quarta-feira, 8 de junho de 2011

MINHA MAIS DOCE HISTÓRIA DE AMOR


Ele pintava. Só pintava. Nada fazia sentido, exceto a pintura. Tudo perdera a forma, a razão de ser, de existir. O porquê, o pra quê; o de onde vem, para onde vai, nada importava. Tudo perdera tudo. Nesse momento, era o nada sendo tudo e o tudo, ao mesmo tempo, sendo nada. Era ele e a tela. Só ela existia e ele pintava. Eu observava deslumbrada, com que enlevo ele encarava aquela tela e também me encantava. Quanta magia naquelas mãos. Era contagiante, tanto que passei a examiná-lo com mais atenção e vi aquilo em formas e cores se transformando. Ainda não definia o que era, mais tinha uma certeza. Ele pintava as minhas cores. Só as minhas cores existiam no seu toque mágico de pincel e desfilavam pelo universo sem fim da quadriculada e dimensional tela. Parece que tinham vida própria as minhas cores. A cor dos meus olhos, dos meus cabelos, da minha pele. Das minhas unhas, dos meus dentes, dos meus pelos. A cor da minha vida, dos meus dias. A cor da minha poesia e da minha alma. Eram as minhas cores todas. O desenho ia tomando forma. O escuro, o branco, o sem cor cedendo espaço ao colorido; o humano ao divino; o sentimento dando lugar à arte. Me deliciei com a surpresa. Lá estava eu, emoldada e ornada naquela paisagem inanimada, que, aos olhos da mente, vivia e dava vida àquele recanto tão só meu. Doce regato de água e folhas, tão real e verdadeiro como o horizonte dos olhos. Eu estava perfeita. Em carne e osso, em corpo e espírito, em branco e a cores, em alma e sentimento. Pareceu-me, no entanto, que faltava algo. Olhei para ele e vi que exitava. Pintava, matizava, contornava,  parece que procurando descobrir o que faltava. E, de repente, ele descobre ao mesmo tempo que eu. Era isso. Era só o que faltava e lá estava ele completando a sua obra com maestria. A mão no pincel, os olhos na tela, o toque final, transcendendo o que não se pode transcender. A mão ao coração para pintar um coração. O coração. O meu, o nosso coração que eu já não sabia mais de quem era. O trabalho estava perfeito, acabado, terminado. Era divino, uma verdadeira obra de arte. E era eu ali, deslumbrante naquela tela, intocável, magestosa. Tarefa concluída. Soltei um desabafado suspiro e, me vi sozinho. Eu estava sozinho. Eu era o pintor. Tinha me pintado na tela mais não era eu, era ela que lá estava, envolvida e embebida em tantas tintas e cores. No primeiro momento, achei que estava doido, que tinha enlouquecido. Mas logo em seguida, num estalo, descobri que eu era ela e que ela era eu. Ou melhor, eu estava nela e ela estava em mim. Enquanto eu pintava, eu também era ela que se desprendia de mim, e, ali do lado, certificava-se se tudo estava saindo perfeito. Se ela estava saindo perfeita. E assim, eu olhava para o pintor, que era eu, pintando ela, que estava em mim. Não me peçam que explique essa loucura; penso não ser capaz, nem acredito que  isso seria possível. Mas comigo acontece, aconteceu e tenho certeza, acontecerá. É que eu, sou eu só, entende, mas ela está em mim, impregnada no meu ser, na minha imaginação. Nas minhas mãos, nos meus gestos. Na minha mente e no meu coração. E ela é tão real em meu pensamento que eu me dispo dela e a ponho do meu lado para passá-la à tela, enquanto ela me observa. E isso, de tal maneira, parece-me tão verdadeiro que às vezes ouço a sua voz e até conversamos. Mas logo, tarefa acabada, me vejo sozinho e caio na real realidade. Ela me dá um breve adeus e volta para dentro de mim, passando novamente a alimentar meus sonhos, minha mente, meu sangue, meu coração, meu corpo inteiro. Eu todo, inspirando-me para a criação do próximo trabalho, quando a terei novamente do meu lado. Ela, fulgurante, se deliciando e irradiando felicidade e prazer por protagonizar esse meu devaneio tão real. É a minha mais doce história de amor. Somos dois nessa narrativa de um só personagem. Eu, o pintor.

Roberval Paulo

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