domingo, 17 de fevereiro de 2019

EU METAFÍSICO SER - Roberval Silva


Acordara mais cedo naquele fatídico dia. Ainda meio sonolento, me peguei respondendo a mim antes mesmo de proferir-me qualquer pergunta. Era de costume, ao acordar, sentar-me à cama, procedendo à primeira oração do dia; aquela oração do desejo de bom dia ao mundo, aprendida ainda no tempo de criança pela insistência e persistência de minha mãe, para que levássemos para toda a vida esse encontro com Deus no abrir dos olhos.

Naquele dia, o sobressalto veio-me primeiro e a tão tradicional e necessária oração da manhã não foi proferida. Tudo estava diferente. Parecia-me até que era o tempo mergulhado em um novo tempo, uma nova era. Tudo era novo, apesar da velhice do mundo. Até eu carregava sintomas de ser outro habitando em mim.

Faltou-me a coragem de levantar, sentia-me indisposto. A cabeça frívola, mas o corpo dormente ansiava por mais repouso. Tornei a deitar-me e no fechar dos olhos viajei. Sonhei transpondo um ambiente até então de mim desconhecido, mas que me atraía feito o beijo da mulher amada e impulsionava-me para o certo e misterioso encontro que eu sabia que tinha que acontecer, porém sem a eu ser revelado o que seria.

Era quase um caminhar para o desconhecido, sabendo dos riscos, do perigo existente e iminente, da possibilidade do não poder voltar, mas, indo em frente, sem temor, tal era a atração exercida em mim por aquela realidade sonhada. Realidade sim, porque, mesmo em sonho, esta se mostrava a mim mais real do que o meu existir. Bem mais real do que a água dos olhos. Ainda mais real que o amor da mãe pelo filho.

Fui tão longe nesse sonho que temi não mais encontrar o caminho da volta. Cruzei montanhas e vales que de tão belos pareciam miragens.  Era tudo, na verdade, um sonho, mais a paisagem, essa sim era real e o orvalho da manhã molhava meus pés e olhos, eriçando os meus pelos e causando arrepios até na alma.

Meu espírito deu saltos de alegria e medo e a alma retornou ao corpo, vívida e ávida de amor, alegrando meu ser que despertava a sorrir, dando-me a impressão e sensação e o próprio sentimento do alto conhecimento. Era como se fosse a chegada de um novo eu apresentando-se a mim antes mesmo de conhecer-me.

Eu me sorri ao despertar e levantei-me outro, mesmo sendo somente eu ali diante do espelho.  Pensei e mais pensei e concluí que era o outro do eu de mim que acabava de completar o meu existir. Sorri para os dois de mim que era eu só; somente eu. Não queira entender, pois acho que nem eu mesmo entendo.

Mas é assim, está sendo assim e lá me vou eu pela estrada, sendo muito mais do que eu só. Sendo tantos, muito mais do que dois que agora vivem em mim, tornando-me um múltiplo ser que vem me revelar o novo, e, inexoravelmente, a manter e fortalecer a minha singularidade.

Roberval Silva



QUASE UM EPITÁFIO, UFA! - Roberval Silva


Passa por mim o vento com açoites
No meu ser;
É o único a me sorrir ao me despir por inteiro
Me despir dos sonhos que ora já não mais sonho
Da luz que não mais clareia
O meu andar peregrino.

Passa por mim o verde que um dia foi esperança
Uma esperança morta que se fez viva de dor
Da dor de não poder nem mesmo sentir dor
Da dor de não doer o sacrossanto mistério do amor
A lâmina fina que talha o íntimo da alma
A alma indolor.

Passa por mim o sonho
A insônia da surrealidade
Meu espírito ardendo em febre
Meus dias corroídos pela dor social
Pela sede insaciável
Pelo ser desvirtuado
Pelo ter exacerbado
Pelo azeite intragável
Pela luz que já pagou o seu doce brilho frágil.

Passa por mim a vida
Passa por mim o seguir
Passa por mim o partir
Que a morte não que nem saber de ti.


