das águas, que, por sua vez, notícia alguma darão de ti, sendo o seu fim eterno, sem direito a uma nova chance.

Então, em se encantando e se enamorando dela, não perca o amor da sereia amada; não dê motivos para que ela venha a deixar de gostar de você. Sede fiel e único em sua vida e assim a terá por toda a eternidade, pois o amor verdadeiro jamais morrerá. O amor perdura por toda a vida, seja lá, seja cá, e, uma vez perdido, despedaça, e, despedaçado, seus cacos nunca mais se juntarão, tanto lá, como cá. Então, seja o seu amor sereia ou mulher; seja lá ou seja cá, ame-a com todas as suas forças, e lealdade, e amor, e dedicação para não vê-la partir, pois, assim acontecendo, na sua partida, tanto lá, como cá, se dará o desencanto, o desencanto do amor e aí, será tarde, porque, com ou sem a ação do tempo, o gatilho apertado não trás mais a bala de volta. É assim no amor. Uma vez perdido, a estrada se torna triste e, você, sozinho, e, sozinho, é nada e o nada se extingue, seja nos segredos do espaço ou no mistério das águas, passando a ser só saudade. 

Saudades sabe, daquelas que não se vê e não se toca, só se sente. Sentimento inaudível, inexplicável, insolúvel, só sentimento. De sentir e de doer, enquanto o tempo, tanto lá, como cá, se esquece das horas; se esquece de si próprio e acelera sua marcha rumo ao incerto e sabido, o único mal... ou bem... irremediável, que amarga a face do nosso destino sobre este... ou outro mundo. Não vou mais querer ir à casa da sereia.


Roberval Silva

FACE NEGRA - Roberval Silva


Seria naquele dia
Tinha que acontecer
O sol bateu meio dia
Tudo estava tendente
Aquele tempo, mormente
O horizonte enfumaçado
Do lado estava o passado
Atrás se via o futuro
De mãos dadas com o presente
A separá-los, um muro

O muro da existência
Inexistente no instante
Oásis incandescente
Um vento forte, uivante
O fogo e a semente
Na encruzilhada do tempo
Um grito: ah! que tormento
O desabafo do amor
Depois do rio, um menino
Atravessando o destino
Adulto agora e sozinho
Pisando o vale da morte
O compromisso da sorte
A face negra do horror.


Roberval Silva

A COR DO MEU SONHO - Roberval Silva


Doze anos já são passados
E o meu amor continua
Eu sem destino na rua
Boêmio ganhando a noite
Atira pedras na lua
O vento sopra em açoite
Arrepiante frio n’alma
Angústia já esquecida
Lembrança de não morrer
A vida é ganha e perdida

E os anos se vão passando
As flores ferem e não matam
O tiro alcança o alvo
Comigo está tudo bem
A tecnologia em alta
A novidade é a praia
A liberdade em baixa
O violão geme e não sente
Meu sonho, estou na estrada
Minha vida no mar deságua

E eu aqui e sem ela
E tudo em mim continua
Um sonho, o mesmo d’antes
A dor que não cessa nunca
O eterno dia após dia
Doze anos que são passados
E o meu amor continua
Eu sem destino na rua
E este sol que não desce
O rio que lento cresce
Meu pranto, fonte de mágoa
Meu sonho, estou na estrada
Caminhar é a jornada
Dias e noites cortadas
Vida que rejuvenesce.


Roberval Silva

ZABÉ - Roberval Silva

Sabe o que é Zabé?
A verdade é que você nunca quis foi me querer,
Que você queria mermo era do bom que eu te dava
Amor, casa, comida... te abençoava,
Roupa lavada não, nisso você era boa
A roupa era tão alva, mais tão alva
Que inté mermo parecia
O claro do branco do dia
Que inté as vista ofuscava.

Mais Zabé, você me tinha mais não me queria
Era só o benefício do que era estar comigo
Você vinha, eu lhe atendia
Dinheiro muito eu lhe dava
Você bebia, eu pagava
Tú muito se divertia
Nos forró com tú eu ia
Dançava e como dançava
Era mermo uma pé de valsa
Quanta leveza no andar
Era bela
Como uma pomba a voar
E eu olhava... olhava e me alegrava
De te ter alí, toda minha, era isso
Só isso que eu sonhava

Mais o tempo foi passando e você se revelou
Do tempo daquele amor muito pouco ainda existe
Comigo, num sei porque, tu, teimosa, ainda insiste
Entendo que é a dor da tua própria consciência

Tú sabes tudo o que eu fiz, o tanto que eu fui bom
O tanto que alimentei os teus sonhos, teus caprichos
Quando você se acordava, eu ali a te esperar
O seu café já era pronto, e você só degustava
Se arrumava, produzia, a seguir se perfumava
Saía a bater pernas pelas ruas da cidade

E caminhava, sorria, e a todos tú encantava
Mais amor pouco me dava, só mesmo me consumia
Com seu jeito despachado tirava a paz dos meus dias
Então resolvi dar fim no fim que não terminava

E foi assim, foi aí que tomei a decisão,
acabar com essa ilusão que me fazia sofrer
Queria um amor de verdade, aquele abraço gostoso,
aquele beijo amoroso 
aquele amor demorado que não podias me dar...
Te mandei embora, eu tinha sim que mandar,
da minha vida se foi, foi triste te ver partir...
um amor que não deu certo, lembranças demais amargas...
Vou continuar na estrada em busca de novo amor
Agora quero um mundo novo,
Novos sonhos, descobertas
e que Deus me auxilie nessa nova caminhada
Tenho certeza que um dia em um lugar do caminho
Um novo amor surgirá, aquele amor de verdade
Que vai estar me esperando
Que vai me querer chegando

E você Zabé, já era
Não vai ser mais como era
Um novo amor em começo
Nova rota da esperança
Um novo passo na dança
Deste infeliz desfecho.

