Sou eu, de Araguaçu, na
ausência ou presente
Mas inexplicavelmente, não
nasci em Araguaçu
Sou de uma família de onze
irmãos, todos Araguaçuenses
Só eu, curiosamente, fui
nascer distantemente
Em um lugar que não é meu.
Mas leitor, não sou farsante
Nem tão pouco retirante
Foi mesmo assim, desse jeito
Que toda a história se deu
Minha naturalidade é de São
Miguel do Araguaia, estado de Goiás
Mas não venham me dar uma
vaia
Por não ser do meu lugar
Araguaçu foi Goiás, hoje é Tocantins
É dali que sou pois é dali
que eu sinto ser
É ali, em Araguaçu, onde
plantei o meu sonhar
Ali andei os meus passos primeiros
Ali cresci e me criei e ali
tive os meus primeiros sonhos,
As primeiras ilusões e
desilusões
Até o primeiro amor que se
foi na marcha do tempo
Era paixão, eu acho, senão,
não teria se ido
Pois o amor não vai com o
tempo mesmo quando sopra o vento
O amor permanece atento mesmo
quando esquecido.
Mais ali me identifico; sou
autenticado em Araguaçu
Plantei na rua vinte e um
todos os meus sonhos
Que não foram comigo
Não sei ser de outro lugar
que não o meu chão
E o meu chão, o meu chão é
aquele que eu sinto que é meu
Então, minha Araguaçu!
Sou tão teu quanto tu és
minha
És minha quanto me sou teu
Crescemos juntos e assim foi
por muitos e muitos anos...
Quanto dos teus caminhos e
becos; dos teus córregos e rios e fontes
Teus quintais e varandas e
frutos; laranjeiras, mangueiras, goiabeiras,
Deus nos acuda!
E praças e esquinas e
meninas; e bola e futebol e sonhos e sonhos...
Quanto dos teus caminhos
conheço eu?
Eu menino em seu universo
Querendo e aprendendo a tão
sonhada ordem e progresso
Neste pequenino pedacinho de
Brasil que é todo meu.
Em pequeno te vi tão grande e
meiga e graciosa
E tu eras tão pequena. Mas,
na tua generosidade,
Me esperava para crescer
contigo
E o tempo se encarregou de
nos fazer assim, como somos
Eu, homem, recordando sonhos
de outrora
E tu, cidade frondosa, cuidando
os teus frutos
Carregando-me por teus
caminhos
Trazendo-me ao meu começo.
Oh! Minha linda e diviníssima
Araguaçu!
Afastei-me de ti; o vento me
levou
Aquele vento do moderno que
nos faz distante de tudo que amamos
Aquele vento que nos leva a
trilhar caminhos outros que não os nossos
O vento da verdade e ao qual
se apega para sobreviver
O vento do Divino que nos
ensina: somos seres de raíz
Mas a rama se vai, e sobe e
desce montanhas,
E cria e abandona cidades
Faz e desfaz caminhos
E cruza rios e torna a
cruzá-los
E sonha o trem dos destinos
Embarca no trem da vida à
procura do que nunca perdeu
Galopa o corcel das noites e
dorme em águas já passadas
Se alegra com tão pouco e
chora... chora...
Chora com o muito que a
necessária viagem jamais trará
Só tu, oh! Minha musa
inspiradora
Só tu, oh! Minha linda
Araguaçu, não me deixou
Para ir em busca do que não é
teu
Tu sabes o teu destino e
sábia e magestosa que és
Cresce e se desenvolve pela
música do vento
Não o perseguindo. E,
consciente e saudosa
Espera pelo filho ingrato que
a abandonou
Que a abandonou ao sonho do
nada
Que a abandonou por não
conhecer-te, mãe sublime que és
Que a abandonou pelo engano
do mundo e, quanto engano.
Mas tu não o desprezas, qual
mãe zelosa
Tu não me desprezas. A mãe
não despreza o filho, mesmo o ingrato
Chorastes na minha ausência e
tuas lágrimas te banharam em cores
Nas ruas do teu corpo, meu
pranto, ainda distante, corria, alargando os caminhos
Minha saudade te coroava de
flores e meus sonhos
Faziam crescer e fortalecer
as tuas edificações
Mesmo longe, estava contigo,
pois só tu não me abandonastes
E meus olhos, do outro lado
do universo, chorava por ti
E minhas lágrimas, vazando o
véu do infinito, encontravam o teu chão
E escorria pelas tuas casas,
colorindo-te
Não só a ti, mais a tua
gente.
