sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

POEIRA DAS ESTRELAS - Roberval Paulo

Por favor, não me falem de moral
Nem de sol ou de sal, nem do bem ou do mal
Não me venham querer recriar a criação
Tudo o que é, é o que sempre foi
E o que será, será, mesmo que não venha a eternidade

Não me venham deslizando em seus falsos moralismos
Não me venham destilando heresias
A sociedade não é e nunca foi diferente
A hipocrisia sempre se pôs na vanguarda dos comportamentos
E a virtude do ser, em mesma forma, nunca foi do ser
e sim das circunstâncias
Alteram-se crenças e valores, Divindades e potestades,
e o fundamento normatizador é a conveniência

Diga-me com quem andas e eu lhe direi quem és!
Diga-me o que queres e eu lhe direi qualquer coisa!
E tu já não mais serás o todo que lhe envolvia
Serás, em parte, a influência das palavras proferidas e absorvidas

Tudo se altera e se alterna, mas, inexoravelmente,
Tudo permanece igual
O homem, todavia, claro e obscuro,
Percorre a esteira da história
Sendo o lobo do próprio homem

O átomo está em mim, em ti e está no oceano
Está em tudo o que vive ou morre
Está no físico ou no imaterial
No todo do qual sou parte e encarte
Sou pó de estrelas, se é que queres saber um pouco de mim

A realidade me custa tão caro que às vezes até sonho
Sonho com o mágico, o insondável, a alquimia
Em ouro quero o meu ser, minhas ações, meu existir
O ouro espiritual que fundamenta o universo
O inverso na tez do verso que o poeta sangrou

Portanto, não me venham pregar especulações
Sou elétrons e prótons protestando aos nêutrons
Sou átomo, natureza e universo
Indizível e invisível...indivisível
A força do natural que decifra pensamento

Sou fundamento da alma
A materialidade do espírito
A natureza do físico
A razão maior do ser e existir
O ser e o ter em eterno conflito
Sem compreender o porquê de estar aqui.

Roberval Paulo

A RODA DA VIDA - Roberval Paulo


Hoje, mais um dia como outro qualquer. Mais um dia de árdua luta à espera do fim de semana que se aproxima para descanso, depois de uma semana como todas. De trabalho e cansaço, de realizações e sonhos, de buscas e encontros, enfim, da batalha incansável que é a vida, que é o viver.

A rotina reclama sempre o seu lugar e lá vamos nós no comando dessa nave que não para. Chega a sexta tão ansiosamente esperada, junto com os preparativos para o tão aguardado e merecido descanso. O acordar um pouco mais tarde, uma ligação dos amigos, o tão gratificante e contagiante e empolgante futebol. Umas cervejas, churrasco, conversas que vão e que vem e sorrisos que não se conta. 

O parque. Ah! O parque! O filho correndo solto e sendo admirado. O momento que não devia acabar; devia durar mais que o sentimento. A mulher de tantas lutas e o seu tão nobre amor, sempre dispondo, doando, amando. A alegria se faz tão doce que até parece que todo o mundo é seu.

A vida segue o seu curso e, as visitas, a família e todos os agregados desse universo de amor traz deleite e repouso ao coração. A mãe, o pai e a benção do amor maior que te faz suspirar e de fato saber quem és.

O domingo de missa, de culto, de Deus. De reunião em comunidade, de louvação, de comoção, de comunhão. De entrega, agradecimentos e de pedidos para os seus, para a vida, para o amigo com problemas, para a justiça imperar. Para o governo em desgoverno, para a mãe ter mais saúde, para a promoção chegar e a vida ser melhor.

A alma está lavada, o coração tá quase puro e o tão desejado fim de semana já dá mostras de cansaço, suspira em breve adeus e caminha para o fim. O sono está se aproximando e lentamente e em ritmo de dormência vai assumindo o comando, preparando-te para a segunda feira que logo acenderá no horizonte e tudo recomeça outra vez.