Roberval Paulo 

SE EU FOSSE SOLTEIRO - Roberval Silva


Ah!
Se eu fosse solteiro
E ela também
Se ela me olhasse
E eu a ela também
Se ela me quisesse
E eu a quisesse
Se nós nos amasse
E nos desejasse

Se ela me querêsse
Seria um oásis
Em pleno deserto
Amor certo, dicerto
Seria uma flor
Em meio ao jardim
Seria enfim
A noite morrendo
O dia nascendo
No meu coração

Seus olhos dizendo
Te amo amor meu
Era você e eu
E o mundo lá fora
O amor de agora
Seria pra sempre
Tú serias meu mundo
E eu tua canção.


Roberval Silva

ORAÇÃO! - Roberval Silva


Senhor Deus!
A tua luz em nossas vidas.
As tuas bênçãos em nossos caminhos.

A tua verdade em nossa estrada 
e o teu amor em nosso conduzir.

Senhor Jesus Cristo!
Fracos e pecadores que somos, 
                                      somos, em nós, 
a tua imagem e semelhança.

Nos conduza na estrada da paz 
                                      e do bem caminhar
Nos guie pela estrada 
                                 do bem servir.

Que assim seja sempre!

Amém!

Roberval Silva

Blog Roberval Silva: PASÁRGADA NÃO MAIS EXISTE - Roberval Silva

Blog Roberval Silva: PASÁRGADA NÃO MAIS EXISTE - Roberval Silva:                                   Uma singela homenagem ao poeta Manuel Bandeira (in memoriam) Vou-me embora daqui                   ...

PASÁRGADA NÃO MAIS EXISTE - Roberval Silva


                                 Uma singela homenagem ao poeta Manuel Bandeira (in memoriam)

Vou-me embora daqui                                                                     
Daqui pra um outro lugar
Aonde eu possa ter uns seis anos mais ou menos
E todos os meus problemas sejam sonhos de criança

Vou-me embora daqui
Eu sei que há um outro lugar
Aonde eu possa viver sem tudo me incomodar
Aonde eu possa existir existindo de verdade
E possa contar estrelas sem verrugas me nascer

Vou-me embora, vou-me embora, eu sei que já vou embora
Vou porque está em mim o desejo de partir
O lugar já não existe, aqui não existe nada
Não posso mais ser tão triste, preciso me encontrar

E quando a noite chegar
Quero um sonho que amanheça
E quando o dia acordar, eu já distante daqui
Aí vou querer voltar aos seis anos mais ou menos
Aí vou querer viver sem tudo me angustiar

E vou querer existir existindo de verdade
E vou poder encontrar-me no lugar de onde eu vim
E os meus sonhos de criança vou poder recomeçar
E não vou mais ser tão triste, vou até me alegrar

Pois não encontrei Pasárgada
Pasárgada não mais existe
Não vou nem mais querer ter vontade de me matar

À noite só quero amar
À noite só quero amar
À noite só quero amar sem medo de ser feliz
É que aprendi que a vida é a realidade que há
A realidade que é minha
A realidade que é nossa
A realidade da qual
Se vence no caminhar.


Roberval Silva

DO LABIRINTO À SAÍDA - Roberval Silva


Eu quase que nem mais choro
As lágrimas me abandonaram
As explorei tanto e tanto
Que elas de mim viajaram
Se foram, se dissiparam
E eu fiquei meio assim
Não sei nem como é que estou
Assim, olhando a distância
Os olhos fixos, parados
Paisagens se vão passando
Pessoas vão caminhando
E eu passando ao largo
Tô vendo e não estou vendo
Sinto-me alheio a tudo
Que já me foi mais amado

Sabe como é que é?
Você já se sentiu assim
É como se em todo o mundo
Nada mais lhe interessasse
Como se a vida acabasse
Sem ter chegado o seu fim
Não sei nem mais como agir
As forças que um dia eu tive
Os combates que travei
Quantas batalhas venci?
No trem do tempo me vi
Quão lutas vitoriosas
As glórias glorificadas
Essas glórias alcançadas
Será que tudo perdi?

Os olhos fixos, inertes
E a cabeça rodando
O pensamento pensando
Eis que me vem um alento
Olha lá fora, é o vento!
Que continua a soprar
Eu me sou tal qual o vento
Nada me pode estacar
Nada me pode deter
Uma dor? Eu mando embora
Insegurança, se manda
Angústia não é demanda
Vou prosseguir e é agora
Persistir no meu querer
Lançar todo o medo fora

E o vento me invade o peito
Encho os pulmões de alegria
Nos olhos meus já se abria
A janela da esperança
Ah! Deus, como a vida é bela
Como é gostoso viver
O despertar todo dia
A hora do entardecer
A tua mão me mostrando
Qual o caminho a seguir
O teu amor infinito
Extravasando em mim
Oh! Deus, estou caminhando
A vida recomeçando
Tua face contemplando
Razão do meu existir.


Roberval Silva