Roberval Silva

sábado, 16 de fevereiro de 2019

O CONTRADITÓRIO - Roberval Silva


Um dia e noite de luz que me faz sorrir e chorar mesmo que não possa fazer o sol brilhar e a lua expandir seus raios pelas pradarias e colinas que azulam a vida e o mar de seus olhos que me ferem a alma qual faca virtual em ser iluminado e não palpável 

venho sorrir-te e abrilhantar meus dias com os pensamentos envoltos em ti que pensar é sonhar e sonhar é ter conseguir realizar  querer   achar se deleitar em teus beijos mãos e corpo e horizonte 

viajar voar sem ter os pés ao chão mas seguro pela tua mão que me enlaça e me faz homem voltando à terra pós viagem mais alucinante de prazer e glória de ser e de estar realizado 

solto e preso em nós que somos um mais que dois três dez mil e uma forma de amar e cantar zelar cuidar que o nada floresça e seja tudo de nós em todos e ainda assim me seja fonte de lua e estrelas 

cachoeira de sonhos em regato de verde esperança e encantos prazeres mil folhagem espessa abrigo ninho de amor você e eu e o sol violeta de cor e beija-flor beija rosa morena açucena qual amanhecer serena paz fugaz 

pelo ar revirar envaidecer desaparecer e tornar transparente pungente brisa serena alvura brancura açoitando o peito rasgado punhal de gelo em noite quente indulgente suar transpirar o frio sol de junho 

pólo sul e norte norteando o trópico do meu sentimento em cristal de fino trato frágil caído quebrado esfacelado na incompreensão do ente amado desejado mais que pura água cristalina 

cristalino ser banhado de lua irmão irmã alma gêmea e um servir mais amor que senhor pedaço de mim esculpido em um dia que me faz sorrir e chorar e o sol brilhar 

e a lua expandir seus raios azulando nossas vidas atadas somadas divididas lançadas ao mar e mundo de um existir mais nuvem-luz que fosco-alvorecer.


Roberval Silva

VAGUEANDO POR MINHA ESTRADA - Roberval Silva


Nas letras e livros que passaram pela minha estrada, 
vi a força do tempo, e, através deste, 
letra após letra, feito tijolo, 
fui construindo meu caminho... 
e minha história.

E aqui estou, degrau por degrau, 
galgando a escada do saber e da vida
Que tão grande é para tão pequeno ser. Mas, 
possível de escalar
Quando se tem na mão, os livros
E as letras, na mente
E na mente, o sonho
E o sonho em DEUS.

Hoje, mais do que nunca, 
compreendo a existência de uma força maior... 
Superior.
Sei que essa força me ajudou 
a seguir por este caminho.

O caminho do saber
O caminho do ser e não do ter
O caminho que me abrirá portas e janelas
Trazendo-me à luz dias mais claros e mais justos.

Roberval Silva

CONEXÕES - Roberval Silva


O mistério da noite está na sua cor
A cor que na cor do dia se encarna
E o dia chega à noite e se desgarra
Derramado outra vez na sua própria cor
Devolvido outra vez à sua própria dor

O rio corre lento e deslumbrante
Pois a pressa já o levou a derramar
Agora o seu derrame é só no mar
Citadino ou campesino é o seu fim
E o mar é só o começo de mim

O vento vai sereno e desordeiro     
O tempo comedido segue atrás
O tempo passa e o vento se refaz
Cansou de se espalhar em desatino
Vai na trilha que cumpre o seu destino.


Roberval Silva

AS AVESSAS - Roberval Silva


Ando assim pela cidade
Construindo o meu caminho
Meus passos em desalinho
Que quase inaudíveis são
Vou sorrindo pra humildade
Do meu pobre coração

Como este é inocente
Leva a missão da semente
A graça na ingratidão
De quem dá e não recebe
E da semente faz fruto
E vai se vestindo em luto
Pra alimentar seu irmão
Da ida nem se apercebe

Veja bem como é o destino
Como é a vida da gente
Que no porvir da semente
Vai viver de solidão
Luta pela ilusão
De se agarrar ao seu ninho
De se prender no caminho
De colher o que plantou
Mais a maldade gritou
Remexendo o sal da terra
Não é quem planta quem colhe
Quem ama também faz guerra.

Ando assim pela cidade
Construindo o meu caminho
Meus passos em desalinho
Que quase inaudíveis são
Vivendo a realidade
Do meu nobre coração.