É a roda viva da vida que tão vivo e mágico faz o nosso existir. Mais disposição, mais correria; é quase um mais de tudo no enfrentamento da sobrevivência. O trabalho, a feira, a escola e os dias brancos que cansam, mas que é bom. Compromissos e obrigações, aspirações e suor e o penoso e doce ansiar pra que a sexta chegue logo. 

É o mais do mesmo sempre, mas tudo é tão novo e diferente que traz até a impressão de que a rotina "desrotinou-se" e agora opera a seara da novidade, fazendo novo e alentador o que já é demasiadamente velho. Demasiadamente velho, mas novo no giro que a roda dá. A roda viva que gira girando o nosso existir, gira desejos e sonhos e nos faz esperançar. Faz o moço ficar velho para depois remoçar.

Roberval Paulo

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

CRÔNICA DO TEMPO - Roberval Paulo

Esta crônica está publicada no Jornal do Tocantins MAGAZINE
CRÔNICAS & CAUSOS, Edição 18/02/2020   

“Tenho a história inacabada, quanto espinho espalhado, os que já foram pisados e outros mais que aguardam por meus pés que nem meus são.”
18/02/2020 – 07:40 - Roberval Paulo - Poeta


Controlar o tempo; queria que este não passasse; devia este momento durar mais que um dia. Mas, não estou preso a ele, pois o mesmo não me pertence. Só as coisas que nos pertencem nos prendem. Pelo menos é assim que deveria ser.

Controlar o tempo! Podia este parar para esperar minha vida que não consegue acompanhá-lo. Se ele parasse, eu o alcançaria e descansaríamos um pouco, sentados numa pedra, levando intuitiva conversa, para depois, descansados e realimentados de brisa e de paz, prosseguirmos a viagem que muito dura. Mas, esse tempo não me houve. Queria controlar o tempo e só seguir pela minha vontade que controlaria e guiaria os meus passos e não pela vontade de outrem. O Céu que me espera não sei se existe e, se fantasias são verdades, nem sei como acreditar em mim.

Controlar o tempo! Controlar o tempo que me fechou a porta e nem adeus me disse, nem se despediu. Se eu tivesse o dom e o poder de governar o tempo um dia sequer, fecharia esta porta e guardaria a chave em lugar que só eu soubesse, abrindo-a só quando o dia, por sua vontade, decidisse se encher da manhã que teria entrada franca em minha vida, com a permissão deste
mesmo dia.

Ah! Controle do tempo! Porque não vens aqui ensinar-me como se faz com esse tempo que só sabe andar? Que caminha, caminha, caminha sem saber para onde, sem saber por onde, sem haver direção no seu caminhar. Escuta-me senhor do tempo! Só você e unicamente você poderá me ajudar. Mostre-me o caminho que leva ao sol e ensine-me o segredo de não me queimar. Leve-me pela estrada do norte, na rota do sul e do bem caminhar. Que eu cruze rios sem me afogar. Que atravesse montanhas sem de lá despencar. E que, ao cair, que eu me levante e encontre forças para continuar e que todas as barreiras e os obstáculos e as curvas da estrada com suas ladeiras eu consiga vencer pela persistência do muito esforçar.

E escuta senhor do tempo, eu não posso parar. Eu não posso parar pois eu sei que ainda tenho muitas flores para colher, muitos sonhos para perder, tanta conta para contar. Tenho a história inacabada, quanto espinho espalhado, os que já foram pisados e outros mais que aguardam por meus pés que nem meus são. E senhor do tempo me diga se é eterno o caminhar? Se encharcando a camisa, suando-se de baixo em cima, correndo mais que a notícia, quase qual bala que mata, mais que um golpe de faca lambendo o vácuo do medo, pode-se uma dia dizer, vou parar pra descansar?