Coloria-te inteira e aos teus
jardins e campos;
Tuas pastagens e animais;
teus rios e sonhos
Tuas flores e pardais; teus
quintais e varandas
E ainda o teu povo, tão meu e
eu não mais conheço
Oh! Minha menina e sonhadora
Araguaçu!
Podes o peixe deixar o rio?
Podes o mar se largar da
terra e cair pelo espaço a fora?
Podes assim o dia se
desprender da noite e ser só dia?
Podes o filho perder seu
cordão umbilical antes do nascimento?
Podes ainda oh! Araguaçu, a
rama ir sem a raíz? Eu fui
Eu precisava ir
Mas como ir sem levar-te?
Mas como levar-te se tu não
se dá às viagens?
Hoje reconheço que não podias
ir comigo
Não querias te perder igual a
mim
O teu desejo era um só.
Querias-me junto a ti.
E, no teu silêncio, aconselhou-me
a não partir, mas,
O filho não obedece a mãe e
se vai... se vai pela vida
E sofre e chora, e tropeça e
cai, e se levanta
E cai muitas e muitas vezes e
mais se levanta
Pois ao longe, escuta a tua
voz dizendo vem
É a mãe que não se cansa de
chamar inclemente pelo ingrato filho.
Oh! Araguaçu!
O tempo passou e os nossos
sonhos foram distância em muitos anos
Mas um dia, cansado da
estrada e de terras alheias
Aprumei meus sentidos na
linha do horizonte e ouvi tua voz
Que ainda chamava por mim
E a tua voz vi trêmula e
chorava a ingratidão
Do filho que cresceu em teu
ventre
Chorei sozinho e distante, e,
minhas lágrimas,
Formaram o rio que volta à
nascente;
O rio que me trouxe ao meu
passado e à minha raíz
Estou de volta oh! minha
vida. Estou de volta minha doce e terna mãe
Voltei minha querida. Voltei
a ti minha inebriável Araguaçu
Minha cidade e meu mundo;
minha estrada e minha luz
Meu sonho agora real; meu
começo e fim eternos
Teu abraço caloroso me acolhe
e me sinto tão aquecido que parece que sou
só prazer e enlevo
Teu colchão macio descansa
meus errantes sonhos que vagaram por tempo e lugar
Só encontrando consolo em ti
A ti voltei, de onde não
devia ter saído. Não escutei, em conselhos, o silêncio de mãe.
Oh! Araguaçu
Tuas esquinas, minhas irmãs.
Tuas noites, minha namorada
Teus rios, meus sonhos. Tuas
casas, meu sono
Teus campos, meus olhos. Tuas
montanhas e planícies, minha viagem
Teus jardins e dias, minha
valsa. Tuas flores e passarinhos e tuas cantigas
e sertões, meu ninho e meu acalanto.
Por isso oh! minha Araguaçu!
Rogo e peço ao meu Deus
Guardai e protegei a todos
nós meu Senhor
E aos teus campos e sonhos e
vozes com todo amor
A ti e a todos os seus de
todo o coração
E elevo a voz à nossa Santa
Padroeira
Do início à vez derradeira
Nossa Senhora da Imaculada
Conceição
Rogai por nós Santa Mãe de
Deus
Ave Maria cheia de graça o Senhor é convosco e bendita sois vós entre
as mulheres
E bendito é o fruto do teu
ventre...
Esta é e será oh! Araguaçu
A nossa terna e eterna,
primeira e última canção.
Oh! Minha Araguaçu!
Oh! Minha querida e cidade e
amada Araguaçu!
Como posso viver sem ti? Como
pude viver sem ti?
Aqui estou e não arredo pé.
Não mais
Aqui estou e aqui fico para o
inevitável
Juntos assim, somos nós,
depois de tamanha ausência
Juntos assim, seremos, depois
de tanta distância e estrada e sofrer
Juntos assim, eu e ti
Um amor que não se perdeu; um
sonho que não morreu
Vidas que se vão eternamente
Começo e fim dos sonhos
eternos
Eternos como nós que de tanto
sonharmos ainda nem nascemos
Estamos só começando oh!
minha Araguaçu
O caminho dos nossos próprios
sonhos
Que de tanto perambularmos em
sonhos alheios
Tornamos à origem do nosso
interior
Interiozando e juntando, mais
uma vez, nossas vidas
Em prazeres e alegrias e
sensações desenfreadas de amar e de sorrir
Enquanto o trem veloz do
destino, ordeiro e cruel, manso e perverso
Descarrila em sua jornada
rumo ao incerto, assoviando a música do tempo
Cuidando e levando todos os
nossos sonhos
À humanidade já desumanizada.
Oh! Minha doce e terna enamorada
e iluminada ARAGUAÇU!
Não devia ter me afastado de
ti.
Roberval Paulo
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