Roberval Silva

ANDANÇAS - Roberval Silva


Fiz de quase tudo um pouco
Quase tudo do que eu quis
Ao escolher ser feliz
Disseram-me: és um louco
Olhei e fiz olhos moucos           
Caminhei pro meu destino
Levei a poção menino
Fortalecendo a esperança
Nas curvas da minha andança
Fiz da alegria o meu hino

Me fiz na canção da estrada
Fui o burro do oleiro
Fui meu próprio candieiro
Capitão da minha armada
Na abóbada borrada
Vi disforme a pradaria
E o rio que me seguia
Alinhava o meu caminho
Nutria o meu pergaminho
Escrito dia após dia

Compartilhei pela vida
Muito do que recebi
Pois recebendo entendi
O que vem tem que ter ida
A minha bandeira erguida
Meu cavalo marchador
O meu cão farejador
Minha donzela a esperar
Posso eu até falhar
Mas não por falta de amor

Ando ávido por amar
Até o amor que não tive
Aquele amor que se vive
Só pra com ele encontrar
Sem saber onde vai estar
Sem saber mesmo se existe
Sem saber porque persiste
Mas persiste sem ter conta
É tanto amor que desmonta
O amor que ao amor resiste

Caminhei por entre flores
Pisei em pedras e espinhos
Desaninhei do meu ninho
Pra repor as minhas cores
No teatro dos horrores
Eu fui a representar
Ao ver o sol clarear
Eu desvestido de mim
Vencia as dores assim
Repensando meu pensar

A dor me veio, chorei
Quando alegria, sorri
Era pra ir, eu parti
Fim da estrada, cheguei
Noite e dia caminhei
Era o tempo de andar
Se foi vai ter que voltar
A vida é de ida e vinda
É que a jornada se finda
Pra de novo começar.

Roberval Silva

DIAS CINZENTOS - Roberval Silva


                                                                  O sol há de brilhar mais uma vez...

Meu olhar cinzento se engasga na lonjura do nada
A noite desce amarga qual notícia trágica de jornal
Mas amada, muito amada!
É ela que me cura da cura incurável
A incurável cura de misturar metafísica e sonho
De pendular entre realidade e abstração

Tô cansado do caminho que não fiz
Aquele caminho que só pensando se chega
O ser em viagem mística e cigana
Transpondo barreiras do cosmos
Os pés cravados no verde
O verde no mar
O mar dos teus olhos
Teus olhos de mar!

A noite me conta segredos
Segredos guardados em dias que estão por vir
Meu desafio tem meu nome
Esta guerra presa em mim
Sou eu batalhando em Stalingrado
Resistindo pra nessa guerra por fim

O copo que me assiste me sorri
Entrego-me ao seu convite
Trago narcisista, quase fascista
Altruísta, insaciável
Whisky abranda até torpor
Não sou alheio à dor

Da janela a noite vai se dissipando
Reluto ao primeiro raio da manhã
Me encontro na última estação de mim
Onde desapeio sem ter chegado ao fim
A aragem me saúda no seu passar
E me diz do sol que há de brilhar mais uma vez

Dia novo, sou novo
Sou outro, mas continuo em mim
É o despertar de um quase sonho
É o real que de mim quis desistir.

Roberval Paulo

ENSAIOS - Roberval Silva


  • ENSAIO 1


FELICIDADE

Ser feliz é cantar na solidão
Encontrar a razão de ser sozinho
O perfume da rosa tem espinho
Tudo aquilo que sobe volta ao chão
Ser feliz é andar na contramão
Desfrutar da beleza do universo
Ser feliz é cantar em prosa e verso
Recriar a ilusão no dia a dia
Refletir na tristeza e na alegria
Preterir a razão ao coração

  • ENSAIO 2

O BEIJO

Um instante mágico revela
Se o mundo acabar, nem te ligo
É que beijo, tem o proibido
Um que é pecado, outro que revela
Tem um que desperta alibido
Faz girar quem está firme no chão
Faz o homem andar na contramão
A mulher esquecer os seus pudores
Enche o peito e a alma de amores
E a razão abandona o coração.

  • ENSAIO 3

DOCE AMARGO

Era tanto amor
Difícil de entender
Qual sonho de luar
Na linha azul do mar
A se doar e perder

Fogueira de paixões
Explosão de desejos
Uma lágrima a rolar
Na pele alva a corar
Um doce e amargo beijo.


Roberval Silva

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

MENORES ABANDONADOS - Roberval Silva


Pe. Zezinho escreveu em uma linda música da sua imensurável obra, que carrega exatamente esse título: "MENORES ABANDONADOS / Alguém os abandonou / Pequenos e mal amados / O progresso não os adotou". (Pe. Zezinho).