Controlar o tempo! Ah! Quem me dera eu soubesse desvendar este segredo; quisera eu não ter medo de sorrir, de ser feliz, e na passagem da vida amar mesmo, sem medida, compartilhar os meus sonhos com quem quisesse sonhar, semear por onde eu fosse, muito amor, muito sorriso, muita paz que eu preciso tornar o mundo melhor. Deveras, levar alegria a todas as gentes e a mim, a todos nós e a ti que me lê e nem me conhece, mas, que como eu, padece do não entender a existência, a razão do ser, das crenças, as dores e os sacrifícios que a mestra vida nos cobra sem explicação alguma, mas no tempo e na estrada vamos nós a cavalgar.

A caminhar, a sonhar, nos labirintos da sorte, construindo e conquistando, montando um cavalo alado, eu e você, lado a lado, destino do fraco e do forte, procurando a própria morte por onde o vento levar.

Roberval Paulo

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

UMA DOCE HISTÓRIA DE AMOR - Roberval Paulo


Ele pintava. Só pintava. Nada a ele fazia sentido, exceto a pintura. Tudo perdera a forma, a razão de ser, de existir. O porquê, o pra quê. O de onde vem, para onde vai, nada importava. Tudo perdera tudo. Nesse momento, era o nada sendo tudo e o tudo, ao mesmo tempo, sendo nada. Era ele e a tela. Só ela existia e ele pintava.

Eu observava deslumbrada, com que enlevo ele encarava aquela tela e também me encantava. Quanta magia naquelas mãos. Era contagiante, tanto que passei a examiná-lo com mais atenção e vi aquilo em formas e cores se transformando. Ainda não definia o que era, mas, tinha uma certeza. Ele pintava as minhas cores. Só as minhas cores existiam no seu toque mágico de pincel e desfilavam pelo universo sem fim da quadriculada e dimensional tela. Parece que tinham vida própria as minhas cores.

A cor dos meus olhos, dos meus cabelos, da minha pele. Das minhas unhas, dos meus dentes, dos meus pelos. A cor da minha vida, dos meus dias. A cor da minha poesia e da minha alma. Eram as minhas cores todas. O desenho ia tomando forma. O escuro, o branco, o sem cor cedendo espaço ao colorido; o humano ao divino; o sentimento dando lugar à arte.

Deliciei-me com a surpresa. Lá estava eu, emoldada e ornada naquela paisagem inanimada que, aos olhos da mente, vivia e dava vida àquele recanto tão só meu. Doce regato de água e folhas, tão real e verdadeiro como o horizonte dos olhos. Eu estava perfeita. Em carne e osso, em corpo e espírito, em branco e a cores, em alma e sentimento.

Pareceu-me, no entanto, que ainda faltava algo. Olhei para ele e vi que hesitava. Pintava, matizava, contornava, parece que procurando descobrir o que de fato estava ali ausente. E, de repente, tudo se torna claro a ele ao mesmo tempo em que a mim. Era isso! Era só o que faltava e lá estava ele completando a sua obra com maestria. A mão no pincel, os olhos na tela, o toque final, transcendendo o que não se pode transcender. A mão ao coração para pintar um coração; o coração. O meu, o nosso coração que eu já não sabia mais de quem era.

O trabalho estava perfeito, concluso, acabado. Era Divino, uma verdadeira obra de arte. E era eu ali, deslumbrante naquela tela, intocável, majestosa. Tarefa concluída. Soltei um desabafado suspiro e, me vi sozinho. Eu estava sozinho. Eu era o pintor. Tinha me pintado na tela mais não era eu; era ela que ali estava envolvida e embebida em tantas tintas e cores. No primeiro momento, achei que estava doido, que tinha enlouquecido. Mas logo em seguida, num estalo, descobri que eu era ela e que ela era eu. Ou melhor, eu estava nela e ela estava em mim. Enquanto eu pintava, eu também era ela que se desprendia de mim e ali, do lado, certificava-se se tudo estava saindo perfeito; se ela estava saindo perfeita. E assim, eu olhava para o pintor, que era eu, pintando ela, que estava em mim.

