segunda-feira, 21 de outubro de 2019

PAZ INQUIETA - Roberval Paulo


Esse dia que ora se inicia
e que traz-me de volta,
ao alcance de um olhar,
os fios dourados da manhã
aureados pela luz do sol
e brilhando feito o brilho do existir
faz-me pensar
quão grande és tu
e o quanto pequeno
me sou neste sonho

Não tenho a dimensão
nem o limite
do infinito onde habitas
ou estás

Mas sinto a tua presença
Na manhã e no sol
No orvalho e na relva verde
No rio que caudaloso corre
Na cantiga e frescor do vento

Na quietude do tempo
Que ornamenta
a paisagem da vida

Na folha da palmeira
Que profere um canto
Da mais inquieta paz

Inquieta porque meus ouvidos atentos
Alvoroçam ao escutar-te
E cheios do teu amor
Condensam em mim
A luz de todo o universo

A mim só resta agradecer
e sorrir compassivo
diante da tua magistral grandeza

E realimentado
De brisa e de paz
Lá vou eu, um novo viandante
Que embora estradando
A estrada errante
Entendi que o caminho
O caminhante é quem faz.

Roberval Paulo

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

VIDA! - Roberval Paulo


É assim, não se explica.
Nascer, viver e ser somente e nada mais.
Os dias chegam como se só vidas trouxessem e vão-se em noites de sonhos por terminar.
A manhã rejuvenesce; a cada manhã sou mais velho.
O vento virgem da manhã torna mais velho quem por ele passa.
É que a manhã traz vida nova ao mesmo tempo em que envelhece vidas já dormidas.

Os destinos se confundem nas tantas encruzilhadas e confluências do ser e do existir.
A vida, por si só, segue em frente e não se individualiza.
Vive de si mesma e não retrocede nunca.
Vive de si mesma, descompromissada e livre e além das comprovações científicas, porque a vida vive para todo  o sempre – viva – superior a tudo e a todos.

O resto é sobra, e nada, e morte, e inexplicável.
Inexplicável também o é, a vida, mas,
porque abraçá-la com suspeitas e dúvidas,
se o que vale é viver?
É acaso o dia maior que a noite?
Será a ciência a contraprova da fé? Ou vice e versa?
Não é só pelo milagre da vida que é permitido à ciência, existir?
Como por em dúvida a sua própria existência?

A vida vem da vida e traz em seu bojo, a morte.
Dualidade existencial e essencial.
Nascer e morrer. É a lei.
Nascer, viver e morrer, eis a lei e nos basta.

E tudo o mais é especulação.
Vida que segue sem explicação.
Para todo o sempre. Amém!

E que a terra nos seja leve.

Roberval Paulo

NOSSA DURA REALIDADE - Roberval Paulo


É como se a máxima do cada um por si consolidasse-se ainda mais com a evolução dos tempos e o Deus por todos permaneça só no sonhar surreal dos mais humildes e menos favorecidos nesta seleta maratona da sobrevivência digna protagonizada pelo capital – celebridade em alta – e pelos governos que vêem no capital o parceiro certo e insubstituível para a desigual acumulação material e a consequente produção e manutenção do produto miséria no percentual maior da população, produzida exatamente, premeditadamente e deliberadamente para alimentar o podre e inescrupuloso sistema que tem como combustível para o seu ambiente de luxúrias e prazeres, a fome, a dor da fome e da humilhação de pais, e mães, e filhos e filhas ainda puros, espalhados por esta imensidão de terras sem fim de Áfricas e Américas, em quantitativos que não se conta, que mais parecem estrelas que perderam o seu brilho para o brilho maléfico de umas poucas “estrelas” egoístas que querem para si o tudo do nada, até que o nada nem pelo nada seja mais sentido. Até que o nada nem pelo nada seja mais divisível.

“Estrelas” estas que já não habitam o céu; estrelas que habitam o inferno, se é que este existe, porém, sem demônios; um inferno só de vidas a se acabar pelo completo abandono de quem um dia pensava herdar um céu de verdade.

A nossa realidade não é de luz.
Como enxergar luz em inocentes filhos cadavéricos sugando o seio cadavérico de mãe cadavérica que jaz morta e ainda se sustenta de pé pela vida morta que trás ao seio para alimentar com a teimosa vida que tem dentro de si nas gotas mirradas do seu leite?