Realmente, o progresso não os adotou. 

Renato Russo questionava, em um outro momento e situação: "Que país é este? Que país é este?”

E eu questiono até hoje, sem poder disfarçar a tristeza da impotência e a naturalidade e normalidade do mea culpa. E, revestido de uma amarga revolta, parafraseando Renato Russo, replico: Que progresso é este? Como chamar progresso um sistema que abandona crianças que ainda nem gente "adulta" é ao destino das ruas sem direção e ao acaso de tão malfadada sorte? Que modelo de sociedade construímos? 

E ainda batem no peito e mostram a cara lavada e sem culpa nem vergonha nenhuma dizendo que a onda agora e necessidade primeira é um tal desenvolvimento sustentável. Que precisamos continuar nos desenvolvendo, porém, sem agredir e sem destruir. Não sabem o que estão dizendo. Ou sabem e disfarçam a realidade nua e crua pela fantasia de um discurso e de um sistema que exclui, segrega e extingue vidas das mais diversas todos os dias. 

Quer agressão maior do que matar e aniquilar sonhos e desejos de gerações inteiras?

Quer agressão mais cruel do que continuar a deixar dormindo quem ainda nem acordou?
Como redimirmos-nos um dia por ferirmos com aço letal e fatal os sonhos coloridos de cores mil do tempo de criança e transforma-los na fatalidade clara e real do preto no branco essa geraçãozinha que continuamos cinicamente a dizer e com todas as letras que esses são o futuro do amanhã? Quanta hipocrisia. Que sociedade continuamos a reinventar e aprimorar mundo e tempo a fora. Porque, salvo as conquistas tecnológicas que atende, se manifesta e se consolida em todas as áreas, tudo dá no mesmo. Tudo tá no mesmo ou seja, a dominação dos mais fracos pelos mais fortes continua. 

Foi assim desde os primórdios e continua tudo igual. 
Aí vem os grandes estudiosos e falam de evolução da humanidade. Das conquistas, das descobertas. Dos modelos de sociedade construidos, modulados, destituidos e reconstruidos ao longo do tempo da existência humana. Das relações humanas, dos valores éticos e morais. Da revolução na indústria, do crescimento e consolidação do comércio, das relações comerciais internacionais. Do intercâmbio e interação dos governos. Da integração econômica mundial; transnacional. Da interferência e ingerência dos governos na cozinha alheia, onde não lhes dizem respeito.

Enfim, da globalização. Enfim, da maximização dos ganhos em geral por quem detém o capital, seja de onde for, seja onde for. Não importa a origem. Seja asiático ou árabe, europeu ou ocidental, lícito ou ilícito, fruto da exclusão ou da extinção do que seja, mesmo que sejam vidas, o capital é o capital e como tal é tratado em qualquer destino a que se dispuser chegar e normalmente e legalmente, é recebido com pompas e com todas as honras. 

Que bonitinho. Tudo está igual desde quando começou. Fico tão baratinado e perdido quando passo a analisar que não sei a quem atribuir culpas e responsabilidades. Acho que a todos nós mesmos, enquanto sociedade que somos. Porque desde as antigas gerações é assim; os fortes e os grandes dominam e aos mais fracos e pequenos, cabe calar e aceitar.

Na geração dos dinossauros, igual. Dos homens das cavernas, na idade da pedra, tudo igual. Na geração de Adão e Moisés, tudo igual continuou. Quando JESUS CRISTO veio ao mundo para tudo mudar, tudo continuou exatamente como estava, no mesmo. O que esperar mais? Em que ou em quem acreditar ou por qual causa lutar se a história e o passar dos anos, geração por geração, nos mostra que nada mudou. Lá no livro bíblico do Eclesiastes, este já dizia: "Que é o que foi? É o mesmo que o que há de ser: Que é o que se fez? É o mesmo que o que se há de fazer. Não há nada que seja novo debaixo do sol, e ninguém pode dizer: Eis aqui está uma coisa nova. Porque ela já a houve nos séculos que passaram antes de nós. Não há memória do que já foi, mas nem ainda haverá recordação das coisas que têm de suceder depois de nós, entre aqueles que hão de existir em tempo a elas muito posterior." Eclesiastes, cap. 1, vers. 9-11.

Ele estava certo, mesmo tão questionado em seu tempo. Realmente não há nada que aconteça que se possa dizer: Vêde, isso é novo.