Não me peçam que explique essa loucura; penso não ser capaz, nem acredito que isso seja possível. Mas comigo acontece, aconteceu e tenho certeza, acontecerá. É que eu, sou eu só, entende, mas ela está em mim, impregnada no meu ser e na minha imaginação. Em minhas mãos, nos meus gestos, na minha mente e no meu coração.

E ela é tão real em meu pensamento que eu me dispo dela e a ponho do meu lado para passá-la à tela, enquanto ela me observa. E isso, de tal maneira, parece-me tão verdadeiro que às vezes ouço a sua voz e até conversamos.

Mas logo, tarefa concluída, vejo-me sozinho e caio na real realidade. Ela me dá um breve adeus e volta para dentro de mim, passando novamente a alimentar meus sonhos, minha mente, meu sangue, meu coração, meu corpo inteiro. Eu todo, inspirando-me para a criação do próximo trabalho, quando a terei novamente ao meu lado. Ela, fulgurante, se deliciando e irradiando felicidade e prazer por protagonizar esse meu devaneio tão real.

É a minha mais doce história de amor. Somos dois nessa narrativa de um só. Eu, o pintor.

Roberval Paulo

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

PAZ INQUIETA - Roberval Paulo

Esse dia que ora se inicia
e que traz-me de volta,
ao alcance de um olhar,
os fios dourados da manhã
aureados pela luz do sol
e brilhando feito o brilho do existir,
faz-me pensar
quão grande és tu
e o quanto pequeno
me sou neste sonho

Não tenho a dimensão
nem o limite
do infinito onde habitas
ou estás

Mas sinto a tua presença
Na manhã e no sol
No orvalho e na relva verde
No rio que caudaloso corre
Na cantiga e frescor do vento

Na quietude do tempo
Que ornamenta
a paisagem da vida

Na folha da palmeira
Que profere um canto
Da mais inquieta paz

Inquieta porque meus ouvidos atentos
Alvoroçam ao escutar-te
E cheios do teu amor
Condensam em mim
A luz de todo o universo

A mim só resta agradecer
e sorrir compassivo
diante da tua magistral grandeza

E realimentado
De brisa e de paz
Lá vou eu, um novo viandante
Que embora estradando
A estrada errante
Entendi que o caminho
É o caminhante quem faz.

Roberval Paulo

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

CONSTATAÇÃO - Roberval Paulo


Não sei em que dia me encontro ou em qual noite descanso. Tudo é como as águas de um rio que descem cautelosas e caudalosas e nada as detém. 

Sou feito o sol escondendo-se da chuva e só voltando quando esta já se despediu. 

Fugir da vida não posso. O chão que me espreita é paciente pois tem em si a certeza que me terá um dia. 

Não fujo do encontro, só retardo o que certo é. Ela vejo em sonho e seus cabelos e olhar me dizem amar. 

Fecho os olhos e sua visão faz-se mais nítida. Estamos do lado oposto da hora.

O sonho não se materializa e a vida caminha na direção do que inexiste como um trem desgovernado e sem direção, buscando descarrilar-se na curva de acesso ao que se convencionou futuro. 

Que futuro é esse, não sei, mas sei que é ele que devo alvejar

   com minha flecha de sonhos;
   meu tiro de esperança;
   meu sangue incolor;
   meus dias sem dor;
   minha alma que ainda vive;
   meu corpo que é sobra.

Meus dias que ficaram no retrovisor da  lembrança.
Um espelho que se quebrou quando a luz, em luz, se foi a apagar.

Meu esperar que vai se subtraindo pelos dias vividos, mas que traz a lume, dia após dia, a clarividência da verdade maior do nosso existir que ainda desconheço, mas que a experiência e a estrada me faz acreditar como sendo a única luz capaz de tornar real e plausível a sua estadia aqui, fazendo-a de fato valer a pena, não sendo a alma pequena.