Como ver brilho nos olhos inocentes de milhões de crianças que em carne e osso choram a humilhação da fome e do descaso e só desejam um naco de pão e leite para fazerem a alegria dos seus desesperados e impotentes pais e para sustentarem a vida que não pediram pra ser?

Como ainda se iluminar com a deterioração da instituição família que, hoje, desprovida dos seus valores morais, espirituais, de respeito, de caráter e até mesmo de razão, caminha desordenada e desorquestrada para o ambiente “seguro” do ter, perdendo nesta terrível caminhada a razão consciente do ser?
Como enfim dizer que há luz neste mundo desigual onde impera a violência, onde se perdem as crenças e assim recriam outras crenças mais que sempre as novas crenças são só dons de acumular riquezas e mais riquezas materiais, só materiais, e em pouquíssimas mãos em detrimento de uma enorme maioria a quem só sobram migalhas pra seus sonhos suportarem e suportam; e se suportam só com sonhos que com o tempo se vão a definhar, pois que sonhos não alimentam estômagos e sem estes tão necessários alimentos se vão gerações inteiras, sem sonhos, desencantar?

O mundo é desigual; o mundo é desumano. A vida é desumana, mas não precisava tanto. Que todo ser existente e vivente tivesse, simplesmente, sua dignidade e sobrevivência asseguradas e que o justo fosse a diretriz primeira de governos e cidadãos e até mesmo desse capital egoísta que não tem vida própria, mas que vive na pobre vida daqueles que se entendem e se pensam vivos e ricos, não sabendo estes que a riqueza de espírito e de alma é superior e esta não perecerá, enquanto que a riqueza material passará e voltará ao nada de onde se originou, e aí, nada mais existirá a não ser o espírito, o espírito puro e livre das tentações materiais.

Estes, os humildes de alma e de coração, herdarão a eternidade, a vida eterna e, aqueles, aqueles que nesta passagem cultivaram o ter já não mais serão, como nada mais saberão de si. Serão fadados e condenados ao fim eterno que não se sabe inferno ou se panela de ferro, mas que será com certeza de tribulações sem fim. 

Roberval Paulo

CAOS - Roberval Paulo


Estou por aí, na sombra nebulosa da noite, à espera do grito, do sinal, do chicote no açoite do braço. Do tiro perdido, sem alvo, a qualquer alvo, ferindo o peito já ferido e maltratado, amordaçado, desesperançado e desolado, esquecido no beco de uma lembrança apagada. Sem rosto, sem página, sem a história dos dias passados. Futuro incerto, apontado como imprevisível, um tiro no escuro; o momento seguinte totalmente desconhecido.  

Do presente, só o presente, sem embalagem e sem laço de fita. Só a dor da dor vivida e sentida, o sangue agitado nas veias a escorrer pelo horizonte dos olhos. Animal abatido num tiro certeiro, animal racional que, pela irracionalidade social, irracionaliza-se, desnacionaliza-se, e, se perde o sonho rendendo-se à dura realidade, traindo a consciência, perdendo a razão, arquivando as conseqüências e o conceito de legalidade.

Pra suportar, sem opção, só com a cabeça feita e, se faz a cabeça. Consome, se consumindo. Ingere, injeta, compartilhando tudo. Amizade inconsciente, risco inerente; gotas e partículas de morte à prestação, só apressando, antecipando o que já está decidido, escrito nos anais das sociedades. Veredicto social, fatalidade da existência, a morte. Afinal, todos cairão. Coragem irresponsável, covarde, coragem em mim sem ser minha, alimentada pela hipocrisia, pelo descaso.

E eu, sem forças, me rendo, dominado, corrompido. Bicho alienado, fera acuada. Indignado e sem dignidade. Sem direitos, contado para morrer. O que fazer? Aceito passivamente, porém, revido, agrido, matando o que em mim morreu, roubando o que de mim roubaram. É o estágio da decomposição, sem recompensa, assediado por uma falência múltipla de sentimentos. Incongruente, ferindo pela ferida enraizada n’alma, plantada pela Lei do Sistema. Sistema posto, imposto, regado livremente sobre espontânea pressão, opressão, repressão, depressão geral, embrutecido pela demagogia, mantido pela lei do mais forte. Insanidade da sandice dos sádicos que endeusados de poder, pelo poder, acreditam na vida só aqui.

