sexta-feira, 4 de março de 2011

O MELHOR DO BOM em texto

Extraído do blog Bruno Romaneli - textos

A Vírgula Não Foi Feita para Humilhar Ninguém

7 02 2008

De gramática na mão, estudo em demasia na cabeça e tempo de falta pra escrever os mais de 5 textos que tenho em mente, deparei-me com um conto tão bem escrito que fui obrigado a lê-lo todo, e não só isso, mas também a ir em busca de referências de seu autor. Entre uma seção sobre vírgula e outra sobre crase, conheci o talento do imortal José Cândido de Carvalho. E com esse texto inauguro uma nova seção no blog, “Textos dos Outros”.
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Era Borjalino Ferraz e perdeu o primeiro emprego na Prefeitura de Macajuba por coisas de pontuação. Certa vez, o diretor do Serviço de Obras chamou o amanuense para uma conversa de fim de expediente. E aconselhativo:
— Seu Borjalino, tenha cuidado com as vírgulas. Desse jeito, o amigo acaba com o estoque e a comarca não tem dinheiro para comprar vírgulas novas.
Fez outros ofícios, semeou vírgulas empenadas por todos os lados e foi despedido. Como era sujeito de brio, tomou aulas de gramática, de modo a colocar as vírgulas em seus devidos lugares. Estudou e progrediu. Mais do que isso, saiu das páginas da gramática escrevendo bonito, com rendilhados no estilo. Cravava vírgulas e crases como ourives crava as pedras. O que fazia o coletor federal Zozó Laranjeira apurar os óculos e dizer com orgulho:
— Não tem como o Borjalino para uma vírgula e mesmo para uma crase. Nem o presidente da República!
E assim, um porco-espinho de vírgulas e crases, Borjalino foi trabalhar, como escriturário, na Divisão de Rendas de São Miguel do Cupim. Ficou logo encarregado dos ofícios, não só por ter prática de escrever como pela fama de virgulista. Mas, com dois meses de caneta, era despedido. O encarregado das Rendas, funcionário sem vírgulas e sem crases, foi franco:
— Seu Borjalino, sua competência é demais para repartição tão miúda. O amigo é um homem de instrução. É um dicionário. Quando o contribuinte recebe um ofício de sua lavra cuida que é ordem de prisão. O coronel Balduíno dos Santos quase teve um sopro no coração ao ler uma peça saída de sua caneta. Pensou que fosse ofensa, pelo que passou um telegrama desaforado ao Senhor Governador do Estado. Veja bem! O Senhor Governador.
E por colocar bem as vírgulas e citar Nabucodonosor em ofício de pequena corretagem, o esplêndido Borjalino foi colocado à disposição do olho da rua. Com uma citação no Diário Oficial e duas gramáticas debaixo do braço.
José Cândido de Carvalho, 1984.

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