Roberval Paulo

A ESTRADA RETA DE UM CAMINHO TORTO - Roberval Paulo

Estou na estrada reta de um caminho torto. Um sonho acordado de um dormir mais pesadelos que sonhos. Não sei onde parar a ouvir o que não se diz nem mesmo ao silêncio. O estampido rouco e estridente de um inaudível som apoderou-se do meu ser e me leva a escutar o que ninguém falou e o que nem eu mesmo disse a ninguém e nem a mim. 

Sou a curva querendo endireitar-se para reta se tornar e não mais encruzilhar-se. Assim, endireitado, vou ao norte do caminho onde habita o descortinado horizonte e dele terei notícias e ali descansarei. Não quero mais andar sem saber qual caminho seguir. O caminho eu não conheço, então me vou a disfarçar o andar e me farei autêntico quando a estrada de mim se fizer conhecida. 

Estaciono-me no lado oposto da existência a esperar pela origem do ser que ensinar-me-á a razão de estar aqui, direcionando os meus passos para a imprevisibilidade do tempo, no mistério alucinante de nada saber de mim nem tão pouco de onde vim nem para onde caminhar.

Vou ao sol que encurta os dias, alegrando-me para o futuro que me trará o inevitável. Vou ao fim para ser começo. Vou a mim para buscar o outro do eu de mim que ainda não conheço, mas sei que em mim está. Vou indo, só indo para a reta endireitar, pois que já estou cansado de tanta curva fazer, de tanto sonho querer e a lugar nenhum chegar.

Vou indo na estrada reta de um caminho torto.
Não sei se torto é o caminho ou se o meu caminhar.

Roberval Paulo

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

EU, MINHA PÁTRIA! - Roberval Paulo

Minha pátria é o meu olhar
Os meus passos, o meu pensar
Minha pátria são os meus sonhos
e todo o meu estradar

Minha pátria é tudo o que eu tenho de meu
Minha pátria é ainda um muito que eu não tenho
Minha pátria é o sangue que agita nas minhas veias
Mas também o rio que corre em minha alma

Minha pátria é o romper de uma madrugada
Que serena e sem medo anseia pela luz do dia
Minha pátria é em mim o sonho de um outro dia
Quando eu tristemente sonhava em não ter mais pátria

Mas minha pátria não é a soberba
Nem o egoísmo da capital federal
E pode até ser a capital federal
Mas sem essa malévola federalização no mal

Minha pátria não é carnaval
Quando muito, aquele antigo carnaval
Em que os salões eram cheios e repletos
De amor e de foliões só brincando e se alegrando
Meninos nas meninices como em sonho de criança
Minha pátria era a pátria da esperança!

Minha pátria é minha fé, essa força infinita
Que me levanta mesmo na adversidade
Que me suspende quando a dor se agiganta
Minha fé é que me cura da maldade

Minha pátria sou eu e o meu existir
Minha pátria é tudo que ainda está por vir
Minha pátria é o que quero para mim e para ti.

Roberval Paulo

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

ANGÚSTIAS! - Roberval Paulo

Não sei mais por onde andar
Não sei nem porque cheguei
Meus caminhos caminhei
Por entre serras e mar
Viajei daqui pra lá
O inverso também fiz
Risquei o chão feito giz
Sendo o ator do meu passar
No quadro negro do olhar
Não sou triste nem feliz


Feito cordão de enxurrada
Desgovernada e sorrindo
Se arrastando e destruindo
Sou eu abrindo a picada
Um rasgo no mei do nada
Sigo formando erosão
Carregando a nação
Viagem desesperada
Tô pra lá da caminhada
E ainda rasgando chão

Minha vida se varia
Quando falo de saudade
Ouço gritos da cidade
No cantar da cotovia
A noite dentro do dia
É complemento do nada
Cravo no peito a espada
Do teu olhar matador
Me acho no teu amor
Te perco na caminhada

São tempos tão conturbados
O que hoje vivenciamos
Que de uns tempos para cá
Não sei nem de quantos anos
É tanto acontecimento
Que eu penso por um momento
Que nos desencaminhamos.