Ledo engano. O processo está sendo montado, a sentença será proclamada. Réu, diante do juiz, sem advogado de defesa, só acusações. O direito à defesa prescrito, findo no último dia de vida aqui. Agora é tarde, muito tarde, demasiadamente tarde. O martelo será batido: “condenado, à revelia, sem recurso”. E a pena será cumprida eternamente, e, todos os anos irracionalizados, desnacionalizados sobre a terra será nada frente ao que virá, posto que tudo debaixo do sol passa. Aqui é só o prenúncio, o prefácio do livro do tempo para a vida eterna, onde um só dia equivalerá aos cem anos aqui passados. Onde a dor ou o gozo serão eternos, resultados do balanço sobre os atos aqui praticados.

Roberval Paulo


terça-feira, 15 de outubro de 2019

EXALTAÇÃO - Roberval Paulo


Ah! Se eu fosse solteiro
E ela também
Se ela me olhasse
E eu a ela também
Se ela me quisesse
E eu a quisesse
Se ela me amasse
E me desejasse
Eu voar voaria
E no espaço infindo
Meu grito seria
Em tua devoção

E por me quereres
Eu querê-la-ia
E um oásis seria
Em pleno deserto
Amor certo! Decerto
Serias uma flor
Do mais puro amor
Em meio ao jardim
Serias enfim
A noite morrendo
O dia nascendo
No meu coração

Teus olhos dizendo
Amo-te amor meu
Era você e eu
E o mundo lá fora
O amor de agora
Seria pra sempre
Serias meu mundo
E eu tua canção.

Roberval Paulo


A ÚLTIMA PARAGEM - Roberval Paulo


Eu sou do oco do mundo
Onde a curva não se encurva
Onde a curva passa reto
E chega a lugar algum

Aonde o lugar comum
Não é comum, é nenhum
Feito de dois menos um
Que é quase nada, é zero

Perto do poder de Nero
Aquele que já foi rei
Juntinho de João Ninguém
Que se existe nem sei

Sou eu a última paragem
Sendo a primeira estiagem
De um sertão esturricado
Mas que logo fica verde
Eu esticado na rede
Contemplando o chão amado

Mas passa o tempo da água
Na estranheza da mágoa
Sou eu o fogo do céu
Sou labareda acesa
Sou o brinco da princesa
Sou giro de carrossel

E passa o tempo da água
Na amplitude da lágrima
Sou eu o fogo do céu
Sou o começo da vida
Sou o final da corrida
Sou a abelha e seu mel.

Roberval Paulo



segunda-feira, 14 de outubro de 2019

NOVO PROGRAMA DE VIDA - Roberval Paulo


É necessário! É urgente! Precisamos nos mexer! 
É preciso incutir mesmo no meio da gente a solidariedade. 
Não a solidariedade de mídia, da mídia, da televisão. 
Aquela que mais mostra e se pré-paga do que beneficia. 
Aquela que muito vende e quase nada se compra. 
Que comercializa os produtos pobreza e miséria e não se solidariza com estes.

É urgente uma nova postura; um novo conceito social. 
É de urgência urgentíssima o estabelecimento e estruturação de um novo programa de vida.

Um novo programa de vida que conceitue a sociedade como um todo, digna de um tratamento igualitário pelos governos e por esta mesma sociedade.

Um novo programa de vida que nos faça dar a nós mesmos, 
o respeito que merecemos e que tanto almejamos e necessitamos.

Um novo norte, novo horizonte, novo caminho.
Uma nova visão e uma nova postura.
Um novo ainda mais novo do que o novo que envelheceu em nós.
Um novo que amanheça a paz, a justiça, a solidariedade e a dignidade.

O novo que nos foi apresentado pela boa nova de Cristo, e que nós, 
envelhecidos de novo em velhos e novos conceitos 
e seduzidos pela força do material, 
fomos espiritualmente a envelhecer.

O novo que nos traga de novo
o amor ao próximo e a Deus sobre todas as coisas

O novo
que possa se renovar
a cada manhã
no amor de Cristo!