Sociedades e governos, em batalhas e guerras, continuam se degladiando e vencendo o tempo e, praticando tudo do igual. 

O homem, nós, somos por nós mesmos, ambiciosos e trazemos junto à ambição o seu companheiro inseparável, o egoísmo. Aí está tudo e pronto. Com essas características que são nossas por natureza e tendo a oportunidade de desenvolvê-las, o resto que se dane. 

Não importa o outro, quero saber é de mim. Não sei quem chora nem porque chora e isso não me importa nem me diz respeito, desde que eu possa continuar a sorrir. Essa é a nossa realidade. 

Emily Bronte, grande escritora e poetisa britânica do século XVIII, autora de O MORRO DOS VENTOS UIVANTES entre outros tantos, que publicou a sua primeira obra com o nome de homem em razão da segregação feminina da época, escreveu: "Se a mais vil das criaturas me esbofeteasse, eu não lhe retribuiria a ofensa e sim pediria desculpas por tê-la provocado." (Emily Bronte)

É bonito isso, muito fácil de dizer e até de escrever, sem precisar recorrer à grande escritora. Agora, viver é que são elas. Não carregamos em nós, apesar de sermos em mesma natureza, o espírito bondoso de JESUS CRISTO, que ofereceu o outro lado do rosto quando foi esbofeteado. Estamos mais para a popular lei de Gerson do bateu levou. É a lei do toma lá da cá e o resto que vá pras cucuias.

Falta amor ao próximo, como JESUS tanto pregou e difundiu e, principalmente, amor a nós mesmos. Este foi o legado de JESUS quando veio ao mundo: "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo." Mas nós, absortos e envolvidos que estamos e somos pela sobrevivência, diga-se de passagem, louca sobrevivência, não o demos ouvidos e não o entendemos e sim, o condenamos e o crucificamos.

Este mundo não pode ser abençoado se matamos aquele que dizem até hoje ser o nosso salvador. Podemos estar condenados por tempos sem fim e assim, levamos a condenar as nossas crianças.

E JESUS CRISTO, em sua infinita bondade e divina sabedoria, disse mais: "Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o reino dos céus."

Não o entendemos e não fomos capazes de o atender em seu mais doce e sublime ensinamento e, por isso, as nossas crianças andam ao léo por aí, pelas praças e becos e sinais e pontos de drogas e de prostituição das grandes cidades, tão maltrapilhas e esfarrapadas, tão esquecidas e abandonadas, tão exploradas e sacrificadas que nem crianças parecem. 

São os filhos da luz que receberam só trevas nessa sua morada terrena mas que, um dia, podem ter certeza, subirão em luz para a luz da qual originaram, enquanto que estes, os mandantes, governantes, detentores do vil metal e acumuladores de riqueza e da desgraça alheia, esses irão e terão como morada  o...

Ah! Deixa pra lá. Deixo estes ilustres às moscas e me recuso a falar sobre eles.

Que o tempo e a estrada que a tudo faz nada e morto e igual se encarregue de tudo e que nossos filhos e netos e assim por diante nos conduzam à quarta e última geração e dimensão, tão além deste mundo. Simplório mundo de carne e lama. 

E que sejam perdoados os nossos pecados, se houver perdão.

Roberval Paulo


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

DO OUTRO LADO DA VIDA - Roberval Silva


Lá não fui para saber como é e confesso que eu não tenho ideia de como é e nem sei quando é a hora da chegada ou da partida e não imagino como possa ou deva ser o mundo do lado de lá, do outro lado da vida.

Penso às vezes que nada existe daquele lado de lá onde tudo é mágico.
Onde tudo flui ao natural qual sendo as águas caudalosas do rio que desce ao mar e nem sabe existir o caminho de ao seu curso voltar.

Mas como falar de lá se lá não estive?
Como saber de lá se quem foi jamais voltou?
Penso um dia desvendar esse mistério
Penso um dia conhecer este segredo.

Mas como conhecer um caminho que não volta?
Como enfim regressar numa estrada que é só ida?
Como poder descansar num leito desconhecido que de terra é o cobertor e a alma segue vagando, sem corpo, a alma viva?

Quis fazer essa viagem e sonhei sendo levado por um anjo decadente que tinha as feições da morte e até foice carregava com sua túnica de branco tão negra que nem luzia
e ia a levar a vida para além da vida matéria.