Roberval Paulo

DESCONSTRUINDO A POESIA - Roberval Paulo

Minha cidade é tão bonita!
Composta de ladeiras e descidas
Você sobe e depois desce
Pois se não descesse,
Era capaz de dar direto no céu

Mas minha cidade é realmente bela
Repleta de mangueiras, quintais e laranjais
Você sobe, tira e de lá desce
Porque se não descer,
Com o tempo vem a cair feito manga

Minha cidade é mesmo bela, tão bonita!
Sinfônica na sinfonia dos pardais
Você escuta e tome viagem no tempo
Mas não sobe e nem desce
De verdade, nem sai do lugar
Só escuta e ali mesmo fica,
A pisar na física do chão do chão

Minha cidade é ainda mais bela e bonita
De serenatas e donzelas nas janelas
Você canta, ela escuta e tu corre
Porque senão o pai dela te acerta
E tá feita a confusão

Minha cidade é só minha cidade
E eu sou a poesia em desconstrução.

Roberval Paulo

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

CRENÇA! - Roberval Paulo

A folha da palmeira roça o meu rosto
E me diz palavras de vento
E lá distante, bem antes do advento
O coqueiro já era na beira do mar

As baleias e o seu canto chamando o amor
O apito do trem e a vida a passar
No norte da vida o sino a tocar
E os trilhos sem fim de um andar agnóstico

O existir é maior que a razão
E o natural é mais que qualquer plano
A ciência é o limiar de todo engano
E o amor não é fogo que arde sem se ver
É, antes de ser fogo, a própria chama
Que inflama, reclama e se porta feito dor
Mas é em mesmo tempo a cura indolor
Que faz a mãe amar o filho ingrato
Esquecendo de infarto e de súbito impacto
A dor maior, a dor sem cor
A dor de amor, a dor do parto

A ciência não é cura, é realmente infarto
A natureza é que leva a vida adiante
O homem traça a estrada errante
E se faz perdido entre a multidão
E eu o esteio do seio de Abraão
Que culpa tenho eu, eu não fiz a vida!
É que o pastor agora é a ovelha perdida
Se perdeu do rebanho e está sozinho.
O errar do homem é o seu existir
Que orgulho em ir sem saber pra onde ir
E se dizer senhor do seu destino?

Ora pois, que destino! Qual destino?
Como enfim a roda explicar?
A bola do mundo no espaço a girar
E eu rodando com meus pensamentos
Minha cabeça na bandeja do tempo
E eu avesso à cronologia
Mato um leão todo santo dia
E sou réu confesso do santo no altar
O bom da vida é saber esperar
Mas firmar o passo tão logo nasce o dia.

Roberval Paulo

EXISTÊNCIA! - Roberval Paulo


O existir está longe de ser isso que vês
O existir é tudo e não me iludo
Do ópio imaterial
à escuridão do matagal
Da imensidão do ser
à insignificância do ter

Penso, logo existo!
Descartes descarta a carta
Na casta de um mundo real
De um pensar que se desgasta
Se não pensar, inexiste?
Descartes tosse...e se engasga

Existir é ser espaço
É ser vento e ser andança
É ser o risco no passo
É ser o passo na dança

Viver é tão perigoso!
Ainda mais quando o vivente
Vivendo a vida se lança
Ao exercício de um tudo
E vestido de esperança
Se vai por aí sem rumo
Rumo ao rumo da distância
Tão distante que aproxima
A velhice da infância


Existir é contar estrelas e delas nada saber
Mas saber, inclusive, que elas nos habitam
Saber que no frigir dos ovos e da própria existência  
Somos mais estrelas que pó
Mais espaço que esfera
Mais trigo que pão de ló

Enfim, mais nuvem do que artérias
Mais espírito que matéria
Mais multidão do que só.