Roberval Paulo

SEMEAR SONHOS É CATAR ESPERANÇAS


Semeei onde passei um sonho de amanhecer
E fui plantando esperança para torna-lo real
Real de acontecer mais não de realizar
Mais sim tão esperançoso de quase ser irreal 

Na minha semeadura resignei-me fielmente
De tudo que semeei a mim eu não fui atento
E no vento caminhante lancei a faca dos dentes
Desarmei-me e textualmente fui crescendo desatento

Enveredei-me um dia pela razão do querer
E pude me aperceber revolto com a existência
Exercitei meu querer na busca daquele sonho

Contemplei-me e vivenciei o nascer de um novo ser
E desafiando o poder que matou minha inocência
O teu encontro contigo não exijo, mas proponho.


Roberval Paulo

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

A NOITE, MINHA AMADA! - Roberval Paulo


Tô aqui, eu e a noite, 
minha silenciosa companheira
sorrindo comigo e dizendo-me: 
pode ir que eu te guio
pelos caminhos ocultos e escuros 
para que os outros não vejam o teu pensar.

E eu sigo, tranquilo e confiante, 
noite afora, de bar em bar,
de boca em boca, 
de beijo em beijo, 
vivendo o que me é propiciado
pela minha terna e envolvente companheira, 
a noite.

E, no amanhecer de uma nova ordem, 
tudo se encerra
e nos recolhemos 
extasiados e saciados, 
mas, felizes,
eu e ela, 
ao nosso leito manso  
sereno e confortante

para, juntos, 
recompormos as energias libertadas,
fortalecendo-nos para a próxima jornada 
que se inicia
ao anoitecer do próximo dia, 
onde os sonhos se fundem
com a dura e cruel, mas, 
ao mesmo tempo, 
doce e meiga realidade.


Roberval Paulo

terça-feira, 24 de setembro de 2019

RECONSTRUÇÃO - Roberval Paulo


O que é a vida
Senão um passar sem fim
E o fim de cada um nascendo bem logo ali

O que é essa vida
Senão um caminhar sem folgar
E o destino bem ali na esquina a lhe espreitar

Você segue escolhendo o seu caminho
E quando o tempo se perde
E você se descaminha no vão da estrada errante

Quer voltar mais já não pode
Quer corrigir mais deu bode
O jeito é seguir em frente mesmo errado e cortante

Então siga e siga de passo largo
Provando o doce e o amargo
Até encontrar pelo caminho
Um santo, um anjo, um passarinho
Que não lhe faça embargo
E que lhe agasalhe um ninho

Pra sua alma repousar
O seu corpo descansar
E as forças recuperar
Para depois renovado
De corpo e alma lavados
Reconstruir seu caminho.


Roberval Paulo

EU FUGITIVO DE MIM - Roberval Paulo

Vou me lembrar um dia
ainda que eu não recorde 
a saga de quem eu fui 
antes mesmo de existir
É porque, reeditando-me 
nunca soube quem eu ser
E ainda que seja eu 
é como se eu não fosse
E mesmo sem conhecer-me 
vou querer saber de mim
E ao som e suor dos meus passos
Encharcar-me-ei de vida

Vou querer saber porque 
eu penso que já sou outro
E quando assim me reporto 
é porque já tô perdido
E no mundo em que eu vivi 
no tempo não prometido
Eu me enganava comigo 
pensando ser eu o novo

Mas não era, era um outro 
que existia em mim
Numa confusão de dúvidas 
duvidando a identidade
Identificando o ser 
de não ser uma verdade
E em ser e parecer 
fugi de mim sem ser visto

Fugindo eu próprio me vi
Encaixando-me em mim
Não foi tão ruim assim
Era quase um dé-jà-vu
Porque fugindo de mim
Encontrei-me bem ali
Fiz o caminhar da vida
Tão doce feito pudim
Os meus passos, meu olhar
Minha casa, meu manjar
Meu corpo, meu paladar
Tinham cheiro de jasmim
Deitar-me-ei no jardim
Verei a vida passar
Eu comigo a contemplar
O eu do outro de mim
E o universo a exalar
Um aroma de alecrim.

Roberval Paulo

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

PARTILHA! - Roberval Paulo


Partilhar tudo! 
Partilhar ainda até o que eu não tenho. 
Partilho assim minha alma que é minha,
Mas que, pelo mistério da vida ou talvez pelo enigma 
do Apocalipse, não me pertence.

