sábado, 22 de janeiro de 2011

MONÓLOGO DE DOIS


MINHA HISTÓRIA DE NÓS DOIS
                                               E as flores sangravam...

A casa
A porta
Tu, lá dentro!
Eu, cá fora!
Diálogo suspeito
Olhadelas pros lados
Inquietos
Sentíamos-nos mal.

Eu queria entrar
Ah! Como eu queria
Tu querias que eu entrasse
Mas, as circunstâncias!
As circunstâncias não permitiam
Acima de tudo
A honra
A dignidade
Nos amávamos
Desde longínquos tempos
Tudo contra
Todos contra
O mundo contra
Amor proibido.

Coisas do destino
Casastes com outro
Imposição da vida
Na vida de outros
Muitos felizes
Tu, infeliz
Eu, infeliz
José feliz
Teu marido
Só felicidade
Casou com quem bem quis.

A casa
A porta
Tu, de dentro
Eu, de fora
Fim de um sonhar
– Já é hora!
Desejos suprimidos
Palavras entrecortadas
Destino ingrato
– Vou-me embora!
Tinha que ir
Não conseguia arredar pé
Força estranha me prendia
Misteriosa
Superior à minha deliberação.

De lá, tu olhavas
Um que de tristeza
Desfilava em teu rosto
Olhos nos olhos
Lamentávamos
Tão mesquinha sorte
Tão malfadado desfecho.

Precisavas entrar
Tu tinhas que entrar
A razão dizia
Não pegava bem
Mulher casada
A esta hora, na porta
De conversê com homem
As más línguas
Deus que me livre
O pudor
Nossos princípios
Nossos valores
Nosso caráter em cheque
Nossa honra
Tínhamos honra
E quanta honra
Não fosse essa tal... já via
Mas, precisava ser assim
Difícil sufocar
Tão nobre sentimento
Tão verdadeiro amor
Tão gostoso estar junto.

– Adeus!
– Adeus!
– Preciso ir
– Ainda é cedo
Frases secas
Ditas com tanta dor
Impossível doer tanto
Mas doía
Mais que ferida de faca
Mais que atropelamento de alma
Ainda mais que ingratidão de filho.

– É tarde
– Ih! Preciso entrar
– Ah, sim! Agora eu vou
– Afazeres domésticos, sabe como é
– Até uma próxima
– Não deve haver próxima
– Eu sei. Sofrimento demais
– É. Não dá pra agüentar
– Melhor não seria a morte?
–Morrer não mata tanto amor
Lágrimas
De dentro e de fora
Da porta
Da casa.

– Vou-me embora
– Tá
– Não volto
– Não volte
– E esse tanto amor?
– Amaremos sempre. Distantes
– E felicidade?
– Não a teremos
– Eu vou
– Vai, pelo amor de Deus
– Adeus!
– Adeus!

Tarde demais
José chegava
Cumprimentos
Frios e distantes
Pegos de surpresa
Nas confidências do amor
Difícil disfarçar
Coração é coração.
– Como vai José? Eu já estava de saída
– É, ele já estava saindo. Tenho que olhar o feijão.

José estava sizudo
Já desconfiava
Do sentimento existente
Sim, pois outra coisa não havia
Tínhamos nossos valores
Traição, nunca
Não estava em nós
Trairíamos o próprio coração
Sofreríamos calados
Para todo o sempre
Sufocando à força
De lágrimas ocultas
Esse amor proibido
Pela conveniência
Contra os interesses
Da fina flor
Da raça humana.

José sofria
Não de amor como nós
Da falta de amor
Do amar sem ser amado.
Olhares frios
O amar demais, proibido,
sem ser
O não amar, sendo
Desencadeou tudo
Discussão
Acusações
Explicações
Tudo fora de controle
Coisas de sentimento
Gritos!
Gritos de José
Gritou comigo
– Tudo bem. Vou-me embora
– Adeus!
Gritou contigo
Me doeu
Te acusou do que não fez
Me feriu fundo
Bem além do sentimento de corpo
Ainda além do sentimento de alma
Num sentimento que eu não sabia existir
Tão distante está deste mundo
Era o nosso sentimento
Nosso amor era assim
Transcendia
Ia além do extremo
Tão maior
Tão superior
Que não era possível em terra
Não podia ser maculado.

Acusações levianas
Infundadas
Revestidas de ciúme
Desprovidas de razão
Revidei à ofensa que sofrestes
sem merecer
Chamei-o às falas
Não se conteve
Sacou da arma
Em defesa, atirei
Um tiro só
José, morto.
Sem alternativas, fugi
Vida de fugitivo é barra
Nessas circunstâncias
Cadeia é pior
Você, ali
Desamparada
Ficastes só.

Nunca voltei
Sei que nunca casastes
Leva flores a José
Não por amor
Sente-se culpada
Não tens culpa
Não temos culpa
Aconteceu
Lamentável, não devia
Mas aconteceu
Pelo amor proibido
Promovido por aqueles
Que não se permitem
Simplesmente amar
Que não se permitem
O amor só pelo amor.

Somos assim
Amamos o amor só pelo amor
Amor impossível
Nesse mundo tão materialista
Amaremos sempre
Eu sei. Tu sabes.
Até que dure a eternidade
Mas, pelas circunstâncias
Separados estamos
E assim, haveremos de estar
Separados.
Amor tão grande assim
Não se permite em terra
Nessa vida de carne
Simplória vida de carne e lama.

Nos encontraremos em um outro mundo
– Para amor total!
– Para amor total!
– O amor só pelo amor
– O amor só pelo amor
– Assim, como te amo
– Assim, como te amo
– Adeus!
– Adeus!

Autor: Roberval Paulo

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