Roberval Paulo

JORNADA - Roberval Paulo

Rompi com os umbrais do estradar
Adentrei na fantasia todo altivo
Recordei o meu tempo de cativo
Para enfim valorar o caminhar
A estrada sempre foi o meu manjar
É que a mente saboreia o seguir
O viajante não se cansa de ir e vir
E o cansaço faz o ponto de parada
Já me vou pra lá do meio da jornada
Compilando, agregando e a corrigir

A jornada dessa vida é tão astuta
Que a estrada nunca diz como se andar
Ela só se mostra aberta e fica lá
Se dispõe e você faz a labuta
Como rota ela é absoluta
Sem ela você nunca vai chegar
A jornada e a estrada é um mesmo lar
São estas a bússola do viajante
Sendo perto a viagem ou distante
Tanto faz, vai ter que nelas passar

Então faça da vida sua estrada
Ora ande, ora pare a descansar
Desfrute de tudo que ela mostrar
Ande sempre mas também faça parada
Respire fundo quando esta for bloqueada
Altere a rota e planeje o próximo passo
Force a passagem se estiver no seu espaço
Caso contrário faça a correção de rumo
Busque um atalho, vá com Deus e siga o prumo
E descubra em que porto quer chegar.

Roberval Paulo



terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O MENINO DO INTERIOR - Roberval Paulo


Esta crônica está publicada no 
Jornal do Tocantins CRÔNICAS & CAUSOS, edição 07/01/2020 

Conheci Charliedson a pouco mais de um ano na empresa em que eu trabalhava. Veio do interior tangido pela necessidade premente do estudo, buscando cursar a tão almejada e sonhada faculdade. Chegou à nossa empresa contratado como estagiário e trouxe-nos tanta alegria que até hoje, ao recordar-me das engraçadas situações em que Charliedson se metia em razão da sua genuína ingenuidade, derreto-me em sorrisos, mas também em agradecimentos por, em pleno século XXI – em que se consolida cada vez mais a batalha dos egos, do egoísmo e da individualidade – ter conhecido alguém ainda tão puro e tão íntegro, desprovido e despojado da poção ambiciosa que acomete a grande maioria da nossa tão assustadoramente mortificada população.

Charliedson era, e, após um ano de conhecimento e de vivências compartilhadas, continua sendo um caso a parte; um ponto fora da curva; uma laranja sã a retornar à sanidade as laranjas a muito apodrecidas. Um sonho real em nossa tão surreal realidade. Uma planta vicejante e alvissareira, regada pela água da simplicidade e da transparência Divina, a sobreviver e se fortalecer em meio à densa mata selvagem de ervas daninhas que buscam seu lugar ao sol espalhando sombras sobre o sol daqueles que não lhes agregam benefícios.

Vivemos a tão ultrajante regra do toma lá da cá; das relações pelas conveniências; do respeito ao próximo, mas só quando o próximo estiver bem próximo e não ameaçar a sua escalada, regra da qual, definitivamente, Charliedson não comunga e não faz parte de forma alguma, tão nobre é o seu senso de responsabilidade com a sua existência em relação à existência do outro.

Mas não só o seu caráter reto e probo e sua consciência igualitária chamaram minha atenção. A sua ingenuidade interiorana e matreira, seu ar de ironia sertaneja e seu comportamento entre acanhado e feliz, fizeram-me, a cada dia, um seu ávido e ardoroso observador e seu assíduo fã.

A nossa Capital, ainda em plena expansão e desenvolvimento, não é assim tão grande se comparada às grandes metrópoles, mas, para quem veio do interior, cidade com um pouco menos de dois mil habitantes, sendo sua primeira viagem à cidade grande, Palmas torna-se o gigante adormecido. É a metrópole vista pela televisão e agora desnudada frente à visão arteira de Charliedson, que no seu primeiro contato com as avenidas largas de tráfego intenso e com tanta gente atravessando nos sinais, olhou e nem pensou para lançar a sua primeira pérola: “Eita que com tanto carro e gente se misturando num dá nem pra saber quem ganha essa corrida. Fico olhando e num sei quem sai na frente”.