Partilho meus sonhos e meus dias, indiscriminadamente. 
Partilho eu todo e não sei em qual parte me encontro por inteiro. 

Sou pedaços, partículas de um bem maior que ainda desconheço, mas que habita em mim 
e me faz olhar todos com o mesmo olhar, sem a discriminação e o desprezo dos olhos "capitalistas". 

Sou Nação antes de ser país;  
Sou a Justiça antes do direito; 
Sou a paz no meio da guerra, querendo ser ouvida; 
Sou o Ser antes do ter, considerando e conciliando o diferente na equação da igualdade. 

Sou Igreja "Povo" antes da religião. 
Sou Deus antes de todos nós. 
Sou Coração e que a razão não nos negue a paz.

Roberval Paulo

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

SEGUNDOS! - Roberval Paulo


A vida é somente um sopro
Repense o seu pensar
Renove sua atitude
Dê graça ao seu caminhar

Semeie por onde for
Carinho, amor, harmonia
Dê por graça o seu sorriso
Promoção de alegria

É tudo tão passageiro
Tudo chega sem aviso
Desfaça a cara amarrada
Libere ao mundo o seu riso

Não se perca na soberba
Não turve o seu pensamento
Seja em si um ser de amor
Só o amor vence o tempo.


Roberval Paulo

A POESIA - Roberval Paulo


A poesia é tudo belo
Não fosse bela a poesia
Seria belo o poema
Da noite no dia a dia
A treva se irradiando
Em luz na mais longa via
Via de destino torto
Que se endireita arredia
Que se endireita entortando
Alinhavando a poesia

A poesia é feito chama
Que aquece a bola do dia
Que embola o frio da noite
E acende a luz da magia
Respinga estrelas no céu
Faz luzir quem não luzia
Faz da cinza um fogaréu
Brilha a lua ao meio dia
Vai por aí feito vida
Findando onde principia


Roberval Paulo

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

EXALTAÇÃO - Roberval Paulo


O meu coração no teu
Minha paz a tua paz
Teu amor o meu amor
Feito efeito contumaz

Minha luz a tua luz
Meu existir teu voar
Teu voar em mim reluz
Essa luz que me seduz
A luz que aviva o mar

Meu encontro, teu querer
Minha busca o teu buscar
Teu encontro, meu querer
O meu rio no teu mar

Minha sina, tua sina
Tua sina, meu pensar
Teu pensar que se destina
Minha nuvem pequenina
Bússola do meu caminhar

Meu canto, teu acalanto
Teu canto, meu habitar
Minha habitação, a tua
Teu mundo, meu abraçar

Meu sorrir, tua alegria
Tua alegria, meu ar
Teu olhar mina poesia
Teu verso água vertia
Meu hino o teu cantar.