E além do vale abissal o precipício se abria e o corpo se redimindo ao precipício chegava e a sua casa o esperava e ele nela dormia o sono eterno do nada. E a alma se rebelava e o corpo ela renegava, abandonava o que era o seu casulo de cêra e este se desmanchava no chão que a tudo comia. E a alma, nova, andava, seus pés voando no dia e a noite ela perseguia buscando a luz que foi sua quando sorria na rua da casa do seu amor.

E a alma quis regressar. Eu pensei em regressar e fui assim agarrado por dez mãos, sete cabeças e um corpo desengonçado que mais parecia um santo mais um santo desviado que louco e desesperado não me deixava voltar.

Não era maldade sua que em mim se agarrava era porque tinha visto em mim uma companhia. Do outro lado da vida solidão muita eu vi, anjos vagando sozinhos procurando por seus corpos que ficaram em outro plano dali bem distanciado, distância essa impossível de vencer só com vontade.

Consegui desvencilhar-me de mãos e pés me segurando e me mandei dali fugindo pés correndo e alma pensando pois em mim estavam juntos alma e corpo eram um só e foi minha salvação essa junção esse conjunto e percebi nesse momento ser existente dois mundos um de alma outro de corpo que se encontram aqui no seio da nossa terra na hora do nascimento e juntos seguem vida afora até chegarem juntinhos na encruzilhada da sorte, o mesmo ponto da morte, para ali se separarem e assim se desgrudarem e não mais serem um só e agora feitos em dois o que antes era um só cada um segue sozinho o seu mais novo caminho e nada sabe um do outro nem nada do que viveram, são em si seres estranhos que nem memória carregam pois foi tudo deletado no exato e real momento da inevitável separação.

Cada um no seu quadrado, o corpo deitado em terra a se fundir e se encontrar com a sua parte maior, a terra, a mãe de todos, a alimentar sabiás e laranjeiras e matas e águas e até novos sonhos e a alma no seu espaço busca o vazio do verde e vaga só e sem corpo, só espírito a vento tocada a procurar pela luz que está em qualquer lugar do universo esquecida e que é alimentada por novas almas a chegar cujo destino é vagar e vagando vai renascer em nova vida explodida fundida à vida matéria em nova missão investida.

E quem vai, de nada leva; quem fica, de nada sabe; quem volta, nada não trás, são seres virgens em começo início de um novo ciclo que vai rodar e alcançar o outro lado da vida onde tudo é o fim do fim chegando aos tropeços e ao seu começo que vai findar quando a página do velho mundo virar e quem foi de lá será ao outro lado jogado e nunca mais os dois lados vão querer se separar pois a estação da chegada é a mesma da partida e o lado de cá será o outro lado da vida.

Roberval Paulo

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

PLENITUDE DO SER - Roberval Silva


Quero o poder
de não me dobrar
ao poder do dinheiro.
Quero ter dinheiro
mais quero o poder
de ser o seu dono
e não o contrário.
Quero o poder,
            de não ser egoísta,
            de não pensar só em mim.
Quero o poder de tirar do caminho
                        o que me faz mal,
                        o que faz mal à sociedade,
                                   como um todo.
Quero o poder da igualdade,
quero partilhar;
            partilhar idéias, sonhos,
                                   desejos,
                                   vontades;
partilhar o pão
alimento da vida;
partilhar meu sangue
                                   se preciso for.
Quero ser gente; apenas gente.
Quero ser povo
            e ser esperança.                               
Quero um sono tranqüilo
nas noites frias de inverno
e um cobertor de céu
para me aquecer.
Quero uma rede
pra me embalar
e fazer no balanço
                        o balanço da vida,
pra esfriar minha mente;
            e refrescar meu corpo;
            e aliviar meu peito;
            e acalmar meus sonhos
em dias de calor.
Quero ser ponte para unir,
                                   para ligar.
Me ligar com as cidades,
                                   com os povos.
Me ligar com a terra,
                                   com o velho
                                   com o novo.
Me ligar com o mundo,
            com as dores do mundo
            com as coisas boas do mundo.
Me ligar com a vida
que é ligada à morte;
à morte do índio, da branco, do negro;
à morte do cão, do lobo, da ovelha;
à morte do justo; à morte do ímpio;
à morte igual do fraco e do forte.
E continuar a ligar;
            me ligar com você,
            me ligar comigo mesmo
e me ligar com DEUS.
E quero ser fonte,
a fonte incansável,
a correr sem parar,
                        sem se abater;
insaciável, a deslizar
            pela encosta dos montes;
            pelos vales do sol,
                        vales das sombras,
em sua corrida interminável;
levando em seu seio,
                                   apenas água,
                                   límpida água,
que lava tudo
que lava a terra
que lava o pecado
que sacia a sede,
                        a sede do mundo;
Que lava minh’alma
e a sua alma
e as nossas almas, e todas as almas
e nos faz um carinho
e nos leva daqui
a um lugar distante
mais perto dos céus
bem junto de “DEUS”.