Os dias passam e todos os dias Charliedson traz graciosidade e liberdade para o nosso escritório de reclusão e de portas fechadas para o mundo lá fora. Leva bom humor aos mal-humorados e dá suporte, sem querer, aos que não mais se suportam. Quando ele chega parece que os cadeados da sisudez e do mau humor destravam-se e se destampam de sorrisos em resposta forçada pelo seu sorriso franco; pelo seu olhar entre desconfiado e acanhado, mas transparente e acalentador.

Certo dia chegou ao trabalho às gargalhadas e dizendo: “Hoje cedo me aconteceu o inacontecido que não tem como acontecer a quem acontece, só a mim mesmo”. E ria de dar gosto de ver e de até imita-lo as gargalhadas. Frente aos nossos olhares e sorrisos, ele continuou: “Minha gente, entrei no ônibus hoje desligado da vida, dei o dinheiro ao motorista e chegando na catraca, rodei mais não passei. Olhei pro motorista sem entender nada e ele me olhava entendendo menos ainda. Ficamos olhando um pro outro por algum tempo sem nada falar e aí ele disse com o olhar arregalado: –Tu num passou? Eu respondi: –Num passei. Olhamos de novo um pro outro, desconcertados. O ônibus parado, passageiros me atropelando e entrando, o povo me olhando e eu olhando pro motorista querendo que o mundo acabasse ali ou que uma bomba explodisse e tudo deixasse de existir. Aí o motorista correu as vistas pelo todo do ônibus e fitando-me de novo, começou a querer rir e eu disse: –Se tu rir eu choro bem aqui. Caímos todos numa gargalhada coletiva mas tão desconcertante que quando cessou, imperou-se de novo o silêncio da morte. Sem saber o que dizer e com vergonha de dizer, eu só disse: –E agora? Ele ainda de olhar arregalado, respondeu: –Agora lascou. Criei coragem e disse:  –Tem mais dinheiro não? Ele respondeu: –Agora que lascou foi tudo. Rimos de novo, mas um riso contido a procurar buraco pra esconder a cara. Ele pensou um pouco e disse: –Senta aí, –e me apontou o tampão do motor– vai aqui mesmo e lá tu sai pela entrada que aí é como se tu num tivesse nem entrado. Eu disse: –Tá –e sentei.

Tava quente, bem quente aquele tampão de plástico duro, mas num tive nem coragem de me levantar. Chegando no meu destino ele parou e me olhou. Eu o olhei, levantei e desci sem dizer nada. Lá de fora virei e ele tava me olhando com o canto da boca meio subindo e a veia da goela quase a saltar do pescoço; acho que tava querendo rir mais de mim. Se riu se não riu eu num sei, pois virei as costas e saí num caminhar tão ligeiro que parece que nem pisava no chão, ia flutuando. Eu caminhava mas parecia estar voando e com aquela sensação de não existir. Foi essa talvez a maior vergonha que já passei na vida por causa de uma catraca que rodei e num passei. Credo em cruz! À tarde volto por outra rota, mais aquele motorista quero ver mais não.”

Rimos todos e o dia começou mais leve e alegre pela alegria de Charliedson que fazia graça até na dificuldade. Um ano se passou e passou o seu estágio e ele se foi. Acho que foi por aí a clarear onde é escuro, pois foi o que ele fez aqui durante a sua estadia. Estou com medo que a escuridão volte ao nosso viver como antes de Charliedson. Por isso sigo lendo a sua lição e sereno e confuso, vou estagiando a nossa permanência no estágio em que ele nos deixou. De graça e de paz, mesmo quando graça e paz não nos forem presentes. De sol e de luz mesmo quando as sombras insistirem em nos escurecer.

Roberval Paulo