Roberval Paulo

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

IRMÃOS DE SANGUE - Crônica publicada no Jornal do Tocantins de 06/08/2019


Jornal do Tocantins
CRÔNICAS & CAUSOS
Irmãos de sangue são mais irmãos
Roberval Paulo - Poeta
" Se algum mal cometia, era a si mesmo e, consequentemente, à família, que vivia em preocupação constante com a sua boemia"
06/08/2019 - 07:00
Gracindino, um homem comum e cidadão do bem. De alta estatura, esguio e curvado, rosto sulcado, de feição avermelhada e clara e cabelos levemente encaracolados e curtos. Vivia às voltas com seus vícios; o famigerado álcool, a boemia e mulheres. Não era de ofender a ninguém, seriamente, mas tinha bastante curto o estopim e não dispensava uma boa troca de murros quando em seus momentos de embriaguez. Se algum mal cometia, era a si mesmo e, consequentemente, à família, que vivia em preocupação constante com a sua boemia.
Alceste, seu irmão mais velho, era o oposto. Não tão esguio quanto Gracindino, mas em mesma estatura e feição. A diferença entre estes irmãos, fisicamente tão parecidos, estava na compostura. Alceste, como todo jovem, teve seus momentos de boemia e bebidas, mas por pouco tempo. Casou-se cedo, convertendo-se ao protestantismo, consagrando-se Pastor rapidamente. Família constituída, sendo a esposa e um casal de filhos e uma vida centrada na oração e no cuidado ministerial com a sua igreja e seus membros, saindo do sério somente quando tinha que se posicionar frente às confusões criadas pelo irmão Gracindino, o que ocorria com certa frequência.
Essas ocorrências, porém, não produzia efeitos negativos à reputação de Alceste, nem tão pouco, pasmem, à de Gracindino, pois todos muito bem os conheciam. De família íntegra, defensora dos bons costumes e de imutável conduta, logo que passada a situação vexatória e reparados os erros, todos reconheciam a estampa meritória do Pastor e pai de família Alceste e de mesmo modo, a do cidadão e homem de bem Gracindino, somente um boêmio inveterado.
Certa noite, já por volta das 22h00min horas, depois de ter engolido todas em sua comunhão quase que rotineira, Gracindino, despedindo-se dos amigos de confraria e de cruz, deixa para trás o bar, trilhando rumo a casa. Ora assoviando, ora cantando, envereda-se por um atalho tencionando encurtar o caminho, afadigado pelo peso dos tantos goles degustados. De súbito, vê-se cercado por cinco elementos em diligência por acerto de contas em homenagem a umas tapas desfraldadas por Gracindino há uns dias atrás em um dos tais. Gracindino vê-se em desvantagem, mas não arrega, adepto fervoroso da boa troca de murros.
Começam a troca de farpas e a arenga é esboçada em empurrões. Um garoto, passando pelo local, corre a dar notícias do ocorrido ao irmão Alceste que, a esta hora, de paletó e gravata, finalizava a pregação aos fiéis. O garoto adentra a igreja correndo e anuncia que Gracindino está em contenda e em desvantagem, pois são cinco contra um.
Alceste, digerindo a notícia incontinenti, brada seu amém aos fiéis e deixa para trás a Bíblia, saindo avexado ao socorro do irmão. Ao dobrar a esquina, vê Gracindino engalfinhado com a curriola. Cena que passaria em branco ao coração do pastor, mas que fere e atinge em cheio o coração do irmão. Não houve conversa nem ponderação e lá estão Alceste e Gracindino botando pra correr os safardanas à custa de murros e pescoções. O pastor mais uma vez é mais irmão. Gracindino é levado para casa e lá, em quatro paredes, o pastor lhe diz as do fim; ele pode e deve, mas aceitar outro agredi-lo, isso não.
Em outra feita, estava Gracindino em um bordel. Já alto pelo fogo da bebida, saca de uma arma e desfere uns tiros para cima. Foi terrível o rebuliço. Uns se apertam nas portas buscando saída ao mesmo tempo enquanto outros saltam pelas janelas. Nesse salve-se quem puder, ecoam gritos: socorro! Polícia! Gracindino serve mais uma bebida e senta-se, ajeitando em cada perna uma garota, vangloriando-se do feito.
De repente risca no pórtico a viatura e saltam dois policiais dispostos a dar fim ao episódio. Da porta gritam as palavras de ordem: “teje” preso Gracindino. Era o soldado Camelo, acompanhado do parceiro Adnero. Gracindino, lá nos fundos do salão, uma moça em cada perna e de costas para a porta, permanece imóvel. A voz soa novamente, dita pelo soldado Camelo: “teje” preso Gracindino!
Gracindino conhece a voz. Sentado estava, sentado ficou. Sacando da arma presa à cintura, vira o braço imediatamente e vocifera: Oh! Camelo, eu estava mesmo querendo lhe ver; tava doido pra lhe dar um tiro na testa. Simultaneamente à voz, o tiro é disparado e acerta o umbral da porta. Camelo e Adnero pegos de surpresa afastam-se correndo ao uníssono grito de valha-me Deus, deixando para trás a viatura. Neste ínterim, já avisado por terceiros, Alceste adentra o salão. Surpresa no rosto de todos; não é o local mais adequado para um pastor, mas o irmão está lá e aspira por socorro. Gracindino é conduzido para casa e ouvirá um monte com certeza. Obediente ao irmão, nada replicará e terão descanso por algum período.
Os irmãos mais uma vez são notícia de primeira mão no agudo boca a boca do interior e lá se vai o pastor Alceste se explicar com a cidade, com os fiéis e com os policiais destratados e amigos. Tudo resolvido. A rotina volta ao normal na pacata cidadezinha. A bocas pequenas corre o assunto, todos aguardando a próxima de Gracindino. É quando a cidade de fato se movimenta e todos tem muito que dizer.
Roberval Paulo