sábado, 22 de janeiro de 2011

A pedra mais lapidada de Luiz Melodia

Início do conteúdo22 de janeiro de 2011 | 0h 00 - por Roberto Nascimento - O Estado de São Paulo


Do samba ao baião, passando pela Jovem Guarda, o jazz e o blues, o disco de estreia de Luiz Melodia é um giro moderníssimo pelos diversos estilos que formavam o espectro da MPB em 1973, um tratado que anunciou a liberdade total de expressão sem o confinamento de gêneros muito antes disso virar praxe entre artistas brasileiros. Pérola Negra, como foi batizado, chega amanhã às bancas em relançamento da Discoteca Estadão (por R$ 14,90).
O disco captura todos os elementos que figuraram na formação de um cantor e compositor de influência muitas vezes subestimada no contexto atual da música brasileira. A miscelânea tem origem no berço: filho de Osvaldo Melodia, mestre compositor do Estácio de Sá, assim como cantor, violeiro e boêmio dos bons, Luiz nasceu e passou sua infância no morro carioca, onde as melodias de seu Osvaldo e os cavacos que as adornavam providenciaram a trilha sonora de sua juventude. Luiz ouvia muito choro e samba, como era de esperar de um morador do morro, mas também muito Beatles, Roberto Carlos, Renato & Seus Blue Caps e The Foundations - o rock e o soul da época.
Na adolescência, embalava a noite carioca com seu grupo Os Instantâneos, que interpretava sucessos da Jovem Guarda e da Bossa Nova, não raro atacando alguns temas instrumentais para o povo dançar o twist, moda entre os jovens brancos de classe média. Sr. Osvaldo não gostava: Luiz era seu único filho homem e o pai sonhava em vê-lo formado na universidade. Mas o diploma veio da rua, e a colação aconteceu quando o poeta baiano Waly Salomão, em busca de composições para oferecer a Gal Costa, por conta de um espetáculo que produziria com a cantora, trombou com Luiz e ouviu a canção My Black. Aconselhado pelo poeta, Luiz mudou o nome da música para Pérola Negra e a ofereceu a Gal, que separada de Caetano e Gil pelo exílio procurava novas parcerias. Gal gravou a canção no disco Fa-Tal e lançou Luiz Melodia nacionalmente.
Portanto, choviam elogios sobre Luiz quando o cantor entrou no estúdio da Philips para dar o seu parecer em suas próprias canções. E o que sucedeu foi bem diferente do que esperavam. O negro do morro carioca, que curiosamente era compositor mas não sambista, abriu o disco de forma tradicionalíssima, com seu samba Eu Você e Eles acompanhado pelo regional de Canhoto, ases do choro carioca na época. O que sucede é o climão de Vale o Quanto Pesa, que lá pelas tantas vira samba soul, dá vez ao bolero Estácio Holly Estácio
( composto para uma namorada, mas que funciona ambiguamente como um samba tradicional, feito na veia de exaltação às escolas) e desemboca no empolgante funk soul de Pra Aquietar.
É uma vertiginosa sequência inicial que, não fosse o tenor aveludado de Luiz, altamente influenciado pelos trejeitos vocais do Rei Roberto, levaria o ouvinte a pensar que seu iPod está em modo shuffle. Eis a genialidade inclassificável de Pérola Negra. Como resumiria Waly Salomão: "um surto seminal dum novo canto do negro mulato cafuzo brasileiro internacional jovem".

por Roberto Nascimento - O Estado de S.Paulo

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