Roberval Silva

CONEXÃO -- Roberval Silva


        
A flor
         Desabrocha pro rio
         E ele chora em seu leito
         A saudade da serra

                            O sol se derrama
                            Em lágrimas de fogo
                            Por não ver a lua  
                            Se lança na terra
                                              
                                               E a terra, corada
                                               Começo e desfecho
                                               Desfralda e descerra
                                               A bandeira da vida
        
                                                                  O homem, matéria
                                                                  Abre a porta pro espírito
                                                                  O resto é detrito
                                                                  Sem céu, sem saída


Roberval Silva

FLOR, VENTO E BEIJA-FLOR - Roberval Silva


Por amor feristes
Este meu coração
E sem mais ter razão
Me vi no vazio
E na dor da paixão
As lágrimas rolaram
E se precipitaram
Formando um rio
E olhando esse rio
Presenciei uma cena
Que me causou espanto
E muita emoção
Uma flor se abriu
Fez figa e se fechou
Pro seu beija-flor
Que a esvoaçou
E só vendo os espinhos
Ficou tão tristinho
E bem longe sumiu

E voou o beija-flor
Sem a sua flor
Se viu tão sozinho
Saiu do caminho
E se espatifou
Nas pedras do chão
E em lamentação
Pobre colibri
Ali sucumbiu
E ali ficou
Jogado às traças
Em sua desgraça
Abraçando a sorte
E o vento do norte
Passando lhe viu
E lhe indagou
Quê que foi beija-flor?
E ele respondeu:
minha flor não sorriu

Pra mim se fechou
E sem o seu olor
Meu sonho morreu
E o vento sofreu
E se apiedou
E soprando chegou
Onde a flor dormia
E disse: flor do dia
Flor da noite, flor do tempo
Eu sou o Deus vento
Levo ar a todo ser
E venho soprar a você
Que o beija-flor está sofrendo
Sem seu beijo está morrendo
É só pena o coitadinho
Não é nem beija, nem flor
Venho pedir-lhe um favor
Se abra a esse bichinho
Que só tem pra ti, carinhos

E leva a vida a adejar-te
Só te fazendo carinho
E sem ti está sozinho
Sem vida, sem razão de ser
É certo que vai morrer
Não deixe que isso aconteça
Vai me doer na cabeça
E posso não mais soprar
E sem meu sopro, o mundo
Não pode mais respirar
E tú também vais morrer
E as vidas vão se acabar
E eu vou ficar sozinho
Perdido e sem carinho
Sem movimento, então morro
Tudo em nada vai virar.
E a flor, compadecida
Viu o mal que tinha feito
Chorou muito e com efeito
Se abriu num lindo sorriso

E a última lágrima, rolando
Foi levada pelo vento
Qual gota de cristal líquido
No beija-flor foi batendo
E ele logo, renascendo
À flor um beijo ofertou
E agradeceu ao vento
Que sorrindo se afastou
E de tanta emoção
Chorava que soluçou
E soprou brisa no mundo
Nos quatro cantos caiu
O campo todo floriu
E tudo verde ficou
Flor e Beija-flor sorriram
E o vento a mim chegou
E me vendo acabrunhado
Me envolveu num doce beijo
Que minha face corou

E foi logo perguntando
O que tinha acontecido
Lhe contei, entristecido
O meu amor me deixou
E ele disse, já resolvo
Não precisa mais chorar
Antes que esse sol se vá
Teu amor eu trago aqui
E saiu a te buscar
E eu fiquei  esperando
Pensando que era o fim
E o vento me trouxe à vida
Achando minha flor perdida
Lá pelas bandas do mar
E lhe ensinando a amar
Trouxe-a de volta pra mim
E aqui estamos nós
Dois seres e uma só voz
Sorrindo, juntos enfim.


Roberval Silva