quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A PRIVATIZAÇÃO DO SOL

Mais uma de Zé das Trevas

Essa do sol para todos é utopia. Utopia não, é mesmo é piada. O sol não nasce para todos. Quer dizer, nasce para todos mas, a sua luz, o seu esplendor e a sua energia cósmica e divinal não chegam a todos pelo fato de ser o mesmo, estatal. Não sabiam? Pois é verdade. O sol é,  por característica, de utilidade pública, então, é bem público. Eu explico. Vejam bem; todos tem direito à sua luz e ao seu brilho mas, nem todos o tem e, uma das razões, penso eu, está no fato do mesmo se caracterizar pela utilização pública pois, sendo o nosso serviço público de tão péssima qualidade, jamais os seus benefícios haverão de chegar a todos e, mesmo quando chegam, é só o serviço, sem qualidade nenhuma.

Bem, preocupado diante deste tão sério problema e buscando uma maneira de levar a luz do sol e seus benefícios a todas as pessoas, resolvi me atirar de cabeça na criação de um programa de "privatização" do sol.

Na elaboração de tal projeto, surge o primeiro problema.
Se o sol for privatizado, com certeza, irá melhorar a qualidade no atendimento e na prestação dos serviços em geral mas, por outro lado, será menor o número de pessoas com acesso a esse serviço que, sendo o mesmo privatizado, é imprescindível maximizar o lucro e para essa maximização tão necessária à manutenção desse capitalismo selvagem, é preciso que as pessoas paguem um preço muito alto.

Aí me pergunto. E quem não puder pagar? Vai ser condenado a viver no escuro?
Não, não pode ser. Assim eu estaria restringindo o uso do sol ao privilégio de uma minoria e não é esse o meu objetivo.

Nesse impasse, resolvi então reformular o projeto.
- Ah! Já sei. Vou instituir uma fundação filantrópica, sem fins lucrativos e aberta a todos, indistintamente e indiscriminadamente. Agora, como bancar e manter esta fundação? Com que recurso? Com que dinheiro?

Pensei, pensei. Eureka! Encontrei a solução. Com o fundo de campanha dos candidatos. Esse dinheiro não serve para outra coisa que não seja escurecer a vida das pessoas, roubando-lhes o sol, despojando-as da sua cidadania e, o cidadão, privado do direito natural líquido e certo de ver e curtir o seu próprio sol, não pode ser nem chamado de cidadão. É um sem sol e sem pátria; sem mundo e sem vida.

Enquanto eu elaborava esse projeto, e falava, e sonhava, Zé das Trevas, candidato da vida e político da conveniência, sentado bem do meu lado, assistia a tudo, intrigado. Por fim, falou.
- É, esse seu projeto, se aprovado, é pro fim da vida é? Pra durar eternamente?
- Sim, respondi.
- É um projeto muito caro, audacioso, de valor quase que incalculável né? Tornou ele.
- Sim, respondi de novo.
- Então só esse dinheirinho do fundo de campanha dos candidatos não vai dá pra bancar esse projeto não. Como é que você vai fazer?
Respondi sem poder conter meu entusiasmo.
- Dá e ainda sobra Zé; e sobra muito. O meu projeto destina apenas 1 %  do fundo de campanha dos candidatos para o programa "Privatização do sol". O restante, ou seja, 99 % do fundo de campanha eu vou acrescentar na lei que sejam destinados à saúde e à educação do povo. Se não der para resolver todo o problema da educação e da saúde, pelo menos dá uma ajudazinha. Mas de uma coisa eu tenho certeza. Com a aprovação desse projeto, o problema do sol ficará definitivamente resolvido e o mesmo brilhará, intenso e divino, com qualidade total, para todos, indiscriminadamente. Até para você Zé das Trevas.

- Não. Eu já estou acostumado com o escuro. Acho que não vou querer não, falou Zé das Trevas.

- Não tem essa de não querer não "Zezin"? Tem que aceitar e se adequar. É lei, respondi.

Zé das Trevas coçou a cabeça, remexeu-se na cadeira e pigarreou. Olhou para o sol protegendo os olhos com o dorso da mão, fez uma careta e tascou.
- Vai começar a insatisfação e a dor de cabeça toda de novo. Tenho que mexer os pauzinhos pra derrubar esse seu projeto. Ele é bastante revolucionário e, se é revolucionário, é perigoso demais para nós.

O novo me mete medo, principalmente quando tem esse negócio de povo envolvido.

Mas o pior é que pra conseguir derrubá-lo, só aplicando nos fundos de campanha. Esse meu grupo de apoio não dão um voto sequer sem uma pasta de dólares acompanhando.

Roberval Paulo

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